sexta-feira, 29 de março de 2024

lembrar para não repetir - 31 de março

 

                                                                    arte : caio gomez

o golpe militar, no brasil, aconteceu em 1964. faz tempo... deposto presidente joão goulart, em primeiro de abril tínhamos novo presidente, agora general. começou um período horripilante em nossa história, com tortura, mortes, censura e o fim do voto direto à presidência, dentre outras privações. a coisa toda durou mais de vinte anos e ainda ecoa. é importante relembrar. é importante tratar do assunto sim, principalmente, na escola. indico os filmes "pra frente brasil" (1983) e "zuzu angel" (2006), para ficar em dois, retratam com maestria o período. agora, há um outro, mais poético – se  cabe poesia aqui – é "o ano em que meus pais saíram de férias" (2006), de cao hamburger, cuja narrativa se passa no primeiro semestre de 1970, já no governo médici. parte das filmagens se deu em campinas, são paulo. é o último filme de paulo autran. nele, o jovem mauro, uns oito anos, espera os pais voltarem, foragidos que estão em função da ditadura. duas imensas expectativas se apoderam do garoto: a volta dos pais e poder assistir, pela primeira vez, a seleção masculina de futebol, na copa do mundo, pela televisão. lembrar pelé, tostão, rivellino e companhia, necessariamente, é saudar também outros heróis, anônimos ou não, que morreram ou foram torturados em nome da liberdade civil.

domingo, 24 de março de 2024

pensar na morte esvazia ansiedade

 

                                                        criação arte: carlos h carneiro
                                                                      -  via i. a.  -

na crônica  "sobre morte e morrer", machado registra: "qualquer de nós teria organizado este mundo bem melhor do que saiu". é a primeira linha. queria ter escrito isso, embora todo mundo diz tal coisa com outras palavras, gestos ou até silêncio. organizar o mundo é necessário, a começar pela vida própria. e pensar na morte esvazia um pouco a ansiedade, acreditem. falando nisso, mortes na literatura: pode-se começar por aquela quase suave em "iracema"; ou a sanguinolenta de "a hora a e a vez de augusto matraga" ou ainda a intensa de madalena, em "são bernardo". há outros tantos textos que passam pelo assunto “morte”, como em "o cortiço" (efeitos da miséria), "noite na taverna" (efeitos do álcool) ou "nove noites" (efeitos da angústia). 
numa outra crônica "considerações sobre o suicídio", o mesmo machado dispara: "(...) a questão do suicídio é antes resolvida no sentido da fraqueza que no da coragem. é um problema psicológico fácil de tratar entre o largo do machado e o da carioca. se o bond for elétrico, a solução é achada em metade do caminho".
uma pilhéria ácida esse machado de assis (1839-1908).


* o nome "largo do machado" faz referência ao oleiro andré machado que, no século 18, era dono de terras no lugar

quinta-feira, 21 de março de 2024

balancete - josé paulo paes - comentário

 


[ J P Paes - 1926-88 ]

      BALANCETE   
                                        José Paulo Paes 

   A esperança: flor
   seca mas (acaso
   ou precaução?) guardada
   entre as páginas de um livro.

   A incerteza: frio
   de faca cortando
   em porções cada vez menores
   a laranja dos dias.

   O amor: latejo
   de artéria entupida
   por onde o sangue se obstina
   em fluir.

   A morte: esquina
   ainda por virar
   quando já estava quase esquecido
   o gosto de virá-las.

          [in "prosas seguidas de odes mínimas", cia das letras]

balancete :  documento que mostra movimentações financeiras em um certo período, numa empresa; serve também para identificar prejuízo ou lucro

   . . . . . . . . .  .  .  .  .  .  .   .    .    .

numa gradação que indica fim de vida, "balancete" apresenta pequena lista de temas que são caros ao humano comum, como "esperança", "dúvida" (medo); "amor" e "morte".

aqui, cada tema é tratado de modo a expor o seu lado triste, estéril, num pessimismo digno de fim de século.
a flor entre páginas de livro dá falsa esperança de que ainda haveria vida por ali. agora, cortar laranjas em porções menores fornece ideia de um desespero, necessidade de guardar, de adiar o fim da fruta, adiar o fim da vida...
ao final, a morte seria esse virar de página, ou seja, uma passagem para outras esferas... interessante que, na primeira estrofe, a metáfora da esperança esteja num livro com flor seca dentro. ao final, nova metáfora envolvendo livro: virar página da vida. o fim.

