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sexta-feira, 23 de maio de 2025

o caminho da arte

 


já fui um quadro empoeirado, esquecido na parede rachada de um casarão mofado. se bem que não era exatamente um casarão, porque não havia capelinha no quintal, nem piano dentro da sala. era só um terreno grande, piso de tijolo, coberto de telhas marrons. muita gente morou ali. gerações de plantadores de cana, pescadores, donos de supermercado, um casal de encantadores de serpente aposentados, um youtuber com depressão e duas bailarinas cegas. todos entraram, saíram, mas eu fiquei. quadro. parede, preguinho, pó. fiquei.

ninguém sabia quem me pintara nem o que exatamente eu retratava porque, aliás, mudava o tempo todo. pela manhã, aparecia um rosto deformado; à tarde, um campo florido; à noite, um bicho esquisito querendo sair de dentro da tela, como se o óleo ainda estivesse fresco. a moldura era circular o que facilitava a crença em supostas mudanças na imagem. diziam que quem passava tempo demais olhando para mim começava a ouvir sussurros, ou, pior, enxergar partes de si mesmo no quadro. era nojento.
houve quem jurou que a pintura era, na verdade, uma janela para outro lugar – daí ponderei que poderia ficar parecido com aquele livro do lewis carroll, da menina que cresce e diminui de tamanho, então, achei melhor endurecer feito um afresco. dito e feito: quem punha a mão pra saber se era mesmo passagem pra outra dimensão, errava, porque não dava pra atravessar. tentaram, mas não conseguiram. jogavam papel amassado, tampa de garrafa. até cuspe. com o tempo, cansaram, fui ficando esquecido, as traças me visitando. o que eu tinha, era isso: traças e um ou outro pesadelo de sabiá que entrava pela fresta da porta encarquilhada.
até que um dia, uma senhora de chapéu lilás entrou pela casa. dava pra ler seus pensamentos, porque, como sabem, sou arte. e o que havia? aquela senhora reconheceu o lugar onde algum antepassado teria vivido parte da infãncia, décadas e décadas antes. estava absorta e querendo recuperar alguma coisa que não vinha. resolveu limpar a parede, achando que eu parte do que havia ali era sujeira. a sujeira era eu. passou pano seco, reclamou da poeira, e bem ali, quando esfregou no canto, ouviu um estalo. rachaduras. parede, chão porta. trincas iam nascendo. teimosa, ela não correu. pegou uma lupa da bolsa e ficou encarando meu centro, onde se formava uma espiral esquisita, meio verde, meio preta, como um buraco sem fundo. o tremor havia cessado e ela, ainda de chapéu lilás, continuava sua expedição sobre meus traços e talvez até cores. riu baixinho, mexendo os beiços:  “que merda é essa?”

depois disso, a parede inteira começou a transpirar, como se estivesse com febre. e eu? me desfiz, escorri feito tinta fresca, me espalhei pelo chão até virar uma poça oleosa, cores difusas. antes de desaparecer, deixei só um detalhe pra trás: a pequena assinatura no rodapé, algo meio torto, que dizia "arte viva"

  

quinta-feira, 4 de abril de 2024

para viver um grande quadro

 

                                  [Vinícius de Moraes, 1938 – óleo –  56 x 47 cm  - Portinari]

                            [Maria L Proença, 1938 – óleo –  60 x 73 cm  - Portinari]

 

durante muito tempo, não soube que cândido portinari tinha feito retrato do poetinha. e ainda jovem. folheando "para viver um grande amor", do vinícius, achei uma crônica em que ele reclama com a filha susana, a posse do quadro. ela, prestes a casar-se, levaria consigo a peça de portinari. a questão era coerente: a nova namorada de vinícius (futura esposa) tinha sido também retratada por portinari: maria lúcia proença. o traço do pintor traz uma sobriedade que talvez não combinasse com ele, mas quem sabe do que se passa em mente de artista? se susana devolveu-lhe o quadro, não sei. só garanto que tenho um tanto de inveja desses anos 1930, 40, 50, no rio de janeiro, por onde passaram figuraças da música, arquitetura, cinema, literatura… de drummond a guimarães rosa, de vinícius a tom jobim... também clarice, maria martins, niemeyer, garrincha, cariocas ou não, estavam por lá, através do mundo da política, arte ou simplesmente pela boemia. dizem que tempo bom é o que a gente faz, então me acalmo… daí, não penso mais em um retrato meu, feito por portinari… difícil. primeiro, o pintor está morto; segundo, vinícius não me emprestaria a camisa rosada.

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 [ supreenda-se com uma personagem de lobato no meio de tudo ]

terça-feira, 27 de dezembro de 2022

pesadelo em pablo picasso

 

                                                                      [ pablo picasso, 1939 ]

todo mundo tem pesadelos. se não teve, terá. é o mal de quem dorme.
a "divina comédia", de dante, é toda construída assim, a partir de sonos intranquilos, em sua primeira parte. o início de "a metamorfose", de kafka, é crucial para essa ideia de que pesadelos são fonte de literatura. e já leu "frankenstein"?
quando tinha pesadelos, eu conseguia guardar alguns, dentro de potes de plástico -- desses de maionese --, também em livros ou mesmo dentro caixas velhas de óculos. ultimamente, uso duas gavetonas, sob a cama. quando estou sem sono, olho pra elas, bato com o nó dos dedos sobre a madeira, daí espero ansioso a resposta... até dormir aos sobressaltos de cansaço.
picasso, fez um quadro supostamente singelo, quase infantil, em que um gato abocanha uma ave... é terrível e, por isso, um de meus pesadelos mais marcantes. nunca sei se sou o dente do felino ou o ventre dilacerado da ave.
vocês lembram o final de "a hora e a vez de augusto matraga"? pois é. e do tal "prometeu"? lembram? 

quarta-feira, 6 de julho de 2016

retirantes e refugiados





"retirantes" é quadro bem marcante de cândido portinari, século 20. há mais água pelos olhos da menina do que no sertão. mas é sabido que a falta de chuva não é o principal problema ai. leia, com tempo, o curtíssimo é pontiagudo "urubu mobilizado", de joão cabral de melo neto. tão marcante quanto.

se puder, veja-me :


pedras no sapato

  no livro " f elicidade ", gianetti expõe que no século 18, o período iluminista apresentava uma equação que pressupunha uma harm...

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