há livros que me chamam
atenção pela capa, e este é assim : uma menina, de vermelho, sentada na cama,
entristecida, diante de uma gaiola com um passarinho igualmente entristecido e
vermelho.
historinha simples, chamada "greve de vida", de amelie couture . a garotinha é lucie,
de oito anos, está morando com o pai há pouco tempo, desde que sua avó
falecera. era esta que cuidava da menina e a educava com carinho. entristecida, ela precisa aprender a conviver com a nova esposa do pai e seu
pequeno bebê, luca.
nada a faz sentir-se feliz, daí resolve não mais sair do
quarto. faz isso por semanas seguidas, é quase assustador, tendo apenas a
companhia de um passarinho em sua gaiola. mas o leitor experiente logo detecta
a ponte para o desfecho possível. e não não vou contar aqui porque
seria bobagem.
mesmo que você já tenha passado a adolescência, vai se entreter
com a novelinha e as ilustrações do marc boutavant. boa leitura.
já fui um quadro empoeirado, esquecido na parede rachada de um casarão mofado. se bem que não era exatamente um casarão, porque não havia capelinha no quintal, nem piano dentro da sala. era só um terreno grande, piso de tijolo, coberto de telhas marrons. muita gente morou ali. gerações de plantadores de cana, pescadores, donos de supermercado, um casal de encantadores de serpente aposentados, um youtuber com depressão e duas bailarinas cegas. todos entraram, saíram, mas eu fiquei. quadro. parede, preguinho, pó. fiquei.
ninguém sabia quem me pintara nem o que exatamente eu retratava porque, aliás, mudava o tempo todo. pela manhã, aparecia um rosto deformado; à tarde, um campo florido; à noite, um bicho esquisito querendo sair de dentro da tela, como se o óleo ainda estivesse fresco. a moldura era circular o que facilitava a crença em supostas mudanças na imagem. diziam que quem passava tempo demais olhando para mim começava a ouvir sussurros, ou, pior, enxergar partes de si mesmo no quadro. era nojento. houve quem jurou que a pintura era, na verdade, uma janela para outro lugar – daí ponderei que poderia ficar parecido com aquele livro do lewis carroll, da menina que cresce e diminui de tamanho, então, achei melhor endurecer feito um afresco. dito e feito: quem punha a mão pra saber se era mesmo passagem pra outra dimensão, errava, porque não dava pra atravessar. tentaram, mas não conseguiram. jogavam papel amassado, tampa de garrafa. até cuspe. com o tempo, cansaram, fui ficando esquecido, as traças me visitando. o que eu tinha, era isso: traças e um ou outro pesadelo de sabiá que entrava pela fresta da porta encarquilhada. até que um dia, uma senhora de chapéu lilás entrou pela casa. dava pra ler seus pensamentos, porque, como sabem, sou arte. e o que havia? aquela senhora reconheceu o lugar onde algum antepassado teria vivido parte da infãncia, décadas e décadas antes. estava absorta e querendo recuperar alguma coisa que não vinha. resolveu limpar a parede, achando que eu parte do que havia ali era sujeira. a sujeira era eu. passou pano seco, reclamou da poeira, e bem ali, quando esfregou no canto, ouviu um estalo. rachaduras. parede, chão porta. trincas iam nascendo. teimosa, ela não correu. pegou uma lupa da bolsa e ficou encarando meu centro, onde se formava uma espiral esquisita, meio verde, meio preta, como um buraco sem fundo. o tremor havia cessado e ela, ainda de chapéu lilás, continuava sua expedição sobre meus traços e talvez até cores. riu baixinho, mexendo os beiços: “que merda é essa?”
depois disso, a parede inteira começou a transpirar, como se estivesse com febre. e eu? me desfiz, escorri feito tinta fresca, me espalhei pelo chão até virar uma poça oleosa, cores difusas. antes de desaparecer, deixei só um detalhe pra trás: a pequena assinatura no rodapé, algo meio torto, que dizia "arte viva"
em "vestido de noiva" (n. rodrigues), a personagem alaíde
sofre alucinações em cama de hospital, vê figuras do passado, revive
realidades. a criatura de "frankenstein" (shelley) com
certeza deve ter sofrido um tanto, logo após abrir os olhos amarelos, na alemanha. há outros aqui, na estante, sofrendo do mesmo mal, como naziazeno
(os ratos), luís (angústia), quixote (d quixote), mersault (o estrangeiro), sidonio rosa (venenos de deus, remédios do diabo) ou mesmo capitão celestino (a visão das plantas).
