no livro "conto da ilha desconhecida" (saramago), um homem
pede um barco ao rei mas, em princípio, não sabe aonde vai. quer chegar a uma
ilha que ninguém conhece. será caminho difícil, pois terá de passar por si próprio. dante, na "divina comédia", acaba se perdendo, numa floresta e
precisa de ajuda... ele também desconhece o caminho a percorrer... vai
ser difícil, pois enfrentará só o inferno. um homem do campo, no conto "a terceira margem do rio" (rosa) expõe a mesma sensação de perda e desconstrução: ele faz um pequeno barco e, sozinho, sai, rio acima, abaixo, num ritmo só seu, adentro, para sempre. omais um caminho
difícil... ou o que esse homem passava é que estava difícil, a gente só imagina. olhem, pouca gente sai do trilho da razão para seguir um instinto próprio. dizem que ser humano seria sociável, e rousseau, lá no século 18, ele... ah, esquece.
. . . . . . . . . . . . .
conheça também publicações deste blogueiro clicando em "meus livros", no alto da página
o texto se inicia com a descrição de uma dança sedutora de um homem para outro homem, sendo este último, o narrador.
De repente ele começou a sambar bonito e veio vindo para mim. Me
olhava nos olhos quase sorrindo, uma ruga tensa entre as sobrancelhas,
pedindo confirmação. Confirmei, quase sorrindo também, a boca gosmenta de
tanta cerveja morna, vodca com coca-cola, uísque nacional, gostos que eu nem
identificava mais, passando de mão em mão dentro dos copos de plástico.
Usava uma tanga vermelha e branca, Xangô, pensei, lansã com purpurina na
cara, Oxaguiã segurando a espada no braço levantado, Ogum Beira-Mar
sambando bonito e bandido. Um movimento que descia feito onda dos quadris
pelas coxas, até os pés, ondulado, então olhava para baixo e o movimento
subia outra vez, onda ao contrário, voltando pela cintura até os ombros. (...)
. . . . . . . . . . . . . . . . . .
o trecho lembra os movimentos de rita baiana, em "o cortiço", do aluísio azevedo, 1890. . . . . . . . . . . . . . . . .
Entreaberta, a boca dele veio se aproximando da minha. Parecia um figo maduro quando a gente faz com a ponta da faca uma cruz na extremidade mais redonda e rasga devagar a polpa, revelando o interior rosado cheio de grãos. Você sabia, eu falei, que o figo não é uma fruta mas uma flor que abre para dentro. O quê, ele gritou. O figo, repeti, o figo é uma flor. Mas não tinha importância (...)
. . . . . . . . . . . . . . . . . .
a sequência é o envolvimento dos dois homens, durante um baile de carnaval. o primeiro, além de seduzir o narrador em meio a sua dança e a proximidade dos corpos suados, oferece droga a ele -- narrador -- que, apesar de negar no início, aceita. eles vão à praia, saindo do salão; se envolvem pela areia. na sequência surgem muitas pessoas. elas espancam a dupla. o narrador não consegue ajudar seu parceiro. foge.
Fechando os olhos então, como um filme contra as pálpebras, eu
conseguia ver três imagens se sobrepondo. Primeiro o corpo suado dele,
sambando, vindo em minha direção. Depois as plêiades, feito uma raquete de
tênis suspensa no céu lá em cima. E finalmente a queda lenta de um figo muito
maduro, até esborrachar-se contra o chão em mil pedaços sangrentos.
