joão rubinato faz cento e quatorze anos, neste 2024. joão era o nome de pia, porque
foi mais conhecido como adoniran barbosa. o primeiro nome vem de seu melhor
amigo e o sobrenome, uma homenagem ao cantor luiz barbosa. "saudosa
maloca" é um dos sucessos de adoniran. nascido na região de valinhos, s paulo, o compositor fez parceria com o grupo "demônios da garoa", mas
sua canção fica mesmo gravada no apelido do torcedor corintiano, o maloqueiro e sofredor. adoniran e corinthias são de 1910. olhem, se você que me lê não sabe o que é "maloca",
não sou eu quem vai explicar. se não sabe quem foi adoniran, aí precisa
nascer outra vez. o clube do parque são jorge também fez 114 anos, em 2024. gente como gilmar
(goleiro), rivellino (meia), gabi portilho (atacante) sócrates (meia-atacante), tamíres (ala) ou ronaldo (atacante)
foram campeões jogando pelo clube.
o maior público para uma partida de futebol, em s paulo, foi num jogo do time. era 1977. o adversário: a ponte preta, aqui de campinas. havia maisde
146 mil pessoas no estádio do morumbi. 142 mil só de corintianos. e o time
precisava apenas de um empate para ser campeão estadual, após 23 anos... e
começou marcando o primeiro. mas... na ponte preta havia um meio-campista
sereno chamado dicá, então, o time da zona leste paulista perdeu o jogo, gravando mais
forte a marca da penúria e do sofrimento, em sua torcida. na partida
seguinte, o clube seria campeão, mas isso é uma outra história.
joão rubinato é falecido (1982). adoniram fica pra sempre.
[ estatueta de omama enviada à organização do oscar 2023, eua ] _ arte: felipe corcione _
É Hutukara! O chão de Omama O breu e a chama, Deus da criação Xamã no transe de Yakoana Evoca Xapiri, a missão Hutukara, ê! Sonho e insônia Grita a amazônia, antes que desabe Caço de tacape, danço o ritual Tenho o sangue que semeia a nação original Eu aprendi português, a língua do opressor Pra te provar que meu penar também é sua dor Falar de amor enquanto a mata chora É luta sem flecha, da boca pra fora! Tirania na bateia, militando por quinhão E teu povo na plateia, vendo a própria extinção Yoasi que se julga: Família de bem Ouça agora a verdade que não lhe convém Você diz lembrar do povo Yanomami em 19 de abril Mas nem sabe o meu nome e sorriu da minha fome Quando o medo me partiu Você quer me ouvir cantar em Yanomami pra postar no seu perfil Entre aspas e negrito, o meu choro, o meu grito, nem a pau Brasil! Antes da sua bandeira, meu vermelho deu o tom Somos parte de quem parte, feito Bruno e Dom Kopenawas pela terra, nessa guerra sem um cesso Não queremos sua ordem, nem o seu progresso Napê, nossa luta é sobreviver! Napê, não vamos nos render! Ya temí xoa! Aê, êa! Ya temí xoa! Aê, êa! Meu Salgueiro é a flecha Pelo povo da floresta Pois a chance que nos resta É um Brasil cocar!