a depressão é a primeira curva na estrada das alucinações. da depressão vai-se para crise de ansiedade num pulo. às vezes ela passa logo. crise de ansiedade é fogo. pouca gente acolhe, já adianto. é preciso ser bem transparente com quem está à volta. é preciso um psiquiatra. controlar respiração e contar com a sorte para ser acolhido por quem está fisicamente perto. a médio prazo, terapia ajuda muito. terapia não cura, mas ajuda a lidar com essa lama toda que é nosso exílio dentro da busca por identidade e acolhimento. é preciso parar de acreditar em empatia. isso é conversa de literatura. papo de publicidade pra vender apartamento ou aplicativo de mercado. por que pouca gente acolhe? porque, nesse mundo urbano em que tempo é dinheiro, pessoas estão preocupadas consigo mesmas. no máximo surgem no mesmo espaço físico, comem, bebem, mas não olham no olho querendo saber como estamos, de verdade. não recrimino. é só constatação. por isso, a causa de muitas angústias, depressões e afins é a solidão no meio das gentes que correm e vivem enterradas em suas próprias gavetas ou no aparelho celular. pessoas olham para seu próprio umbigo e, muitas das vezes, são educadas a serem assim como forma de se defender de possíveis dores. daí que, quando crescem, continuam olhando para si mesmas enquanto o próximo definha.
voltando às figuras do primeiro parágrafo. não sei como se
viraram esses personagens, porque estão sempre na curva, encostados, uns nos
outros, na estante do quarto, um empurra-empurra secular, às minhas costas,
agora, enquanto escrevo. não é boa a sensação, quando vem à mente "a queda da casa de usher" (poe) ou "a paixão segundo g.h." (clarice)... isso parece não ter fim. mas é só literatura.
elísio - referência a lugar mitológico de paz e felicidade
empós - após; depois
leda - alegre
ínvios - caminhos árduos; difíceis
rociada - orvalhada
plangente - o que lastima; entristece
juncam - cobrem de folhas ou juncos [ certo tipo de planta ]
turba - multidão; desordem
agros abrolhos - lugares com espinhos
. . . . . . . . . . . .
em noites silenciosas, cheias de perfume, o eu lírico se lembra com carinho da juventude, quando a vida parecia leve, cheia de flores, e ela era feliz, correndo atrás de borboletas acreditando que o mundo seria melhor um dia, como nas letras do grupo cranberries. contudo, no presente, existe dor. mesmo assim, ela aceita esse sofrimento, porque é a poesia que dá sentido à sua vida. através dela, ela se sente elevada a outros mundos, cheios de beleza, natureza e imaginação. por isso, ela valoriza até mesmo a dor, pois se afasta das confusões do mundo (da turba que segue caminhos errados) e se aproxima da arte, que a faz enxergar tudo de forma mais clara, incluindo poder rever o passado.
o conjunto de mármore e bronze "êxtase de santa tereza" (bernini, séc 17), dá conta de
um estado marcante de contraste, no estilo barroco. um jovem risonho como um escobar machadiano, segura uma seta fálica bem acima da figura feminina,
envolta em panos teocêntricos. ela parece mesmo em êxtase. está na igreja santa maria da vitória, roma.
"estou-me a vir", como dizem as portuguesas, seria bom nome para essa obra escandalosa aos valores do século 17.
o jovem, apesar das asas cristãs, bem lembra cupido, filho de vênus, figura tão cara aos amantes universais. tereza é dita "santa". viveu no século 16 e registrou em texto seus encontros intensos e divinos com jesus -- ou similar. é o "libro de la vida". pesquisa e crê.