[ fim ]
. . . . . . . . . . . . . . . . . .
a queda do figo representa o fim trágico, dolorido, da paixão. figo pode sim ser um símbolo fálico, símbolo da relação homoafetiva, ali, entre eles. as referências a xangô, iansã, oxaguiã e ogum dão o tom pagão, mais orgânico à relação homoafetiva. vale lembrar que o texto é do século 20, saiu em 1982. lá, a questão da homossexualidade era ação condenável, praticamente um crime. vide o desfecho desta narrativa. as bênçãos de orixás africanos são a verdadeira justiça para essa ação amorosa e, claro libertadora. figo e plêiades -- em "terça-feira gorda" -- são alegorias de desejo. ia dizer alegorias de amor, desisti. mais do que isso, figo e plêiades evocam natural liberdade, mesmo que um esteja esborrachado no chão e outro tão distante no céu.
neste século 21, cientistas alemães descobriram que as vacas pastam viradas para
o norte. não todas, só as normais. é uma
tendência, seguindo uma espécie de magnetismo. os
estudiosos dessas picanhas vivas, h. burda e sabine begall, levaram anos observando as
mimosas e o senso magnético parece mesmo fato consumado. pastam para o norte. de repente, estariam à espera da grande aurok, a vaca ancestral, que um dia voltaria para salvar as que mugem e mascam. o problema é que, pelo brasil, o número de vacas aumenta na mesma proporção que os territórios indigenas diminuem. culpa do homo sapiens.
o ser humano, como você deve
conhecer, também tem senso magnético, apesar de que poucos são os que pastam. muitos eu já mandei pastar. outros, nem precisei.
olhem, de certa forma, melhor é compreender a natureza das coisas, mesmo que você não saiba onde fica o norte.
início do século 21. o rio de janeiro ganha mais
uma estátua de notório valor: clarice lispector. chamo atenção para quatro figuras públicas e que não são cariocas: cristo, drummond, clarice e dorival caymmi. todos com estátua, na cidade maravilhosa.
por outro lado, o carioca mais famoso do mundo, agenor oliveira-- o cartola --, não ganhou o
mesmo agrado. olhem, até romário tem estátua... vejam que cariocas ilustres como tom jobim, noel e machado de assis, ganharam o mimo também. e glória maria? para ela, nada de estátua...
também estão na fila, pelo menos
até a publicação desta crônica, fluminenses brilhantes: chiquinha gonzaga, dona ivone lara e arlette pinheiro. sim, arlette, mais conhecida pelo pseudônimo: fernanda montenegro.
início da narrativa "além do ponto" -- caio f abreu:
Chovia, chovia, chovia e eu ia indo por dentro da chuva ao encontro
dele, sem guarda-chuva nem nada, eu sempre perdia todos pelos bares, só
levava uma garrafa de conhaque barato apertada contra o peito, parece falso
dito desse jeito, mas bem assim eu ia pelo meio da chuva, uma garrafa de
conhaque na mão e um maço de cigarros molhados no bolso (...) -[ morangos mofados ]
. . . . . . . . . . . . . . . .
o narrador caminha pela chuva com cigarro e garrafa, na cidade que parece não colaborar com a caminhada. carros espirram lama em seu corpo. mas, segundo a narração, é preciso ir ao encontro dele, de alguém que supostamente o espera e vai acolher seu corpo molhado. haverá música, vinho, roupas secas.
. . . . . . . . . . . . . . . .
eu revia daquele jeito estranho de já ter estado lá sem
nunca ter, hesitava mas ia indo, no meio da cidade como um invisível fio saindo
da cabeça dele até a minha, quem me via assim molhado não via nosso
segredo, via apenas um sujeito molhado sem capa nem guarda-chuva, só uma
garrafa de conhaque barato apertada contra o peito. Era a mim que ele
chamava, pelo meio da cidade, puxando o fio desde a minha cabeça até a dele,
por dentro da chuva, era para mim que ele abriria sua porta (...) - [morangos mofados ] . . . . . . . . . . . . . . . .