Composição - Pedrinho Da Flor / M Motta / Arlindinho Cruz / R Galante / Dudu Nobre / L Gallo / Ramon Via 13 / R Ribeiro * hutukara - associação yanomami (sem fins lucrativos) que reúne habitantes da terra yanomami * xapiri - espíritos da floresta * yakoana- substância alucinógena feita para rituais xamânicos * omama- entidade divina que criou os yanomâmi; guerreiro criador * yoasi - a criação de seu povo yanomâmi se deve à copulação de omama com a filha do monstro aquático taperesiki; já yoasi é irmão de omama -- ele é responsável pela morte e os males do universo * napê- ou "napepê" - significa "não" -- também pode ser referência a quem não é yanomâmi ou simplesmente um inimigo * kopenawa - davi kopenawa, liderança indígena yanomâmi; ativista * ya temí xoa - expressão yanomâmi: "você ainda vive?" * bruno e dom - bruno pereira (indigenista) e dom phillips (jornalista) assassinados em 2022 enquanto defendiam direitos indígenas . . . . . . . . . . . . . . . . . samba reforça o compromisso com causa dos povos da floresta, nossos ancestrais. está dito e escrito que a ambição e hipocrisia estão extinguindo nossa gente, não só yanomâmi. ambição, hipocrisia e deseducação constante são o mal de agora e de antes. a história dos povos indígenas deveria estar nos bancos escolares, mas a gente sabe como ainda funciona esse ciclo chamado "educação básica", por aqui... a letra do samba vai na ferida das "pessoas de bem", aqueles regidos pelo egoísmo, pela ignorância e, claro, são os que mais odeiam índios e pretos. é a gente que ri da fome dos índios ou que condena aqueles que ajudam (salve, pe. lancelotti!) os necessitados sem teto e, agora, essa gente vai merecendo o esculacho no maior show de arte e aprendizado que é o carnaval carioca. não vamos nos render. "meu vermelho deu o tom" está num dos versos do samba enredo e significa o pau brasil, como pode ser a cor que vai na pele de muitos indígenas em tempos de guerra. vermelho também é sangue, aquilo que corre na veia ancestral, assim como o que é derramado por indígenas e por aqueles que ousam defender esse povo ancestral -- citados na canção, diga-se... pois é, no nosso cotidiano escolar, tem sido mais importante o mito grego, o mito cristão do que omama. assim como deuses dos brancos mais conhecidos que xangô ou iemanjá. resta a poucos abnegados, como a turma do salgueiro, incorporar a flecha para que o brasil seja cocar. . . . . . . . . . . . . . . . .
importante :
Aceitar a voz de seus ancestrais, ver os espíritos da floresta, xapiri, dançarem diante de seus olhos (...) E reafirmar sua possibilidade humana, sua identidade, diante da vontade predatória dos brancos. O costume ameríndio, afinal, está mais ligado ao futuro da humanidade do que ao seu passado, como refletia o poeta e ensaísta mexicano Octavio Paz em 1993:“A extinção de cada sociedade marginal e de cada diferença étnica e cultural significa a extinção de uma possibilidade de sobrevivência da espécie inteira. Com cada sociedade que desaparece, destruída ou devorada pela civilização industrial, desaparece uma possibilidade do homem – não só de um passado e um presente, mas um futuro”.
numa primeira postagem (julho, 2022) comentando o samba "silêncio de um cipreste", do rei cartola, afirmei o seguinte:
(...) parece mesmo que existe culpa, nessa letra de cartola. então, a solução para o defeito seria mudar o pensamento – ao invés de tentar fazer alguma coisa. o pensamento, segundo o texto, é folha do cipreste que o vento leva, não tem peso. uma ação, pelo contrário, fica, tem peso, pode ser julgada. (...)
hoje, releio, estudo, converso, então, resolvo fazer ressalva.
assim: a questão, no texto de cartola, não seria apenas o contraste entre o pensar e o fazer. lidar com pensamento não significa necessariamente deixar de fazer uma ação. pode ser, mas nem sempre. olhem, a letra é introspectiva, revela arrependimento, é fato. agora, mudar o pensar também pode ser uma maneira nova de encarar o passado, ou seja, rever aquilo que o poeta diz não ter realizado, mas sem o peso. insisto: se o pensamento é como folha leve, então pode-se ver o passado de outra forma: com menos mágoa.
a letra está aqui:
SILÊNCIO DE UM CIPRESTE Cartola [ 1908 - 80 ]
Todo mundo tem o direito De viver cantando O meu único defeito É viver pensando Em que não realizei E é difícil realizar Se eu pudesse dar um jeito Mudaria o meu pensar O pensamento é uma folha desprendida Do galho de nossas vidas Que o vento leva e conduz É uma luz vacilante e cega É o silêncio do cipreste Escoltado pela cruz
DELÍRIOS DE UM PARAÍSO VERMELHO [ acadêmicos do salgueiro ]
Ei, psiu Salgueiro, eu te sigo (eu te amo) De todos os amores que eu tenho É com muita honra e com muito orgulho Salgueiro, a minha maior paixão
Vermelha paixão salgueirense Que invade a alma Tá no sangue da gente O morro desce na batida do tambor Nesse delírio que o artista se inspirou No toque sublime de amor O profeta pintou o paraíso Intenso vermelho que tinge a emoção Tá no meu coração, Salgueiro A vida em perfeita harmonia A plena liberdade de viver Mas a tentação que seduziu Adão e Eva Fez o pecado florescer Quem será pecador? Quem irá apontar? Há um olhar de querer julgar Se cada um tem seu jeito Melhor conviver sem preconceito No meu sonho de rei, quero tempo de paz Guerra, fome e mazelas nunca mais A minha Academia anuncia Da escuridão, raiou o dia Bendita redenção Os excluídos libertando suas dores Embarque pro renascer dos seus valores Basta de violência e opressão Chega de intolerância A luz da eternidade acende a chama Festejando a igualdade Que a felicidade emana Resplandece a beleza do meu rubro paraíso Proibido é proibir, aviso Pelas bênçãos de João Nessa noite de magia O meu samba é a revolução da alegria No toque sublime de amor O profeta pintou o paraíso Intenso vermelho que tinge a emoção Tá no meu coração, Salgueiro A vida em perfeita harmonia A plena liberdade de viver Mas a tentação que seduziu Adão e Eva Fez o pecado florescer
Vermelha paixão salgueirense Que invade a alma Tá no sangue da gente O morro desce na batida do tambor Nesse delírio que o artista se inspirou Feliz é aquele que tem o Salgueiro no coração Tá surdo?
