A ROSA - Narcisa Amália
Que ímpia mão te ceifou no ardor da sesta
Rosa d'amor, rosa purpurea e bela?
Almeida Garrett
Um dia em que perdida nas trevas da existência
Sem risos festivais, sem crenças de futuro,
Tentava do passado entrar no templo escuro,
Fitando a torva aurora de minha adolescência.
Volvi meu passo incerto à solidão do campo.
Lá onde não penetra o estrepitar do mundo:
Lá onde doura a luz o báratro profundo,
E a pálida lanterna acende o pirilampo.
E vi airosa erguer-se, por sobre a mole alfombra.
De uma roseira agreste a mais brilhante filha!
De púrpura e perfumes - a ignota maravilhal!
Sentindo-se formosa, fugia à meiga sombra!
Ai, louca! Procurando o sol que abrasa tudo
Gazil se desatava à beira do caminho;
E o sol, ébrio de amor, no férvido carinho
Crestava-lhe o matiz do colo de veludo!
A flor dizia exausta à viração perdida:
"Ah! minha doce amiga abranda o ardor do raio
Não vês? Jovem e bela eu sinto que desmaio
E em breve rolarei no solo já sem vida!
"Ao casto peito uni a abelha em mil delírios
Sedenta de esplendor, vaidosa de meu brilho;
E agora embalde invejo o viço do junquilho,
E agora embalde imploro a candidez dos lírios
"Só me resta morrer! Ditosa a borboleta
Que agita as áureas asas e paira sobre a fonte;
Na onda perfumosa embebe a linda fronte
E goza almo frescor na balsa predileta!"
E a viração passou. E a flor abandonada
Ao sol tentou velar a face amortecida;
Mas do cálix gentil a pétala ressequida
Sobre a espiral de olores rolou no pó da estrada!
Assim da juventude se rasga o flóreo véu
E do talento a estátua no pedestal vacila;
Assim da mente esvai-se a ideia que cintila
E apenas resta ao crente - extremo asilo - o céu!
[ n. amália - nebulosas, 1872 ]
notas_
ímpia - não respeita o sagrado
estrepitar - fazer barulho; vibrar com estrondo
alfombra - extensão de relva
gazil - elegante; de cores vivas
crestava - queimava; tostava
viço - força, vigor
ébrio - que é tomado de sentimento intenso; bêbado
ditosa - de boa sorte; bom destino
báratro - local com grande profundidade
junquilho - planta aromática
embalde - em vão; inutilmente
olor - cheiro; odor
almo - bom; venerável
. . . . . . . . . .
o eu lírico está melancólico. procurou no tempo da juventude alguma comepensação a esta tristeza do momento. mas encontrou a flor morrendo. esta flor que morre é a representação da transitoriedade da juventude. apesar do viço, da beleza, ela acabará logo.
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