repara que a narração, no trecho acima, já admite que ele pode nunca ter estado ali antes... por isso, um caminhar confuso. o narrador vai tropeçar, a garrafa bate na pedra, se quebra, escorre conhaque pelo corpo como um sangue de álcool. enfim, ele chega a um lugar e bate à porta. pessoa alguma atende. nada. fim do texto. o que estava levando o narrador obstinadamente àquela porta? um delírio, um sonho, uma alucinação de apaixonado? pelo jeito, trata-se de uma história de busca frustrada por amor. é o caminho angustiante de alguém que se deteriora e escorre como água da chuva. o álcool pode ter contribuído para este estado. ele ficará batendo -- ad infinitum -- naquela porta, um sísifo urbano.
lembro desta foto, era novembro, últimos dias de aula. 1981, segunda série "g", ensino médio. escola: curso oswaldo cruz, na rua américo brasiliense, ribeirão preto. falta mais gente aí, lembro fernando, katia, ligia... e outros tantos mais.
na foto: da esquerda para direita, ao fundo, francisco, eu (camisa escura) e paulo sérgio (camisa branca); no segundo degrau: taís (blusa vermelha) -- fazendo chifrinho na coleguinha --, alessandra, ivana, maria e washington; sentadas: cristiane, agnes e miriam manini (in memorian).
os nomes peguei no verso da fotografia porque, na ocasião, eu mesmo tive o cuidado de colocar.
não sei o rumo de quase todos, com exceção de miriam (falecida, 2020) e eu mesmo, por aqui, campinas, com aulas de literatura. os demais, será que viram esta foto, na época? era tão difícil -- e caro -- fazer cópias... eu gostava de praticamente todo mundo, achava tudo lindo porque também era meu segundo ano em uma escola privada, começava a gostar mesmo de escrever, embora não tão tímido quanto a maioria, nesta escadaria que era um prédio em frente à escola.
esta imagem é achado recente, em meio a memórias guardadas em caixas de papelão. entre o surpreso e o comovido, resolvi correr risco e publicar. será que verão isto?... como estarão, vocês?...
um dos primeiros portugueses que, oficialmente, deixou sua marca por durban, áfrica do sul, foi bartolomeu dias, em 1488. no mesmo lugar, viveu parte da adolescência, o poeta fernando pessoa. ele chegou em 1896, em função do trabalho do padrasto, o cônsul joão rosa. na cidade de durban, pessoa escolheu um heterônimo: c.r. anon (brincadeira com "anônimo"). em 1905, o português das múltiplas personalidades deixava a áfrica do sul. na cidade, há um relógio em sua memória e uma estátua para bartolomeu dias, a quem pessoa dedicou versos:
Jaz aqui, na pequena praia extrema O Capitão do Fim Dobrado o Assombro, O mar é o mesmo: Já ninguém o tema!
enquanto "A" questiona B sobre ser seu companheiro, "B" desconversa. até que na última fala de "B", este assume que é o companheiro de "A" mas agora é "A" que parece não entender. e assim deve seguir o diálogo, confuso, sem a interação objetiva. um diálogo interditado pela dificuldade de compreensão entre ambos. até o infinito. é a falta de entendimento. o assunto aqui é ser companheiro do outro. pois que no final século 20 -- de onde veio o livro de caio --, em alguns setores da sociedade, referir-se a alguém como "companheiro", "companheira" era sinal de intimidade, confiança, compromisso, amor mesmo. pelo jeito, neste caso, o amor truncado, a falta de clareza e o medo imperam na troca de palavras, nesse texto que abre "morangos mofados". o livro, como um todo, traz a tônica de relações truncadas, quebra de expectativa e frustrações, além de poucos momentos de prazer. o texto "diálogo" -- com perdão da redundância -- dialoga com "além do ponto", narativa do mesmo livro "morangos mofados".