[ êxtase de sta tereza, séc 17 ]
[ página do romance "letra líquida" - c h carneiro ]
assisti "robô selvagem" (peter brown), 2024, animação que contém as vozes de pedro pascal -- para a raposa -- e mark hamill -- urso pardo -- dentre outros. lupita nyong'o faz a voz do robô.
fábula quase distópica, "robô selvagem" navega entre a esperança e o caos com rara leveza, porque é dado ao robô a capacidade de aprender alguma coisa, graças a "astuto" -- a raposa -- e ao ganso "bico vivo", figuras que, em princípio, repelem o robô que caiu na floresta por acaso, mas depois o que se vê é uma simbiose entre esses três e, mais tarde, com todos da floresta. com o tempo, os animais vão demonstrando que, apesar das diferenças, estão ali para ajudas mútuas. é um aprendizado que se dá graças às funções do robô. estranho, mas é verdade. é ficção, enfim.
com final previsível, "robô selvagem" sugere debate não só sobre preservação da natureza, como a necessidade de convivência com essas tais inteligências artificiais que, na verdade, apenas imitam poses e condutas de humanos. esses "robôs" -- desde "metrópolis" (lang, 1927) -- são feitos imagem e semelhança de humanos, o que, no limite, é a mesma coisa que o homem fez ao criar religiões. mas pouca gente está preparada pra esta conversa.
vale a pena ver "robô selvagem" como também ler "frankenstein" (shelley).
Amor é um fogo que arde sem se ver; É ferida que dói, e não se sente; É um contentamento descontente; É dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer; É um andar solitário entre a gente; É nunca contentar-se e contente; É um cuidar que ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade; É servir a quem vence, o vencedor; É ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor Nos corações humanos amizade, Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
. . . . . . . .
soneto publicado no livro "rimas", século 16. luís vaz de camões (1524-80) texto mais famoso da língua portuguesa, até aqui. não arrisco dizer que é o melhor, mas o mais famoso sim.
e o que há neste poema? a busca de definição do amor. repleto de antíteses e paradoxos, o poema reúne contradições, opostos, para definir o sentimento amoroso que, no limite, seria algo turbulento, uma mistura de razão e emoção. nas três primeiras estrofes, há uma lista de contradições. daí, a última estrofe traz a pergunta retórica instigante: se o amor é tão repleto de contradições, como alguém é capaz de buscar amizade (sossego) dentro dele?ou seja, como procurar serenidade em algo tão intensamente contraditório? muitas leituras críticas deste poema insistem em afirmar que o texto não traz uma definição do amor porque o poeta está cheio de dúvidas. errado. os versos afirmam! o tempo todo afirmam que é uma comunhão de opostos! logo, a definição do amor está dada: é um jogo de contrários. o amor -- segundo o poema -- é um conjunto de sensações contraditórias. simples assim.
" uma historiadora obstinada" - conto do livro "no seu pescoço" de chimamanda adichie
"Muitos
anos depois que seu marido morreu, Nwamgba ainda fechava os olhos de vez em
quando para reviver suas visitas noturnas à cabana dela e as manhãs seguintes,
quando ela caminhava até o riacho cantando uma melodia, pensando no cheiro de
fumo dele, na firmeza de seu peso, (...) Outras lembranças de
Obierika continuavam claras — seus dedos grossos envolvendo a flauta quando ele
tocava à noite, seu deleite quando ela servia suas tigelas de comida, suas
costas suadas quando ele voltava com cestos cheios de argila fresca (...) Okafo
e Okoye, os primos de Obierika, faziam visitas demais. Eles ficavam
maravilhados com a habilidade de Anikwenwa para tocar flauta (...) mas Nwamgba
via a malevolência incandescente que seus sorrisos não conseguiam esconder. Ela
temia pelo filho e pelo marido e, quando Obierika morreu — um homem que estava
saudável, rindo (...) — ela soube
que eles o tinham matado com feitiçaria. (...) A morte de Obierika a deixou num desespero interminável. (...)
. . . . . . . . . . . .
o conto narra trajetória de nwamgba, mulher determinada da etnia igbo, na nigéria colonial. ela se casa com obierika, apesar da desaprovação de sua família, e enfrenta desafios como abortos espontâneos e a inveja dos primos do marido. quando obierika morre subitamente, nwamgba se vê sozinha para proteger seu filho anikwenwa dos tais parentes gananciosos. temendo que ele fosse vendido como escravizado, nwamgba decide enviá-lo para uma escola missionária católica. lá, recebe o nome cristão de michael. com o tempo, ele (anikwenwa/michael) se afasta das tradições da mãe, tornando-se um cristão rígido. ele rejeita os costumes igbo e até mesmo a comida de sua mãe. o tempo da narrativa se dá entre as décadas de 1940 e 70. século 20.