ENREDO Edson Pereira
COMPOSIÇÃO DO SAMBA-ENREDO Moisés Santiago / Líbero / Serginho Do Porto / Celino Dias / Aldir Senna / Orlando Ambrosio / Gilmar Silva / Marquinho Bombeiro
a partir da postura do carnavalesco joãosinho trinta (assim mesmo, com "s"), desenvolveu-se o enredo da "acadêmicos do salgueiro", rio de janeiro, para 2023. o texto está pronto desde junho 2022. o samba veio pouco depois.
você encontra referência, no enredo, sobre ele como "joão 30:90", sugerindo um tom quase divino ao carnavalesco de muito sucesso, no século 20.
a alegoria do paraíso bíblico é usada para ilustrar o universo brasileiro envolvido pelo preconceito, raiva e ignorância. "se cada um tem seu jeito / melhor viver sem preconceito", diz um dos versos. e mais: a tentação que atacou adão e eva permite questionar quem seria o pecador. "quem vai julgar ?" anuncia um outro verso. me parece que a questão do errar pode ser vista como algo inerente ao humano que não é perfeito. desta forma, pode-se questionar: quem criou a maçã? quem criou o desejo? quem é mesmo, de verdade, responsável pelos atos de adão e eva ? enfim, segue o samba exaltando a redenção. os que foram banidos do paraíso podem voltar a viver. aqui, claro, referência à negritude e àqueles condenados por seu jeito de viver o prazer. portanto, é preciso festejar a iguladade e, como diz o samba: a partir de joão, celebrar a alegria.
entendeu ou tá surdo?
eu não devia mas vou: "surdo" é também instrumento musical.
Chora, disfarça e chora Aproveita a voz do lamento Que já vem a aurora A pessoa que tanto querias Antes mesmo de raiar o dia Deixou o ensaio por outra Ó triste senhora Disfarça e chora Todo o pranto tem hora E eu vejo seu pranto cair No momento mais certo Olhar, gostar só de longe Não faz ninguém chegar perto E o seu pranto, ó triste senhora Vai molhar o deserto Chora, disfarça e chora
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samba critica com algum escárnio o amor platônico de uma senhora por alguém. este objeto do desejo acaba indo para outra pessoa. "deixar o ensaio" pode significar metaforicamente, ensaio de escola de samba, ou seja, o sambista mudou de escola antes do carnaval; ou então: seu amor se foi antes da realização amorosa desejada... o que gerou choro. repare a figura de linguagem hipérbole: lágrimas vão molhar o deserto. é demais. a letra dá uma lição à senhora triste: "gostar de longe" não resolve. cartola foi um dos fundadores da escola de samba estação primeira de mangueira. o apelido "cartola", veio dos tempos em que trabalhou como pedreiro e, para proteger-se, usava chapéu.
Sim, Deve haver o perdão Para mim Senão nem sei qual será O meu fim Para ter uma companheira Até promessas fiz Consegui um grande amor Mas eu não fui feliz E com raiva para os céus Os braços levantei Blasfemei Hoje todos são contra mim Todos erram neste mundo Não há exceção Quando voltam a realidade Conseguem perdão Porque é que eu Senhor Que errei pela vez primeira Passo tantos dissabores E luto contra a humanidade inteira . . . . . . . . . . . . . . .
