um céu líquido

                                                                
                                                 [ picasso, mulher chorando, 1937 ]


em "vestido de noiva" (n. rodrigues), a personagem alaíde sofre alucinações em cama de hospital, vê figuras do passado, revive realidades; a criatura de "frankenstein" (shelley) com certeza deve ter sofrido um tanto, logo após abrir os olhos amarelos, na alemanha. há outros aqui, na estante, sofrendo do mesmo mal, como naziazeno (os ratos), luís (angústia), quixote (d quixote), mersault (o estrangeiro), sidonio rosa (venenos de deus, remédios do diabo) ou mesmo capitão celestino (a visão das plantas).

a depressão é a primeira curva na estrada das alucinações. da depressão vai-se para crise de ansiedade num pulo. às vezes ela passa logo. crise de ansiedade é fogo. pouca gente acolhe, já adianto. é preciso ser bem transparente com quem está à volta. é preciso um psiquiatra. controlar respiração e contar com a sorte para ser acolhido por quem está fisicamente perto. a médio prazo, terapia ajuda muito. terapia não cura, mas ajuda a lidar com essa lama toda que é nosso exílio dentro da busca por identidade e acolhimento. é preciso parar de acreditar em empatia. isso é conversa de literatura. papo de publicidade pra vender apartamento ou aplicativo de mercado. por que pouca gente acolhe? porque, nesse mundo urbano em que tempo é dinheiro, pessoas estão preocupadas consigo mesmas. no máximo surgem no mesmo espaço físico, comem, bebem, mas não olham no olho querendo saber como estamos, de verdade. não recrimino. é só constatação. por isso, a causa de muitas angústias, depressões e afins é a solidão no meio das gentes que correm e vivem enterradas no aparelho celular. o tal aparelho nada tem de culpado, é só um objeto. mas ele é fruto da cultura do individualismo, da busca por algo que não gera conflitos. pessoas olham para seu próprio umbigo e, muitas das vezes, são educadas a serem assim como forma de se defender de possíveis dores. daí que, quando crescem, continuam olhando para si mesmas enquanto o próximo definha. 

voltando às figuras do primeiro parágrafo. não sei como se viraram esses personagens, porque estão sempre na curva, encostados, uns nos outros, na estante do quarto, um empurra-empurra secular, às minhas costas, agora, enquanto escrevo. não é boa a sensação, quando vem à mente "a queda da casa de usher" (poe) ou "a paixão segundo g.h." (clarice)... isso parece não ter fim. mas é só literatura.

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