(...) Seus
companheiros eram homens normais, mas também pareciam estrangeiros, e apenas um
falava igbo, mas com um sotaque estranho. Ele disse que era de Elele; os outros
homens normais eram de Serra Leoa, (...) Eram todos da Congregação do Espírito Santo; (...) estavam construindo sua escola e sua igreja lá. Nwamgba foi
a primeira a fazer uma pergunta: Eles por acaso haviam trazido suas armas,
aquelas que tinham usado para destruir o povo de Agueke, e ela podia ver uma? O
homem disse que infelizmente eram os soldados do governo britânico e os
mercadores da Royal Niger Company que destruíam aldeias; já eles traziam boas
novas. Ele falou de seu deus, que viera ao mundo para morrer, e que tinha um
filho, mas não tinha esposa, e que era três, mas também era um. Muitas das
pessoas que estavam perto de Nwamgba riram alto. (...)
michael tem uma filha. a neta de nwamgba se chamava afamefuna -- batizada grace, nos costumes católicos --; ela herda o espírito questionador da avó. educada na cultura britânica, ela, mais tarde, percebe a importância de sua própria história e decide estudá-la. divorcia-se do marido que demonstrava não ter interesse nas raízes históricas da nigéria. tornando-se historiadora, grace investiga o passado de seu povo e escreve um livro desafiando a visão colonial. no final da vida, ela resgata suas raízes ao mudar legalmente seu nome para afamefuna, reafirmando sua identidade e homenageando a avó.
os amigos tati e henrique precisam fazer um pernil suíno. assado, creio eu. pediram dicas. aqui vão.
em um aparelho de som qualquer, selecionar músicas do milton nascimento, lô borges, natiruts, anavitória, melin, os gilsons e liniker.
marinar o bicho: numa vasilha grande, a mais funda possível, colocar o porco dentro. se conheço pernil vendido por aí, costuma ter 1 kg e xis... então, para este volume, recomendo um copo americano de azeite ou similar.
dá pra espremer um limão inteiro também, de preferência o siciliano.
despejar um copo e meio, pelo menos, de vinho branco.
polvilhar páprica defumada, algo perto de duas colheres de sopa cheias.
lemon pepper vai também. quanto de lemon pepper? não sei. um tanto bom.
sal também vai, claro. enquanto pensa no tanto de sal, vire o bicho no meio dessa gororoba que se constriuiu na vasilha.
feito isso, o sal: melhor é polvilhar o equivalente a umas três colheres de sopa não muito cheais de sal... depois, espalhar sem cuidado a canela em pó: uma colher de sopa dá. continuar revirando o bicho nessa marinada.
se for do gosto familiar, descascaria uns sete ou oito dentes de alho pra jogar na vasilha também.
chame um dos filhos pra conferir a marinada. encoste a vasilha perto do nariz deles. se fizerem cara de tragédia, é porque está ótimo! o azedume do limão, com vinho já está contaminando todo o resto e é aí que mora a felicidade.
cobrir tudo com papel alumínio. embalar bem. pode usar um saco plástico pra envover 100%. , a vasilha e o papel laminado. botar na parte baixa da geladeira, de um dia pro outro.
não esquecer a lista de músicas de mpb.
. . . . . . . . . . .
leitoras e leitores, querem saber mais sobre culinária despótica?
Devagar devagar um homem morre Escura no jardim a noite se abre A noite com miríades de estrelas Cintilantes límpidas sem mácula
Veloz veloz o sangue foge Já não ouve cantar o moribundo Sua interior exaltação antiga Uma ferida no seu flanco o mata
Somente em sua frente vê paredes Paredes onde o branco se retrata Seus olhos devagar ficam de vidro Uma ferida no seu flanco o mata
Já não tem esplendor nem tem beleza Já não é semelhante ao sol e à lua Seu corpo já não lembra uma coluna É feito de suor o seu vestido A sua face é dor e morte crua
E devagar devagar o rosto surge O rosto onde outro rosto se retrata O rosto desde sempre pressentido Por aquele que ao viver o mata
Seus traços seu perfil mostra A morte como um escultor Os traços e o perfil Da semelhança interior.