na televisão, passa um dos filmes "toy story" (pixar). famosa fábula infantil e adulta ao mesmo tempo. num dado momento, um dos bonecos diz a seu parceiro de plástico: "você é um brinquedo!",
tentando expor a realidade dura daquele instante. era necessário fazer com que o boneco de astronatuta reconhecesse que não tinha super poderes, era descartável... e também não voaria. sobra o desespero de quem quer ser amado... os brinquedos são
imagem e semelhança de seus criadores. pode ser o mickey, tintin, cebolinha ou a barbie. é assim como mitos ou fábulas. impossível não lembrar a criatura de "frankenstein" (séc 19),
narrativa de mary shelley. tempo frio, a agonia das noites longas e ambientação gótica reforçam sensação de desespero e de muita
coisa errada. num dado momento do livro, criatura e criador conversam, em região
gelada da suíça. victor expõe para sua criatura que ela é
única e o melhor é que desapareça. ela não passava de um fetiche de cientista que, como se imagina, era homem estranho. sobra desespero de quem quer ser amado...
o conto, do livro "morangos mofados" (caio f abreu) traz uma história provavelmente datada: dezembro de 1980. júpiter e saturno estão em conjunção a cada 20 anos, aos olhos dos viventes do planeta terra. este ano, 1980, foi momento do encontro visível desses corpos do céu. narrador onisciente conta uma narrativa sob duas perspectivas diferentes. começa assim:
Foi a primeira pessoa que viu quando entrou. Tão bonito que ela baixou
os olhos, sem querer querendo que ele também a tivesse visto. (...) Com a movimentação dos outros, levantando o tempo todo para dançar
rocks barulhentos ou afundar nos quartos onde rolavam carreiras e baseados,
devagarinho conquistou a cadeira de junco junto à janela. A noite clara lá fora
estendida sobre a Henrique Schaumann (...) . . . . . . . . . . . . . . . .
a narrativa tem como cenário a cidade de são paulo.
história singela e simples: ela é tímida e está à janela, vendo estrelas, "discretamente infeliz" . ele, calças brancas, queimado de sol. conversam à beira da janela, mas não há conflitos explícitos. . . . . . . . . . . . . . . . .
E de
repente o rock barulhento parou e a voz de John Lennon cantou every day,
every way is getting better and better. Na cabeça dela soaram cinco tiros. Os
olhos subitamente endurecidos da moça voltaram-se para dentro, esbarrando
nos olhos subitamente endurecidos do moço. (...) - Você gosta de Júpiter?
- Gosto. Na verdade “desejaria viver em Júpiter onde as almas são
puras e a transa é outra”.
- Que é isso?
- Um poema de um menino que vai morrer.
- Como é que você sabe?
- Em fevereiro, ele vai se matar em fevereiro.
- Hein?
(Silêncio)
- Você tem um cigarro?
- Estou tentando parar de fumar.
- Eu também. Mas queria uma coisa nas mãos agora.
- Você tem uma coisa nas mãos agora.
- Eu?
- Eu.
(silêncio)
(...)
- Eu só sinto, mas não sei o que sinto. Quando sei, não compreendo.
- Ninguém compreende.
- Às vezes sim. Eu te ensino. (...)
- Vou ver Júpiter e me lembrar de você.
-Vou ver Saturno e me lembrar de você.
- Daqui a vinte anos voltarão a se encontrar.
- O tempo não existe.
- O tempo existe, sim, e devora.
. . . . . . . . . . . . . . . .
o verso "desejaria viver em júpiter onde as almas são puras..." é de um poema de henrique do valle (vazio na carne). na sequência, ambos ficam mais próximos, se beijam e ele vai embora. na rua, ele olha pra cima, vê uma moça à janela tentando dizer algo, ele não ouve. aí, em sua cabeça, soaram cinco tiros. em seguida , ele atravessa a avenida e ela se recolhe. fim. prosa poética que personifica a união dos planetas que se aproximam e partem a cada vinte anos, silenciosamente. a metáfora, aqui, mora no fato de que, a olho nu -- de vinte em vinte anos -- os planetas estão próximos... mas, na realidade, a distância entre eles é gigantesca. apenas de longe parecem próximos. o tema é a solidão, linha mestra do estilo do livro "morangos mofados". em dezembro de 1980, tempo do encontro dos planetas, cinco tiros soaram, em frente ao edifício dakota, nova york. era o fim para john lennon.
