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Mostrando postagens com o rótulo soneto

amor é um fogo que arde sem se ver - camões - comentário

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                                                                         [ luiz vaz de camões 1524 - 80 ]    Amor é um fogo que arde sem se ver;   É ferida que dói, e não se sente;    É um contentamento descontente;   É dor que desatina sem doer.    É um não querer mais que bem querer;   É um andar solitário entre a gente;    É nunca contentar-se e contente;    É um cuidar que ganha em se perder;   É querer estar preso por vontade;    É servir a quem vence, o vencedor;   É ter com quem nos mata, lealdade.    Mas como causar pode seu favor    Nos corações humanos amizade,   Se tão contrário a si é o mesmo Amor?      . . . .  .  .    .     . sone...

para viver um grande quadro

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                                    [Vinícius de Moraes, 1938 – óleo –  56 x 47 cm  - Portinari]                             [Maria L Proença, 1938 – óleo –  60 x 73 cm  - Portinari]   durante muito tempo, não soube que cândido portinari tinha feito retrato do poetinha. e ainda jovem. folheando "para viver um grande amor", do vinícius, achei uma crônica em que ele reclama com a filha susana, a posse do quadro. ela, prestes a casar-se, levaria consigo a peça de portinari. a questão era coerente: a nova namorada de vinícius (futura esposa) tinha sido também retratada por portinari: maria lúcia proença. o traço do pintor traz uma sobriedade que talvez não combinasse com ele, mas quem sabe do que se passa em mente de artista? se susana devolveu-lhe o quadro, não sei. só garanto que tenho um tanto ...

cárcere das almas - cruz e sousa - comentário

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gustave doré            CÁRCERE DE ALMAS    Ah! Toda a alma num cárcere anda presa,    Soluçando nas trevas, entre as grades    Do calabouço olhando imensidades,    Mares, estrelas, tardes, natureza.    Tudo se veste de uma igual grandeza    Quando a alma entre grilhões as liberdades    Sonha e sonhando, as imortalidades    Rasga no etéreo Espaço da Pureza.    Ó almas presas, mudas e fechadas    Nas prisões colossais e abandonadas,    Da Dor no calabouço atroz, funéreo!    Nesses silêncios solitários, graves,    Que chaveiro do Céu possui as chaves    Para abrir-vos as portas do Mistério?!                           Cruz e Sousa  (1861-98) texto de caráter simbolista: descrição do interior humano, sua angústia, além do estilo erudito com apelo ao ...

plena nudez - raimundo correia - comentário

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                                                                    [ Vênus Calipígia, séc IV a.C. a pro x ]          PLENA NUDEZ     Eu amo os gregos tipos de escultura:    Pagãs nuas no mármore entalhadas;    Não essas produções que a estufa escura    Das modas cria, tortas e enfezadas.    Quero um pleno esplendor, viço e frescura    Os corpos nus; as linhas onduladas    Livres: de carne exuberante e pura    Todas as saliências destacadas...    Não quero, a Vênus opulenta e bela    De luxuriantes formas, entrevê-la    De transparente túnica através:    Quero vê-la, sem pejo, sem receios,    Os braços nus, o dorso nu, os seios    Nus... toda nua, da ...

segue neste soneto a máxima de bem viver - gregório de matos

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  SEGUE NESTE SONETO A MÁXIMA DE BEM VIVER QUE É ENVOLVER-SE  NA CONFUSÃO DOS NÉSCIOS PARA VIVER MELHOR A VIDA   Carregado de mim ando no mundo,  E o grande peso embarga-me as passadas,  Que como ando por vias desusadas,  Faço o peso crescer, e vou-me ao fundo.  O remédio será seguir o imundo  Caminho, onde dos mais vejo as pisadas,  Que as bestas andam juntas mais ornadas  Do que anda só o engenho mais profundo.  Não é fácil viver entre os insanos,  Erra, quem presumir, que sabe tudo,  Se o atalho não soube dos seus danos.    O prudente varão há de ser mudo,  Que é melhor neste mundo o mar de enganos  Ser louco co's demais, que só, sisudo.               Gregório de Matos, século 17, Bahia poeta está decidido a ir na contramão da lógica conservadora e unir-se aos chamados "néscios" -- como diz o título -- ou seja, juntar-se aos idiotas, ignorantes, loucos.  ter an...

as árvores - olavo bilac - soneto comentado

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     AS ÁRVORES    Na celagem vermelha, que se banha   Da rutilante imolação do dia,   As árvores, ao longe, na montanha,   Retorcem-se espectrais à ventania.    Árvores negras, que visão estranha   Vos aterra? que horror vos arrepia?   Que pesadelo os troncos vos assanha,   Descabelando a vossa ramaria?    Tendes alma também... Amais o seio   Da terra; mas sonhais, como sonhamos,   Bracejais, como nós, no mesmo anseio...    Infelizes, no píncaro do monte,   (Ah! não ter asas!...) estendeis os ramos   À esperança e ao mistério do horizonte...     [ Olavo Bilac - Tarde , 1919 ]     notas   celagem - aspecto do céu ao fim do dia ou no começo   espectrais - fantasmagóricas   bracejais - mexer, agitar galhos . . . . . . . .  .  .  .  .  .  .  .  .  .   .   . soneto do livro " tarde ", traz...

sinfonia - olavo bilac - tarde

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      SINFONIA  Meu coração, na incerta adolescência, outrora,  Delirava e sorria aos raios matutinos,  Num prelúdio incolor, como o alegro da aurora,  Em sistros e clarins, em pífanos e sinos.   Meu coração, depois, pela estrada sonora  Colhia a cada passo os amores e os hinos,  E ia de beijo a beijo, em lasciva demora,  Num voluptuoso adágio em harpas e violinos.   Hoje, meu coração, num scherzo de ânsias, arde  Em flautas e oboés, na inquietação da tarde,  E entre esperanças foge e entre saudades erra...   E, heróico, estalará num final, nos clamores  Dos arcos, dos metais, das cordas, dos tambores,  Para glorificar tudo que amou na terra!       [BILAC, Olavo. Tarde , 1919]    nota      scherzo - peça musical ligeira, alegre   . . . . . . . .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  ...

o oitavo pecado - olavo bilac - soneto

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     O OITAVO PECADO       [ B ilac ]  Vivendo para a morte, alegre da tristeza,  Temendo o fogo eterno e a danação sulfúrea,   Gelaste no cilício, em ascética fúria,   A alma ridente, o sangue em esto, a carne acesa.  Foste mártir e herói da própria natureza.   Intacto de ambição, de desejo ou de injúria,  Para ganhar o céu, venceste a ira, a luxúria,  A gula, a inveja, o orgulho, a preguiça e a avareza.  Mas não amaste! E, além do Inferno, um outro existe,  Onde é mais alto o choro e o horror dos renegados:   Ali, penando, tu, que o amor nunca sentiste,  Pagarás sem amor os dias dissipados!   Esqueceste o pecado oitavo: e era o mais triste,  Mortal, entre os mortais, de todos os pecados!      [ in: Tarde , 1918 ] notas :   esto   - calor; paixão              ascética - a que defende abstençã...

a iara - olavo bilac - soneto comentado

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                                                           A  I A R A       [ Olavo Bilac ]  Vive dentro de mim, como num rio,   Uma linda mulher, esquiva e rara,   Num borbulhar de argênteos flocos, Iara   De cabeleira de ouro e corpo frio.   Entre as ninfeias a namoro e espio:  E ela, do espelho móbil da onda clara,  Com os verdes olhos úmidos me encara,  E oferece-me o seio alvo e macio.   Precipito-me, no ímpeto de esposo,   Na desesperação da glória suma,   Para a estreitar, louco de orgulho e gozo...   Mas nos meus braços a ilusão se esfuma:  E a mãe-d’água, exalando um ai piedoso,  Desfaz-se em mortas pérolas de espuma.         [ in: Tarde , 1919 ] notas - - - iara:  ser mito...