samba com jeito de relato pessoal. o poeta está indignado porque não foi perdoado em função de sua blasfêmia, ou seja, culpou os céus e o "senhor" pela infelicidade amorosa. pessoas à sua volta criticam esta má ação, o que gera revolta, uma vez que todos são perdoados quando erram, menos ele. o poeta argumenta ao "senhor" que fez promessas, porque era de um grande amor que necessitava. reparem que o eu poético não se diz arrependido pelas blasfêmias, mas busca o perdão. o "sim" solitário do primeiro verso indica que deve haver esse perdão: é uma afirmação contudente, praticamente intimando os céus a livrá-lo da culpa. cartola: agenor de oliveira, nascido no rio de janeiro, 1908. falecido na mesma cidade, 1980. torcedor do fluminense e um dos fundadores da escola de samba estação primeira de mangueira. o apelido "cartola", veio dos tempos em que trabalhou como pedreiro e, para proteger-se, usava chapéu.
Todo mundo tem o direito De viver cantando O meu único defeito É viver pensando Em que não realizei E é difícil realizar Se eu pudesse dar um jeito Mudaria o meu pensar O pensamento é uma folha desprendida Do galho de nossas vidas Que o vento leva e conduz É uma luz vacilante e cega É o silêncio do cipreste Escoltado pela cruz
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canção expõe nota de arrependimento e busca de acolhimento. a tal da empatia, como
se diz nesse nosso século.
o eu lírico mostra que seu defeito é pensar no que não fez... parece mesmo que existe culpa, nessa letra de cartola. então, a solução para o defeito seria mudar o pensamento – ao invés de tentar fazer alguma coisa. o pensamento, segundo o texto, é folha do cipreste que o vento leva, não tem peso. uma ação, pelo contrário,
fica, tem peso, pode ser julgada. uma outra leitura seria a chance deixar de crer que seja ele – o pensar – um defeito.
cartola: agenor de oliveira, nascido no rio de janeiro, 1908. falecido na mesma cidade, 1980. torcedor do fluminense. um dos fundadores da escola de samba estação primeira de mangueira. o apelido "cartola", veio dos tempos em que trabalhou como pedreiro e, para proteger-se, usava chapéu.
O que é feito de você ó minha mocidade? Ó minha força, a minha vivacidade? O que é feito dos meus versos e do meu violão? Troquei-os sem sentir por um simples bastão
E hoje quando passo a gurizada pasma Horrorizada como quem vê um fantasma E um esqueleto humano assim vai Cambaleando quase cai, não cai Pés inchados, passos em falso O olhar embaçado Nenhum amigo ao meu lado Não há por mim compaixão A tudo vou assistindo A ingratidão resistindo Só sinto falta dos meus versos Da mocidade e do meu violão
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neste samba, o eu lírico vê que sua mocidade não mais existe. a vivacidade não é mais a mesma. ele demonstra a tristeza pela passagem do tempo. o que se lê, aqui, é o poeta ressentido. no momento da vida relatado no texto, está sem os amigos, sem os versos, sem o violão e "quase cai, não cai".
o "bastão" pode ser uma simples bengala, como pode ser o cigarro. o texto pode ser também uma alegoria aos novos tempos que chegavam à música brasileira, meados dos anos 1950: a bossa nova e uma "gurizada" que preferia lugares refinados: gente que não era do subúrbio, nem do morro, nesta época. a bossa nova deu outra roupagem ao samba. embranqueceu, por assim dizer, a música típica dos pretos, no rio de janeiro, naquele tempo.
Alvorada lá no morro, que beleza Ninguém chora, não há tristeza Ninguém sente dissabor O sol colorindo é tão lindo, é tão lindo E a natureza sorrindo, tingindo, tingindo Você também me lembra a alvorada Quando chega iluminando Meus caminhos tão sem vida E o que me resta é bem pouco Quase nada, de que ir assim Vagando numa estrada perdida Alvorada . . . . . . . . . . . . . . . . .
samba contrapõe a paisagem do morro à realidade triste do poeta, dentro de seus caminhos "tão sem vida". uma maneira de ter mundo melhor seria o momento da chegada da pessoa amada, comparada, claro, ao amanhecer no morro, lugar sem tristeza e muito lindo. olhem, todos sabemos -- até os que não moram no morro -- que a vida nesses locais é árdua. às vezes o saneamento básico é precário, falta transporte, pouco acesso a diversão imediata... agora, o texto de cartola aponta para uma visão romântica do morro: terra maravilhosa, feita de alegria, lembra aquele poema do gonçalves dias, "canção do exílio".
cartola: agenor de oliveira, nascido em cantagalo, rio de janeiro, 1908. falecido em 1980, na mesma cidade. o apelido "cartola" veio do tempo em que trabalhou como pedreiro e, para proteger-se, usava chapéu.