[ O Cristo cigano, Sophia de M B Andresen, 1961 ]
poema relata a morte de cristo, com um golpe no flanco, como descreve o novo testamento, quando da crucificação. contudo, o poema traz o nome "aparição". ou seja, alguma ressurreição.
agora, se liga nessa história:sophia breyner encontrou-se com joão cabral de melo neto, em sevilha, espanha, onde vivia o brasileiro que era também diplomata. lá, ela ouviu a lenda de que o escultor espanhol francisco gijón, no final do século 17, recebera uma encomenda de um cristo em agonia. para este fim, o tal artista buscou uma cena que pudesse ver alguém morrendo para conseguir inspiração e fazer seu trabalho. para isso, presenciou o esfaqueamento de um cigano e, assim, obteve material visual que precisava. depois de pronta a peça de madeira, muita gente reconheceu o cigano -- apelidado "cachorro" -- e passaram então a chamar a capela onde a escultura está de "capela do cachorro". a obra é o "cristo de la expiración" ou "el cachorro de triana". na sequência, ele ressurge, já sem beleza nem esplendor. o rosto divino surge, porque é o rosto esperado pelo escultor do início do livro. quanto mais vivia o anterior, humano, mais este que aparece ficaria morto. ou seja, era necessária a morte do primeiro para que o segundo rosto viesse, feito de dor, sangue, suor, que é o rosto mais conhecido pelas pessoas, os ditos fiéis e os nem tanto. quem esculpiu o novo rosto "de morte crua" foi a própria morte. ela, que já morava no primeiro cristo todo o tempo.
a influência no estilo, diz a própria poetisa, é de joão cabral -- citado nominalmente, no primeiro poema do livro, "a palavra faca". porém, a densidade é bem fernando pessoa, convenhamos.
logo, de quem se fala em "aparição"? quem aparece? sim, é a morte. nada mais.
"o boneco quanto mais feio, mais bonito fica" [ shicó do mamulengo]
teatro de bonecos popular potiguar, editora escribas
andré carrico lançou seu livro em 2024. natal, rio grande do norte.
professor na universidade federal, andré -- além de doutor em artes cênicias -- é estudioso desta arte popular: o teatro de formas animadas. arte típica do nordeste. esses bonecos -- as formas animadas -- são conhecidos também como mamulengos e, quem os manipula, os brincantes ou calungueiros(as). basicamente, o material mais usado para criação dos bonecos é a madeira do mulungu, árvore do nordeste.
"Ele é feito , geralmente, por meio da manipulação de bonecos de luva ou vareta que podem apresentar articulações. (...) Os enredos envolvem quiprocós, pancadarias, piadas, danças, canções, loas, poemas de cordel e, às vezes, a presença de personagens históricos e mitológicos do repertório conhecido como cultura popular nordestina." [ trecho ]
o livro contém vasto material de anos de estudo de andré carrico, desde as origens desta arte, com registros de possíveis ações de bonequeiros nas caravelas portuguesas do século 16, passando pela período da escravização negra do brasil colônia, até o séclo 21.
teatro de bonecos é a brincadeira e a resistência, elementos marcantes na vida da cultura popular brasileira. acredito eu que, não só no nordeste, mas no país todo, arte popular é mais do que entretenimento ou ganha-pão. é resistência mesmo. uma defesa.
"O teatro de bonecos potiguar é uma arte feita para acertar. Seu espetáculo, portanto, é criado para fazer rir e alegrar. Sua dramaturgia, via de regra, é constituída por esquetes sucessivos cuja duração é proporcional ao interesse da plateia. (...) Contam os mestres que antigamente as apresentações em bares da zona rural podiam durar de seis a oito horas". [ trecho ]
uma das partes do livro de que gostei foi sobre shico do maumlengo, assim, com "s" mesmo. nascido em 1980, apaixonou-se pela arte do mestre chico daniel que ele conheceu ao ver um "dvd" de apresentações dele. shico se destaca porque expõe seus cinco sentidos na arte da manipulação dos bonecos. ele diz que ter conhecido a capoeira o ajudou nessa empreitada como calungueiro (brincante). como foi isso? ah, você vai precisar ler o livro.
"Cabe é refletir a respeito das transformações e permanências, ganhos e perdas, que atravessam as brincadeiras populares e que fazem sobreviver em sintonia com seu tempo. Mudanças enriquecem as brincadeiras, desde que venham de dentro pra fora, e sejam sem concessões àqueles que, visando apenas o lucro, as descaracterizem ou as banalizem. (...) Pois, como escreveu Luís Antônio Simas, "A gente não brinca porque a vida é mole. A gente faz festa porque a vida é dura". [ trecho ]
outras figuras marcantes desta arte como chico daniel, mestre felipe de riachuelo, mestra dadi, zé relampo, meste felipe, heraldo lins, emmanuel bonequeiro, genildo mateus e tantos outros -- vivos ou encantados -- compõem este livro cheio de história e documentação, abraçando a arte do mamulengo e, por causa disso, abraçando parte de nossa identidade. parabéns, calungueiros e calungueiras. parabéns, andré. ah, antes que me esqueça: esse moço autor do livro, andré carrico, foi meu aluno no ensino médio, no comecinho dos anos 1990, em campinas. isso é gratificante.
fiz isso algumas vezes, em conversa direta com quem eu acreditava que deveria pedir desculpas. com outras pessoas não consegui... por isso, tenho pedido desculpas mentalmente. parece hipocrisia. deve ser. faço isso com certa regularidade: a cada vez que respiro, mais ou menos.
noutras situações, tento desculpar a mim mesmo, porque também sou vítima de minhas escolhas.
tudo fica difícil quanto mais elaboro a coisa toda dentro da cabeça. fora dela, tento pedir desculpas.
deve haver quem sinta raiva ainda ou quem quer simplesmente que eu me exploda. entendo. errei com várias pessoas. escolhas minhas. buscava acolhimento ou algo similar que, talvez, nunca me deram no início da vida, fazer o que. nunca me deram ou eu nunca busquei. veredas.
desse jeito, olhar pra vida e achar quase tudo um fracasso é normal, dentro do nó de marinheiro que criei justamente buscando não fazer da vida um fracasso. nessa trajetória, fui individualista e infeliz. por isso, a rotina desta vida é me desculpar. então peço.
ébrio - que é tomado de sentimento intenso; bêbado
ditosa - de boa sorte; bom destino
báratro - local com grande profundidade
junquilho - planta aromática
embalde - em vão; inutilmente
olor - cheiro; odor
almo - bom; venerável
. . . . . . . . . .
eu lírico está melancólico. procurou no tempo da juventude alguma comepensação a esta tristeza do momento. mas encontrou uma flor morrendo. a conclusão, ao final, é que só resta ao crente aceitar o fim e ir ao céu. é uma esperança, na verdade. esta flor que morre é a representação da transitoriedade da juventude. apesar do viço, da beleza, ela acabará logo. é triste. é o romantismo.
memórias de martha - julia lopes - romance - 1888 narração em 1a pessoa - martha
cenário: rio de janeiro
martha narra sua história de infância e juventude, até 24 anos de idade, quando se casa
quando pai falece -- suicídio --, ela e mãe vão morar num cortiço, em são cristóvão. a mãe lava e passa roupas para outras famílias
martha sofre com a miséria, tem vergonha da pobreza
martha sonha ser professora e consegue, com auxílio de d. aninha -- martha é dedicada aos estudos
a ascensão social de martha não irá acontecer pelo casamento, herança ou o que quer que seja vindo de outras pessoas, mas sim da educação, eis a revolução deste livro que, como se viu, é do século 19, escrito por uma mulher
julia lopes, inclusive, foi barrada na academia brasileira de letras que ela mesma ajudou a criar! mas isto é outra conversa. voltemos ao livro
martha se apaixona pelo primo de d. aninha, luiz, mas nada se desenvolve, para frustração da narradora (martha)
o ambiente do cortiço, ao contrário da tendência das literaturas da época, não faz de martha uma jovem que se perdesse imoralidade ou noutra mazela social: ela cresce na profissão e consegue sair de lá, levando sua mãe junto
miranda, um senhor da vizinhança, cerca de 40 anos, pede a mão da moça à mãe. eles irão se casar. mãe de martha trabalhava para miranda havia dez anos. a jovem acaba aceitando, pois acredita que o csasamento seria vingança para os ultrajes que recebera durante a vida, ou seja, o universo em torno de si fez com que ela sempre acreditasse ser feia, inabilidosa e não desejável. a chegada de miranda -- figura por quem ela não nutria amores -- trouxe uma realidade contrária àquela em que insistia viver. oito dias de pois do casamento, a mãe morre. a narrativa termina.