   . . . . . . .  .  .  .  .  .   .   .

  saiba mais:


sábado, 16 de março de 2024

portas

 

                                                 willtirando


quando capitu saiu do rio de janeiro, ela foi pra suíça, com seu filho ezequiel escobar perto de si. anos mais tarde, o próprio ezequiel, adulto, volta para ao rio em busca de dinheiro, pois faria parte das pesquisas arqueológicas, nas pirâmides do egito. capitu já havia falecido. ezequiel era o que podemos chamar hoje de arqueólogo. o final, você já sabe, ele morre por lá e o enterram em jerusalém… 

em 2010, cerca de 111 anos depois de dom casmurro ter sido lançado, pesquisadores suíços descobriram uma porta de 5 mil anos de idade… isso mesmo, na suíça. se estava aberta ou fechada, não sei. mas para que serve uma porta, se não para abrir? qual porta você tem mantido trancada, ainda? fico imaginando quem deixaria uma porta tanto tempo trancada.



segunda-feira, 11 de março de 2024

joão e o presente necessário

 

                                               criação arte: carlos h carneiro - - via i. a.


o joão de barro, ao contrário do que o nome sugere, não é feito de terra. trata-se do singelo passarinho, conhecido no meio ornitológico como "furnarius". uma ave que constrói algo parecido com um forno. o joão constrói sua casa porque chega o momento de abrigar fêmea e ovos. ele faz o ninho quando chega o momento da postura, da incubação. é trabalho para o presente, por conta do desejo de viver.

freud fala que a consciência não representaria o todo de nossa percepção do mundo. no dia-a-dia absorvemos energias externas, impressões, calores, humores e ansiedades para lidar com nossos planos e os planos dos outros. até aí, as coisas.

muita gente ainda crê que apenas a razão pode mover as pessoas para algum lugar. planos para o futuro, planos para filhos, planos para o cachorro. hoje, dá pra dar tanto crédito assim ao futuro? acreditar em amanhã, normal, mas ficar só pensando nisso, fazer da vida um eterno trampolim de vento para o talvez é demais. melhor é a lição do joão.

 


quinta-feira, 7 de março de 2024

vida arteira


arte concepção: carlos h carneiro
via microsoft i.a. (2024)


anos atrás, deixei uma tarefa para os alunos que tinha, na época, ensino médio: assistir ao filme "as horas" (stephen daldry), sobre a escritora inglesa virginia woolf. em uma das questões pedia-se que respondessem seguinte: qual chance de uma obra de arte mudar a vida de alguém. será mesmo que uma obra de arte, quer seja livro, filme, música ou tela pode mudar os rumos de uma pessoa? então, cabe pergunta: por que se faz arte? entretenimento? terapia? fetiche? vingança? olhem, acredito que exista arte para que estejamos em contato com outra realidade. ver a vida, pelo menos, por outro viés. algo como recriar as coisas, os tons, as cores. e mais: diversão e geração de emprego são dois valores de que gosto, quando o tema é a arte. educação política também serve, mas não creio que toda obra de arte deva ser como "vidas secas" (ramos) ou "os miseráveis" (hugo), ou seja, um libelo contra a opressão e coisa e tal. há chance também para a catarse, na ópera "tristão e isolda" (wagner) ou mesmo ouvindo bossa nova. 

sábado, 2 de março de 2024

tinha uma pedra

 

                                                           concepção arte: carlos h carneiro -  via i. a.
  

um asteroide está a caminho da terra. ele deve chegar em março de 2026, perto da convocação da seleção brasileira, para a copa. o corpo celeste tem dezenas de metros de diâmetro e seu impacto equivaleria a centenas de bombas atômicas. ou seja, fim do campeonato paulista e do maldito café com espuminha de leite. pelo menos não haveria mais quaresma e aquele cheiro horroroso de bacalhau infestando mercados.
65 milhões de anos atrás, um pedregulho desses aniquilou a vida de lagartixas gigantes, borboletas peludas e os tataravós do grande biguá do lago ness. esse dia foi louco.
para muitos brasileiros, só não pode cair no dia do fim da novela. até 2026, não haverá base na lua para uma fuga rápida, então, o planeta vai ficar escuro, o frio vai aumentar horrores, adeus canecas temáticas homenageando sogra, adeus praia de iracema, nunca mais vou ver gavião caçando cigarra, muito menos o papa jogando aquela fumacinha alucinógena, na missa do galo. aliás, galo algum vai cantar também... os biscoitos globo terão um fim, assim como as piadas sobre o mundial do palmeiras. pelo menos acabaria o sistema capitalista e, finalmente, esse debate se ela traiu ou não.