Ah, essas cordas de
aço Este minúsculo braço Do violão que os dedos meus acariciam Ah, este bojo perfeito Que trago junto ao meu peito Só você violão Compreende porque perdi toda alegria E no entanto meu pinho Pode crer, eu adivinho Aquela mulher Até hoje está nos esperando Solte o teu som da madeira Eu você e a companheira Na madrugada iremos pra casa Cantando
muito comum, no século 20, referir-se ao corpo das mulheres como "violão", por conta de sua forma ondulada, lembrando a cintura de uma figura feminina. o texto de "cordas de aço" traz a relação de um músico e seu violão. o instrumento pegado ao peito indica intimidade e cumplicidade. o poeta está sem "aquela mulher" (verso 10). num determinado momento se lê: "perdi toda a alegria". restou a ele, poeta, a companhia do instrumento que expressa emoção. contudo, ela deve estar esperando e, assim que o violão soltar seu som, ela irá juntar-se aos dois. repare que a expressão "cordas de aço" também pode fazer referência à prisão; àquilo que prende; uma ligação muito forte: o amor. mais do que isso, pode também ser a ligação com o samba que, além de acalmar sofrimento, o aproxima da mulher amada.
cartola: agenor de oliveira, nascido no rio de janeiro, 1908. falecido na mesma cidade, 1980. o apelido "cartola" veio dos tempos em que trabalhou como pedreiro e, para proteger-se, usava chapéu.
Bate outra vez Com esperanças o meu coração Pois já vai terminando o verão Enfim Volto ao jardim Com a certeza que devo chorar Pois bem sei que não queres voltar Para mim Queixo-me às rosas Que bobagem as rosas não falam Simplesmente as rosas exalam O perfume que roubam de ti, ai Devias vir Para ver os meus olhos tristonhos E, quem sabe, sonhavas meus sonhos Por fim . . . . . . . . . .
. . . .
saudade é o tema
deste samba de cartola. qual a queixa do poeta? resposta: desilusão amorosa. o eu lírico divide com as rosas a tristeza que sente pela ausência da pessoa amada. o coração dá o tom -- vermelho -- à sensação, ou seja, ele vê, na rosa, o seu coração ferido e tenta falar com a pessoa amada, mas é inútil. as rosas -- cor avermelhada -- acentuam o estado emotivo do poeta que sonha com a volta de seu amor. para compensar a solidão e a tristeza, as rosas exalam o perfume que lembra a
pessoa querida. ao final, a voz poética deixa recado a ela, pedindo que
venha vê-lo outra vez para, de repente, sonhar com ele.
agenor de oliveira, nascido em cantagalo, rio de janeiro, 1908. falecido na mesma cidade, em 1980. torcedor do fluminense. um dos fundadores da escola de samba estação primeira de mangueira. o apelido "cartola" veio dos tempos em que trabalhou como pedreiro e, para proteger-se, usava chapéu.
Ainda é cedo, amor Mal começaste a conhecer a vida Já anuncias a hora de partida Sem saber mesmo o rumo que irás tomar Presta atenção, querida Embora eu saiba que estás resolvida Em cada esquina cai um pouco tua vida Em pouco tempo não serás mais o que és Ouça-me bem, amor Preste atenção, o mundo é um moinho Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho Vai reduzir as ilusões a pó Preste atenção, querida De cada amor, tu herdarás só o cinismo Quando notares, estás à beira do abismo Abismo que cavaste com teus pés . . . . . . .
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neste samba "o mundo é um moinho", eu lírico fala com sua amada que está indo embora, para decepção dele. ele procura dissuadi-la da ação de abandoná-lo, dizendo que o mundo é moinho e
vai triturar os seus sonhos. ameaça a mulher amada afirmando que ela não será
mais o que é, caso saia tão cedo da casa e também da relação. o “ainda é cedo,
amor”, do início, é trocado por “preste atenção, querida”, depois, ao final, é
apenas “tu”, em um tom severo, cínico, diminuindo a intimidade e buscando -- pelo medo; pela persuasão -- mudar o rumo da vida
da mulher. ao que parece, não conseguiu. agenor de oliveira, nascido em cantagalo, rio de janeiro, 1908. falecido na mesma cidade, em 1980. torcedor fluminense, foi um dos fundadores da escola de samba estação primeira de mangueira. o apelido "cartola" veio do tempo em que trabalhou como pedreiro e, para proteger-se, usava chapéu.