figuras importantes da literatura, por aqui, não vêem com bons olhos a escolha de uma lista de leitura composta apenas por mulheres, para o vestibular da usp (fuvest), em 2026. de certa forma, uma lista só feminina pode mascarar o machismo inerente à cultura do país, principalmente nos século 19 e 20. concorda-se. direito reconhecido em criticar o que quer que seja, tudo certo também. agora, sinto que se dá importância demais a um exame que não pretende medir o grau de conhecimento de estudantes. se fuvest escolhe este ou aquele, esta ou aquela, não vai alterar o preço do feijão. a literatura dos homens -- excluídos da lista -- não será excluída do mundo, eles continuarão aí. vestibular é exame, não é prova. vestibular não premia o bom esudante, a boa estudante. quem passa no vestibular xis só prova que foi bem naquele tipo de exame. passar em vestibulares, por aqui, não é tarefa apenas para quem estuda muito, mas sim, quem treina aquele tipo de prova. repito: legal discutir literatura, machismo, racismo etc. agora, não dá pra dar tanta moral pra uma prova (fuvest) que, de fato não busca medir conhecimento de modo pedagógico. quem faz isso é escola. pelo menos, deveria fazer. vestibular é exame. exclui, elimina, não gera aprendizado de fato. compare com a prova da carteira de motorista: fazer baliza e saber ler placas de trânsito não faz da pessoa -- necessariamente -- excelente motorista. educação no trânsito é outra coisa. essa discussão sobre mais homens ou mais mulheres, no vestibular encobre o principal: leitura na escola (ens médio e fundamental). o debate de verdade precisa morar dentro das escolas. como estão as leituras nas salas de aula?
[ estatueta de omama enviada à organização do oscar 2023, eua ] _ arte: felipe corcione _
É Hutukara! O chão de Omama O breu e a chama, Deus da criação Xamã no transe de Yakoana Evoca Xapiri, a missão Hutukara, ê! Sonho e insônia Grita a amazônia, antes que desabe Caço de tacape, danço o ritual Tenho o sangue que semeia a nação original Eu aprendi português, a língua do opressor Pra te provar que meu penar também é sua dor Falar de amor enquanto a mata chora É luta sem flecha, da boca pra fora! Tirania na bateia, militando por quinhão E teu povo na plateia, vendo a própria extinção Yoasi que se julga: Família de bem Ouça agora a verdade que não lhe convém Você diz lembrar do povo Yanomami em 19 de abril Mas nem sabe o meu nome e sorriu da minha fome Quando o medo me partiu Você quer me ouvir cantar em Yanomami pra postar no seu perfil Entre aspas e negrito, o meu choro, o meu grito, nem a pau Brasil! Antes da sua bandeira, meu vermelho deu o tom Somos parte de quem parte, feito Bruno e Dom Kopenawas pela terra, nessa guerra sem um cesso Não queremos sua ordem, nem o seu progresso Napê, nossa luta é sobreviver! Napê, não vamos nos render! Ya temí xoa! Aê, êa! Ya temí xoa! Aê, êa! Meu Salgueiro é a flecha Pelo povo da floresta Pois a chance que nos resta É um Brasil cocar!
