[ banksy ]
hoje ela só quer paz
ela é um filme de ação com
vários finais
ela é política aplicada e
conversas banais
se ela tiver muito afim seja perspicaz
ela nunca vai deixar claro
então entenda sinais
é o paraíso, suas curvas são cartões postais
não tem juízo, ou se já
teve, hoje não tem mais
ela é o barco mais bolado que aportou no seu
cais
as outras falam, falam, ela
chega e faz
ela não cansa, não cansa,
não cansa jamais
ela dança, dança, dança
demais
ela já acreditou no amor,
mas não sabe mais
ela é um disco do nirvana
de 20 anos atrás
não quer cinco minutos no seu banco de trás
só quer um jeans rasgado e
uns quarenta reais
ela é uma letra do caetano com flow do racionais
hoje pode até chover porque
ela só quer paz
hoje ela só quer paz
noticias boas pra se ler
nos jornais
amores reais, amizades
leais
ela entende de flores, ama
os animais
coisas simples pra ela, são as coisas
principais
sem cantada, ela prefere os originais
conheceu caras legais, mas nunca sensacionais
ela não é a suas negas
rapaz
pagar bebida é fácil, difícil apresentar pros pais
(...)
essa mina é uma daquelas fenomenais
vitamina, é proteína e sais minerais
ela é a vida, após a vida despedida
pros seus dias mais normais
(...)
[ projota, 2016 ]
* "flow" se liga a ritmo; envolvimento; verso bem encaixado
hip hop de projota, lançado em 2016, dialoga tanto com a imagem do grafite (banksy, inglaterra), como com esse poema do casemiro de abreu, "amor e medo":
Quando eu te fujo e me desvio, cauto
Da luz de fogo que te cerca, oh! bela,
Contigo dizes, suspirando amores:
“Meu Deus! que gelo, que
frieza aquela”
Como te enganas! meu amor é chama
Que alimenta no voraz segredo,
E se te fujo é que te adoro louco...
És bela - eu moço; tens amor - eu
medo!...
Tenho medo de mim, de ti, de tudo,
Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes,
Das folhas secas, do chorar das fontes,
Das horas longas a correr velozes.
......................................................................
Ai! se eu te visse, Madalena pura,
Sobre o veludo reclinada a meio,
Olhos cerrados na volúpia doce,
Os braços frouxos - palpitante o seio!...
Ai! se eu te visse em languidez
sublime,
Na face as rosas virginais do pejo.
Trêmula a fala a protestar baixinho...
Vermelha a boca, soluçando um beijo!...
Diz: - que seria da pureza
d’anjo,
Das vestes alvas, do cantor das asas?
- Tu te queimaras, a pisar
descalça,
- Criança louca, - sobre o chão de brasas!
(...)
[ casemiro de abreu, século 19 ]
quando o eu lírico diz, na letra do hip hop, "não é pra tuas negas não", claramente, foge do politicamente correto e, por tabela, de uma norma padrão. o verso diz mais ou menos que a garota em questão não se compara a outras que se envolveram com o eu lírico. a ideia, contudo, não é simplesmente jogar fora a letra toda por conta de um suposto deslize linguístico, mas valorizar também um jeito diferente de dizer algo que é marca da poesia de língua portuguesa: o lirismo de tom confessional. desde o trovadorismo é assim. tradição forte. eu ia escrever "dor de cotovelo", desisti. mostre a seus alunos que o texto de casemiro é de estilo romântico, usa da norma padrão mas atesta que há uma certa temerosidade na figura idealizada. "tenho medo de mim, de ti...". veja em projota, no hip hop: "ela é o barco mais bolado que já aportou no seu cais". há outros versos que também se equiparam aos de casemiro, mas a ideia, enfim, é lidar com a relação amorosa em que um é mais austero que outro. peça a seus alunos que reconheçam as semelhanças entre os dois textos. cá pra nós, projota é mais legal.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .