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quarta-feira, 7 de maio de 2025

resignação - narcisa amália - comentário

 


   RESIGNAÇÃO  - Narcisa Amália

 

No silêncio das noites perfumosas,

Quando a vaga chorando beija a praia,

Aos trêmulos rutilos das estrelas,

Inclino a triste fronte que desmaia.

E vejo o perpassar das sombras castas

Dos delírios da leda mocidade;

Comprimo o coração despedaçado

Pela garra cruenta da saudade.

Como é doce a lembrança desse tempo

Em que o chão da existência era de flores,

Quando entoava o múrmur das esferas

A copla tentadora dos amores!

Eu voava feliz nos ínvios serros

Empós das borboletas matizadas...

Era tão pura a abóbada do elísio

Pendida sobre as veigas rociadas!...

Hoje escalda-me os lábios riso insano,

É febre o brilho ardente de meus olhos:

Minha voz só retumba em ai plangente,

Só juncam minha senda agros abrolhos.

Mas que importa esta dor que me acabrunha,

Que separa-me dos cânticos ruidosos,

Se nas asas gentis da poesia

Eleva-me a outros mundos mais formosos?!...

Do céu azul, da flor, da névoa errante,

De fantásticos seres, de perfumes,

Criou-me regiões cheias de encanto,

Que a luz doura de suaves lumes!

No silêncio das noites perfumosas

Quando a vaga chorando beija a praia,

Ela ensina-me a orar, tímida e crente,

Aquece-me a esperança que desmaia.

Oh! Bendita esta dor que me acabrunha,

Que separa-me dos cânticos ruidosos,

De longe vejo as turbas que deliram,

E perdem-se em desvios tortuosos!...


    
 [ narcisa amália, nebulosas, 1872 ]


  notas_ 

  cruenta - violenta; dolorosa

  acabrunha – oprime, entristece profundamente

  elísio  -  referência a lugar mitológico de paz e felicidade

  empós  -  após; depois

  leda  -  alegre

  ínvios  -  caminhos árduos; difíceis

  rociada  -  orvalhada

  plangente  - o que lastima; entristece

  juncam  -  cobrem de folhas ou juncos  [ certo tipo de planta ] 

  turba  -  multidão; desordem

  agros abrolhos  -  lugares com espinhos


  . . . . . .  .  .  .  .   .   .


em noites silenciosas, cheias de perfume, o eu lírico se lembra com carinho da juventude, quando a vida parecia leve, cheia de flores, e ela era feliz, correndo atrás de borboletas acreditando que o mundo seria melhor um dia, como nas letras do grupo cranberries. contudo, no presente, existe dor. mesmo assim, ela aceita esse sofrimento, porque é a poesia que dá sentido à sua vida. através dela, ela se sente elevada a outros mundos, cheios de beleza, natureza e imaginação. por isso, ela valoriza até mesmo a dor, pois se afasta das confusões do mundo (da turba que segue caminhos errados) e se aproxima da arte, que a faz enxergar tudo de forma mais clara, incluindo poder rever o passado. 

 . . . . .  .  .   .   .

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quarta-feira, 2 de abril de 2025

a rosa - narcisa amália - comentário

 



          A ROSA    -   
Narcisa Amália

 

      Que ímpia mão te ceifou no ardor da sesta

         Rosa d'amor, rosa purpurea e bela?

                           Almeida Garrett

 

 

Um dia em que perdida nas trevas da existência

Sem risos festivais, sem crenças de futuro,

Tentava do passado entrar no templo escuro,

Fitando a torva aurora de minha adolescência.


Volvi meu passo incerto à solidão do campo.

Lá onde não penetra o estrepitar do mundo:

Lá onde doura a luz o báratro profundo,

E a pálida lanterna acende o pirilampo.


E vi airosa erguer-se, por sobre a mole alfombra.

De uma roseira agreste a mais brilhante filha!

De púrpura e perfumes - a ignota maravilhal!

Sentindo-se formosa, fugia à meiga sombra!


Ai, louca! Procurando o sol que abrasa tudo

Gazil se desatava à beira do caminho;

E o sol, ébrio de amor, no férvido carinho

Crestava-lhe o matiz do colo de veludo!


A flor dizia exausta à viração perdida:

"Ah! minha doce amiga abranda o ardor do raio

Não vês? Jovem e bela eu sinto que desmaio

E em breve rolarei no solo já sem vida!


"Ao casto peito uni a abelha em mil delírios

Sedenta de esplendor, vaidosa de meu brilho;

E agora embalde invejo o viço do junquilho,

E agora embalde imploro a candidez dos lírios


"Só me resta morrer! Ditosa a borboleta

Que agita as áureas asas e paira sobre a fonte;

Na onda perfumosa embebe a linda fronte

E goza almo frescor na balsa predileta!"


E a viração passou. E a flor abandonada

Ao sol tentou velar a face amortecida;

Mas do cálix gentil a pétala ressequida

Sobre a espiral de olores rolou no pó da estrada!

Assim da juventude se rasga o flóreo véu

E do talento a estátua no pedestal vacila;

Assim da mente esvai-se a ideia que cintila

E apenas resta ao crente - extremo asilo - o céu!

 

                    [ nebulosas, 1872 ]


     notas_

 ímpia - não respeita o sagrado

 estrepitar - fazer barulho; vibrar com estrondo

 alfombra  -  extensão de relva

 gazil  -  elegante; de cores vivas

 crestava  -  queimava; tostava

 viço  -  força, vigor

 ébrio  -  que é tomado de sentimento intenso; bêbado

 ditosa  -  de boa sorte; bom destino

 báratro  -  local com grande profundidade

 junquilho  -  planta aromática

 embalde  -  em vão; inutilmente

 olor  -   cheiro; odor

 almo  -  bom; venerável

   . . . . .  .  .  .   .   .


eu lírico está melancólico. procurou no tempo da juventude alguma comepensação a esta tristeza do momento. mas encontrou uma flor morrendo. a conclusão, ao final, é que só resta ao crente aceitar o fim e ir ao céu. é uma esperança, na verdade. esta flor que morre é a representação da transitoriedade da juventude. apesar do viço, da beleza, ela acabará logo. é triste. é o romantismo.

  . . . . .  .   .    .


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segunda-feira, 24 de março de 2025

25 de março - narcisa amália

 



   VINTE E CINCO DE MARÇO

 

A noite sepulcral dos tempos idos

Plácida avulta a merencória esfinge,

Esplêndido fanal que esclarecera

       A crente multidão!


Monumento do verbo grandioso

Deste povo titã, débil ainda...

Centelha sideral aque fecundara

         A seiva da nação! 


Lacerado o sendálio tenebroso

Que nos velava os livres horizontes.

Entoa o continente americano

      Um hino colossal;


Mais vivida no peito a fé rutila,

Mais nobres s'erguem dos heróis os bustos

Cingidos pela flama deslumbrante

     Da glória perenal.


Mas tu projetas o negror no espaço

Que sobre nós desata-se em sudário!

Mas teu hálito extingue a luz benéfica

      Que acendera o Senhor!


Maldição! Maldição! A liberdade

Vê de lodo o seu manto salpicado...

Do vulcão popular a ígnea lava

         Desmaia sem calor.

Raiaste como o símbolo

Do traidor Antíteo, mentindo ao orbe,

E os louros virgens da nação sorveste

         Como hidra voraz!


Roubaste ao povo a palma do triunfo.

Recompuseste a algema ao pó lançada,

Emoldaste no bronze a estátua fria

        Da mentira loquaz!


Das espaldas robustas da montanha

A pedra derrocada, abate selvas:

A avalanche vacila lá nos Alpes..

      Convulsam terra e mar!


Resvalaste, padrão de cobardia

Pelos áureos degraus do sólio augusto.

E a santa aspiração, e os sonhos grandes,

      Esmagaste ao tombar!..


Após a luz.. o caos confuso, intérmino!

Após o hino festival de um povo...

O lúgubre silêncio do sepulcro

    Sem uma queixa, ou voz!

Lançaste a pátria em báratros profundos,

Ferida pela mão da tirania,

E apenas um lampejo de civismo

    Deixaste ao crime atroz!

Onde estavam, ó pátria, os teus Andradas

Que sustinham-te aos ombros gigantescos?

Onde o tríplice brado altipotente

      Do peito popular?

Gemem sem luz em cárceres medonhos,

Seguem do exílio a pavorosa senda

Rorando com seu pranto piedoso

     De teu solo o altar!

 

      [ narcisa amália, nebulosas, 1872 ]


nota da autora:  as duas primeiras estrofes desta poesia aludem ao projeto de constituição elaborado pelos membros da constituinte de 1824, no qual todos os grande princípios da liberdade eram solenemente reconhecidos.

epígrafe: trecho do poema "hino à liberdade", de celso tertuliano da cunha magalhães (1849-1879), poeta, pioneiro do estudo do folclore no brasil. 

    . . . . . . .  .   .    .     .

    notas_

 merencória – melancólica, triste


 sendalio  –  termo raro: pode significar o passado ou a censura


 rutila  –  brilha, cintila


 báratro – abismo; inferno


 antíteo  –  qualifica um traidor; contrasta com ideias de liberdade


 rorando  –  rorejando -  orvalhando, gotejando


 andradas – referência à família de josé bonifácio e seus dois irmãos antônio carlos e martim francisco: especialmente bonifácio é considerado patriarca da independência

 

 

como se vê, o poema trata da frustação do eu lírico diante do que foi feito dos ideais políticos estabelecidos na constituinte de 1824, ou seja, o manto da constituição -- que melhoraria a vida do povo -- foi salpicado de lama, “ferida pela mão da tirania”. 

atenção para o verso: "roubaste ao povo a palma do triunfo", ou seja, a liderança política que se seguiu à constituição de 1824 não cumpriu o que estava no papel. aliás, 25 de março é data em que foi outorgada a constituição, em 1824.

a linguagem repleta de adjetivos e metáforas mantém o texto no estilo romântico, porém, é uma crítica às políticas sociais em geral. 

país não seguiu os caminhos que a poetisa acreditava que seriam os melhores: houve traição, este é o teor do poema “25 de março”. 

claramente, há proximidade com o que fez castro alves quando tratou da escravatura com intenção crítica.


           . . . . . .  .  .   .   .    .

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quarta-feira, 5 de março de 2025

desengano - narcisa amália

 


      DESENGANO   _narcisa amália_

 

Quando resvala a tarde na alfombra do poente

E o manto do crepúsculo se estende molemente,

Na hora dos mistérios, dos gozos divinais

Despedaçam-me o peito martírios infernais

E sinto que, seguindo uma ilusão perdida

Me arqueja, treme e expira a lâmpada da vida

Feriu-me os olhos tímidos o brilho da esperança

A luz do amor crestou-me o riso da criança:

E quando procurei - sedenta - uma ventura,

Aberta via a fauce voraz da sepultura!...

Dilacerou-me o seio, matou-me a crença bela,

O tufão mirrador de hórrida procela!

Então pálida e triste, alcei a fronte altiva

Onde se estampa a dor tenaz que me cativa:;

Sorvi na taça amarga o fel do sofrimento.

E a voz queixosa ergui num último lamento:

Era o cantar do cisne, o brado da agonia...

E a multidão passou soberba, muda, frial

Desprezo as pompas loucas, desprezo os esplendores,

Trilhar quero um caminho orlado só de dores:

E além, nas solidões, à sombra dos palmares,

Ao derivar da linfa por entre os nenúfares,

Quero ver palpitar, como em meu crânio a ideia.

O inseto friorento na lânguida ninfeia!

Ao despertar festivo da alegre natureza,

Quero colher as clícias que brincam na devesa:

Sentir os raios ígneos da luz do sol de maio

Reanimar-me a vida que foge n'um desmaio;

Pousar um longo beijo nas rubras maravilhas

E contemplar do céu as vaporosas ilhas.

E quando o ardor latente que cresta a minha fronte

Ceder à neve algente que touca o negro monte;

Quando a etérea asa da brisa fugitiva

Trouxer-me os castos trenos da terna patativa,

Elevarei meus carmes ao Ser que criou tudo,

E dormirei sorrindo n'um leito ignoto e mudo.

 

                [ narcisa amália, nebulosas, 1872 ]

 

  notas_

alfombra  -  tapete macio; certa extensão de relva

fauce  -  parte da garganta próximo à laringe; abertura

crestou  -  tostou; queimou

devesa  -  mata ou arvoredo

patativa -  referência a uma ave ou a um poeta

treno  -   canto fúnenre
carmes  -  cantos ou poemas

algente  -  gélido; muito frio


o texto apresenta uma angústia causada por uma "ilusão perdida" (v. 5). a solução para essa dor ("fel do sofrimento") é a contemplação da obra do criador, ou seja, o universo do deus católico. é um desejo de comunhão com a natureza e, consequentemente, união com deus. de repente ajuda. 

o desfecho marca este contraste entre martírios infernais e a busca de paz na hamonia com a natureza: no último verso o eu lírico sorri, talvez expondo o fim da vida finalmente em paz, ou seja, o último verso pode ser um eufemismo da morte. seria uma espécie de resignação diante de uma frustração.
gente, como assim? 
precisa aceitar todas as dores sempre?ficou tudo bem, no fim?... 

quem desdenha quer comprar, diz lá um ditado. mas é o romantismo.

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terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

o baile - narcisa amália

 

          


    O BAILE

 

          Esta fingida alegria,

           Esta ventura que mente,

         Que será delas ao romper do dia?..

                               G Dias *

 

A noite desce lenta e cheia de magia;

A multidão febril do templo de alegria,

         Invade as vastas salas

O mármore, o cristal, a sede e os esplendores,

Do manacá despertam os mágicos olores,

         À languidez das falas.

 

Ao rutilar das luzes as dálias desfalecem..

Roçando o pó as vestes das virgens s'enegrecem.

           Enturva-se a brancura...

O ar vacila tépido... a música divina

Semelha o suspirar de uma harpa peregrina.

          E a hora da loucura!

 

Pela janela aberta por onde o baile entorna

No éter transparente a vaga tíbia e morna

           Do hálito ruidoso,

Da vida as amarguras espreitam convulsivas

O leve esvoaçar das frases fugitivas.

        O estremecer do gozo!...

 

E tudo se inebria: o lampejar de um riso

Acende n'alma a luz gentil do paraíso,

         Arranca a jura ardente!

E mariposa incauta, em súbita vertigem,

Arroja-se a mulher crestando o seio virgem

      Na pira incandescente!

 

Aqui, na nitidez de um colo, a coma escura

S'espraia em mil anéis, enlaça a fronte pura

          Auréola de rosas

Da valsa ao giro insano, volita pelo espaço

Do cinto estreito, aéreo, o delicado laço,

          As gases vaporosas.

 

Ali, na meiga sombra indiferente a tudo,

Imerso em doce cisma um colo de veludo

         Ondula deslumbrante:

Que fogo oculto, ignoto, em suas fibras vaza

Vivido ardor que faz tremer-Ihe a nívea asa

         De garça agonizante?!..

  

Além, meus olhos tímidos contemplam 

                                                      [ com tristeza

As penas da mulher dessa –  ave de beleza –

             Calcadas sem piedade!..

Esparsas pelo solo as laceradas rendas

As flores já sem viço.. abandonadas lendas

            Da louca mocidade!

 

A festa chega ao termo; a harmonia expira:

A luz na convulsão final langue se estira

            Pelo salão deserto

Há pouco o doudejar da multidão festante,

Agora – o empalidecer da chama vacilante,

           Ao rosicler incerto!

 

Depois a razão fria contando instantes ledos

De castos devaneios, de juramentos tredos

           Ouvidos sem receio...

Num corpo languescido o espírito agitado.

Ea febre da vigília ao doloroso estado

           Ligando vago anseio..

  

A vida é isto: hoje cruel grilhão de ferro;

Talvez d'ouro amanhã, mas sempre a dor, o erro,

            Aniquilando o gênio!

Passado – áureo friso num mar de indiferença:

Presente – eterna farsa universal, suspensa

            Do mundo no proscênio!

 

epígrafe: trecho de "o baile" -- em “últimos cantos", gonçalves dias 

    notas_

  olores  -  cheiros

  incausa  -  sem cuidado

  inebria  -  embriaga

  ledos  -  alegres

  proscênio  -  parte do palco de um teatro

  . . . . . .  .  .  .   .    .


"o baile", poema de narcisa amália, retrata uma festa luxuosa, com beleza e sedução, mas também permeado por atmosfera de desencanto.
a noite é descrita como mágica: perfumes, luzes e música, envolvendo os participantes em um êxtase quase hipnótico. contudo, por trás do esplendor, nota-se a presença da ilusão: flores murcham, vestes se mancham, a música se dissipa e a festa chega ao fim. 
a metáfora da mulher como mariposa é marcante: ela vê o brilho da festa e dos prazeres e se atira, mas é uma pira encandescente. deu ruim.

aqui, há contraste entre deslumbramento momentâneo e a realidade amarga da vida, marcada por erros, dor e desilusões. poema sugere que os momentos de alegria e paixão são passageiros e que a existência é um palco onde se encena uma farsa. 
novidade? é o romantismo.
  . . . . .  .   .    .     .

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