segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

diálogo - caio f abreu - comentário


                                                         caio fernando abreu [1948-96]

"diálogo", do livro "morangos mofados", texto em discurso direto, na estrutura de um drama, uma peça teatral. veja as primeiras linhas e o final:

A: Você é meu companheiro. 

B: Hein? 

A: Você é meu companheiro, eu disse. 

B: O quê? 

A: Eu disse que você é meu companheiro. 

B: O que é que você quer dizer com isso? 

A: Eu quero dizer que você é meu companheiro. Só isso. 

B: Tem alguma coisa atrás, eu sinto. 

A: Não. Não tem nada. Deixa de ser paranóico.

 (...)

A: Eu quero que você seja meu companheiro, eu disse. 

B: O quê? 

A: Eu disse que eu quero que você seja meu companheiro. 

B: Você disse? 

A: Eu disse? 

B: Não. Não foi assim: eu disse. 

A: O quê? 

B: Você é meu companheiro. 

A: Hein?
                           (ad infinitum)  
                                                            
 [ fim ]
     . . . . . . . . .  .  .  .  .  .   .   .    .

enquanto "A" questiona B sobre ser seu companheiro, "B" desconversa. até que na última fala de "B", este assume que é o companheiro de "A" mas agora é "A" que parece não entender. e assim deve seguir o diálogo, confuso, sem a interação objetiva. um diálogo interditado pela dificuldade de compreensão entre ambos. até o infinito. é a falta de entendimento. o assunto aqui é ser companheiro do outro. pois que no final século 20 -- de onde veio o livro de caio --, em alguns setores da sociedade, referir-se a alguém como "companheiro", "companheira" era sinal de intimidade, confiança, compromisso, amor mesmo. pelo jeito, neste caso, o amor truncado, a falta de clareza e o medo imperam na troca de palavras, nesse texto que abre "morangos mofados".
o livro, como um todo, traz a tônica de relações truncadas, quebra de expectativa e frustrações, além de poucos momentos de prazer.
o texto "diálogo" -- com perdão da redundância -- dialoga com "além do ponto", narativa do mesmo livro "morangos mofados".

 . . . . . . . .  .  .  .  .  .   .

saber mais : clica e vê



Nenhum comentário:

Postar um comentário