Composição - Pedrinho Da Flor / M Motta / Arlindinho Cruz / R Galante / Dudu Nobre / L Gallo / Ramon Via 13 / R Ribeiro * hutukara - associação yanomami (sem fins lucrativos) que reúne habitantes da terra yanomami * xapiri - espíritos da floresta * yakoana- substância alucinógena feita para rituais xamânicos * omama- entidade divina que criou os yanomâmi; guerreiro criador * yoasi - a criação de seu povo yanomâmi se deve à copulação de omama com a filha do monstro aquático taperesiki; já yoasi é irmão de omama -- ele é responsável pela morte e os males do universo * napê- ou "napepê" - significa "não" -- também pode ser referência a quem não é yanomâmi ou simplesmente um inimigo * kopenawa - davi kopenawa, liderança indígena yanomâmi; ativista * ya temí xoa - expressão yanomâmi: "você ainda vive?" * bruno e dom - bruno pereira (indigenista) e dom phillips (jornalista) assassinados em 2022 enquanto defendiam direitos indígenas . . . . . . . . . . . . . . . . . samba reforça o compromisso com causa dos povos da floresta, nossos ancestrais. está dito e escrito que a ambição e hipocrisia estão extinguindo nossa gente, não só yanomâmi. ambição, hipocrisia e deseducação constante são o mal de agora e de antes. a história dos povos indígenas deveria estar nos bancos escolares, mas a gente sabe como ainda funciona esse ciclo chamado "educação básica", por aqui... a letra do samba vai na ferida das "pessoas de bem", aqueles regidos pelo egoísmo, pela ignorância e, claro, são os que mais odeiam índios e pretos. é a gente que ri da fome dos índios ou que condena aqueles que ajudam (salve, pe. lancelotti!) os necessitados sem teto e, agora, essa gente vai merecendo o esculacho no maior show de arte e aprendizado que é o carnaval carioca. não vamos nos render. "meu vermelho deu o tom" está num dos versos do samba enredo e significa o pau brasil, como pode ser a cor que vai na pele de muitos indígenas em tempos de guerra. vermelho também é sangue, aquilo que corre na veia ancestral, assim como o que é derramado por indígenas e por aqueles que ousam defender esse povo ancestral -- citados na canção, diga-se... pois é, no nosso cotidiano escolar, tem sido mais importante o mito grego, o mito cristão do que omama. assim como deuses dos brancos mais conhecidos que xangô ou iemanjá. resta a poucos abnegados, como a turma do salgueiro, incorporar a flecha para que o brasil seja cocar. . . . . . . . . . . . . . . . .
importante :
Aceitar a voz de seus ancestrais, ver os espíritos da floresta, xapiri, dançarem diante de seus olhos (...) E reafirmar sua possibilidade humana, sua identidade, diante da vontade predatória dos brancos. O costume ameríndio, afinal, está mais ligado ao futuro da humanidade do que ao seu passado, como refletia o poeta e ensaísta mexicano Octavio Paz em 1993:“A extinção de cada sociedade marginal e de cada diferença étnica e cultural significa a extinção de uma possibilidade de sobrevivência da espécie inteira. Com cada sociedade que desaparece, destruída ou devorada pela civilização industrial, desaparece uma possibilidade do homem – não só de um passado e um presente, mas um futuro”.
numa primeira postagem (julho, 2022) comentando o samba "silêncio de um cipreste", do rei cartola, afirmei o seguinte:
(...) parece mesmo que existe culpa, nessa letra de cartola. então, a solução para o defeito seria mudar o pensamento – ao invés de tentar fazer alguma coisa. o pensamento, segundo o texto, é folha do cipreste que o vento leva, não tem peso. uma ação, pelo contrário, fica, tem peso, pode ser julgada. (...)
hoje, releio, estudo, converso, então, resolvo fazer ressalva.
assim: a questão, no texto de cartola, não seria apenas o contraste entre o pensar e o fazer. lidar com pensamento não significa necessariamente deixar de fazer uma ação. pode ser, mas nem sempre. olhem, a letra é introspectiva, revela arrependimento, é fato. agora, mudar o pensar também pode ser uma maneira nova de encarar o passado, ou seja, rever aquilo que o poeta diz não ter realizado, mas sem o peso. insisto: se o pensamento é como folha leve, então pode-se ver o passado de outra forma: com menos mágoa.