amarElo - é tudo pra ontem- documentário - emicida. onde: netflix
com o mote "plantar - regar - colher" o ativista e compositor emicida (leandro oliveira) organiza documentário em que revisita história da negritude pelo brasil.
o documentário cita a escravidão, homenageia o samba, o hip hop, figuras importantes como tebas, ruth de souza, donga, lelia gonzalez, racionais, marielle franco, wilson das neves e tantos outros para reforçar ideia de que a união deveria nortear a luta da comunidade preta, no país.
o trabalho base está no teatro municipal, com música de emicida. convidados bem ilustres, majur e pablo vittar dão o tom da diversidade dentro discurso do documentário que sinaliza que não se luta pela metade. se a ideia é falar de excluídos, como os pretos, então havia espaço para comunidade lgbt e trans. poesia, história, memória, arte plástica e, principalmente, gente unida, fazem deste documentário uma necessidade urgente.
temas como gentrificação e ressignificar trajetória dos pretos, no brasil, transcedem o caráter artístico do documentário.
trabalho de emicida precisaria estar na escola. há muito o que fazer quando se está só. mas o lugar comum da união continua rei.
como já disse poeta belchior : "o ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro"
"claro enigma", 1951, é o livro mais sério da vasta carreira do poeta carlos drummond de andrade. poderia ter sido mais altiva se não publicasse tanto rascunho. enfim, ainda bem que há poetas melhores como gonçalves dias, joão cabral ou mário faustino, só pra ficar em três.
vamos a mais uma proposta de exercício para sua aula, professor, professora.
pensei em em dois textos com o nome "sonho de um sonho". segue um trecho do primeiro, dentro de "claro enigma":
SONHO DE UM SONHO
Sonhei que estava sonhando
e que no meu sonho havia
um outro sonho esculpido
Os três sonhos superpostos
Dir-se-ia apenas elos
de uma infindável cadeia
de mitos organizados
em derredor de um pobre eu
Eu, que mal de mim, sonhava!
Sonhava que no meu sonho
retinha uma zona lúcida
para concretar o fluido
como abstrair o maciço
Sonhava que estava alerta
e mais do que alerta, lúdico e receptivo e magnético
(...)
e em torno de mim se dispunham
possibilidades claras
(...)
Ai de mim! que mal sonhava
(...)
Sonhei que o sonho existia
não dentro, fora de nós
E era tocá-lo e colhê-lo
E sem demora sorvê-lo
(...)
neste trecho, existe a chance de se ter algum controle sobre o sonho. mas isso, como se vê, não passa de um sonho. mitos. se se tem controle sobre o sonho, ele deixa de ser sonho para ser pensamento? ação real?
bacana isso do jogo de palavras. meio cultista, eu sei.
já em 1980, a unidos de vila isabel, no rio de janeiro, resolveu compôr samba-enredo para o carnaval e usaram parte do texto do mineiro drummond. autoria é dada a martinho da vila, beto sem braço, aluísio machado e graúna.
olhem "sonho de um sonho", 1980:
“Sonhei
Que estava sonhando um sonho sonhado
O sonho de um sonho
Magnetizado
As mentes abertas
Sem bicos calados
Juventude alerta
Os seres alados
Sonho meu
Eu sonhava que sonhava
Sonhei
Que eu era o rei que reinava como um ser comum
Era um por milhares, milhares por um
Como livres raios riscando os espaços
Transando o universo
Limpando os mormaços
Ai de mim
Ai de mim que mal sonhava
Na limpidez do espelho só vi coisas limpas
Como uma lua redonda brilhando nas grimpas
Um sorriso sem fúria, entre réu e juiz
A clemência e a ternura por amor da clausura
A prisão sem tortura, inocência feliz
Ai meu Deus
Falso sonho que eu sonhava
Ai de mim
Eu sonhei que não sonhava
Mas sonhei”
nota - "grimpas" - partes altas de alguma coisa; crista
o contexto do samba, claramente, é a ditadura militar. o sonho era o fim dos bicos calados, uma juventude alerta.a tristeza prevalece, ao fim, porque se tem noção de que justiça e inocência feliz seriam apenas sonhos. "mas sonhei", reafirma o último verso. seria ele, o sonho, uma possibilidade? uma previsão? profecia? claro está, que naquele momento, 1980, difícil sair da situação de exceção em que vivia o país.