a letra está aqui:
SILÊNCIO DE UM CIPRESTE Cartola [ 1908 - 80 ]
Todo mundo tem o direito De viver cantando O meu único defeito É viver pensando Em que não realizei E é difícil realizar Se eu pudesse dar um jeito Mudaria o meu pensar O pensamento é uma folha desprendida Do galho de nossas vidas Que o vento leva e conduz É uma luz vacilante e cega É o silêncio do cipreste Escoltado pela cruz
conto do livro "morangos mofados" do caio f abreu.
aqui, a relação entre psicanalista e paciente. o tempo da narrativa é o da sessão, desde a chegada da paciente, até o término e a a vinda de outro, quando o texto se encerra. o começo é assim:
Rói as unhas no momento em que abro a porta, a bolsa comprimida
contra os seios. Como sempre, penso, ao deixá-la passar, cabeça baixa, para
sentar-se no mesmo lugar, segundas e quintas, dezessete horas: como
sempre. Fecho a porta, caminho até a poltrona à sua frente (...)
. . . . . . . . . . . . . . .
a paciente conta um episódio que antecede sua chegada ao consultório, que é o tropeço em um caixão de defunto. ela estava entretida com suas ameixas, comendo com vontade, dobra uma esquina e topa com o caixão saindo da casa. a paciente e o psicanalista fumam vários cigarros, durante a sessão.
. . . . . . . . . . . . . . .
(...) então eu vinha caminhando
devagarinho as ameixas eu não conseguia parar de comer, sabe, já tinha
comido acho que umas seis estava toda melada quando dobrei a esquina aqui
da rua e ia saindo um caixão de defunto do sobrado amarelo (...) foi bem na hora que eu dobrei não deu tempo de parar
nem de desviar daí então eu tropecei no caixão e as ameixas todas caíram
assim paf! na calçada (...)
. . . . . . . . . . . . . . .
ao final, ela retira uma ameixa da bolsa, deixa sobre a agenda do psicanalista e lhe deseja "feliz ano novo". sai. ele, preocupado -- era setembro -- decide ligar aos pais dela para que a internem novamente. quando vai olhar para as meias, não dá tempo, a secretária anuncia outro paciente.
o que teria levado o psicanalista a querer que ela fosse internada? a história do defunto chama atenção e, presunção minha, pode se ligar a um possível desejo de morte da própria paciente -- ou de outro.
o que seria esta ameixa, no fim da história recheada de frutas? se "pera", "uva" e "maçã" trazem conotação sensual, de intimidade, a ameixa pode ser algo mais intenso do que a gradação "aperto de mão", "abraço" e "beijo". poder sexo mesmo.
vale notar que há dois conflitos nessa história: primeiro, aquilo que está embutido no discurso da paciente; segundo, ela havia notado que as meias do psicanalista estariam trocadas. isso o deixa curioso, ele disfarça, mas está querendo saber -- enquanto ela fala de seu assunto -- se seria uma branca e a outra listradinha de preto, mas não consegue ver. você deve estar pensando se realmente só a moça precisaria internação. certo?
. . . . . . . . . . . . . .
saiba mais !
. . . . . . . . . . . .
conheça também publicações deste blogueiro clicando em "meus livros", no alto da página
meu aniversário está chegando e já encomendei pratos
diversos, de repente escolho um deles. filé de auroque com farofa doce de azeitona. poder ser também: risoto de pupila de mamute, acompanhado de fígado de megalodonte, além, claro de guacamole de melancia. tudo vale quando se descobre que
estômago não faz julgamento moral. viva a fome que aguça imaginação.
. . . . . . . . . . . . . . . .
conheça mais revoluções e fanfarronices, neste livro aqui, veja o vídeo!
romance com dois narradores envolvendo personagem que vive em um museu possivelmente criado por... -- ah, não vou contar aqui! ... -- foi inventado a partir de práticas pouco ortodoxas de um desenhista e fotógrafo francês radicado em campinas, s paulo. narrativa meta-histórica cuja trama envolve santos dumont, carlos gomes, o tal hercule florence, luiza xavier de andrade, iara e outras figuras que passaram (ou deveriam ter passado) por campinas.