pecador contrito aos pés de cristo crucificado - gregório de matos

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  PECADOR CONTRITO AOS PÉS DE CRISTO CRUCIFICADO Ofendi-vos , meu Deus, é bem verdade, Verdade é, meu Senhor, que hei delinquido, delinquido vos tenho, e ofendido, ofendido vos tem minha maldade. Maldade, que encaminha a vaidade, Vaidade, que todo me há vencido, Vencido quero ver-me e arrependido, Arrependido a tanta enormidade. Arrependido estou de coração, De coração vos busco, dai-me abraços, Abraços, que me rendem vossa luz. Luz, que claro me mostra a salvação, A salvação pretendo em tais braços, Misericórdia, amor, Jesus, Jesus! GREGÓRIO DE MATOS E GUERRA - séc 17 poeta assume pecados perante cristo e busca salvação pelo arrependimento. ele -- o eu lírico -- deseja ser acolhido e trata a divindade como uma figura próxima, daí o que se costuma ler dos críticos é que o estilo barroco costuma ser uma espécie de mistura de antropocentrismo e teocentrismo. trata-se de um soneto: 14 versos e com métrica (dez sílabas poéticas por verso) ao inciar verso com o final do anterior, temos ...

pergunta-se neste problema qual é maior, se o bem perdido na posse ou o que se perde antes de lograr... -- gregório de matos

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  PERGUNTA-SE NESTE PROBLEMA, QUAL É MAIOR, SE O BEM PERDIDO NA POSSE OU O QUE SE PERDE ANTES DE SE LOGRAR? DEFENDE O BEM JÁ POSSUÍDO Quem perde o bem que teve possuído,  A morte não dilate ao banimento,  Que esta dor, esta mágoa, este tormento  Não pode ter tormento parecido.  Quem perde o bem logrado, tem perdido O discurso, a razão, o entendimento:  Porque caber não pode em pensamento  esperança de ser restituído  Quanto fosse a esperança alento à vida, Té nas faltas do bem seria engano  O presumir melhoras desta  sorte.  Porque onde falta o bem, é homicida  A memória, que atalha o próprio dano,  O refúgio, que priva a mesma morte.  GREGÓRIO DE MATOS E GUERRA [ séc 17 ] . . . . . . . .  .  .  .  .  .  .   .    .    . nota   -     " atalha ": diminui; encurta                 " lograr ":  ob...

lágrimas ocultas - florbela espanca - comentário

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       LÁGRIMAS OCULTAS                        Florbela Espanca  [ 1894 - 1930 ] Se me ponho a cismar em outras eras Em que ri e cantei, em que era q'rida, Parece-me que foi noutras esferas, Parece-me que foi numa outra vida... E a minha triste boca dolorida Que dantes tinha o rir das Primaveras, Esbate as linhas graves e severas E cai num abandono de esquecida! E fico, pensativa, olhando o vago... Toma a brandura plácida dum lago O meu rosto de monja de marfim... E as lágrimas que choro, branca e calma, Ninguém as vê brotar dentro da alma! Ninguém as vê cair dentro de mim!        [  Livro de mágoas  1919 ] soneto decassílabo de florbela da conceição espanca. a palavra "querida" sofreu uma supressão de sílaba para que pudesse manter o verso 2 com a mesma métrica dos demais. com exclamações e reticências, o poema expõe um eu dilacerado, ferido, pois o presente não é como o p...

ao bom governador antônio luís - soneto caudático - gregório

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  AO BOM GOVERNADOR ANTÔNIO LUÍS * [ soneto caudático ] O Apolo, de ouro fino coroado: O Marte, em um Adônis desmentido; O Fênix, entre aromas renascido; O cisne, em doces cláusulas banhando: O abril, de mil galas matizado; O maio, de mil cores guarnecido; O Parnaso, de plectros aplaudido; E o Sol, de ambos os mundos venerado: O prodígio maior, que tudo o clama, O assunto melhor da fama digno; Do tronco mais ilustre a melhor rama: O herói celestial, quase divino, O maior que o seu nome, e a sua fama; É esse que estás vendo, oh peregrino. Prossegue pois agora o teu destino; E a qualquer de que fores perguntado, Dirás que o bom governo é já chegado   GREGÓRIO DE MATOS E GUERRA *     antônio luís menezes - governou de 1684 a 87 [prestou assistência ao povo doente] . . . . . . . .  .  .  .  .  .  .  .  .  .   .   .   .   . - apesar dos elementos da mitologia grega (apolo, marte etc),...

descreve a vida escolástica - gregório do matos

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  DESCREVE A VIDA ESCOLÁSTICA Mancebo sem dinheiro, bom barrete, Medíocre o vestido, bom sapato, Meias velhas, calção de esfola-gato, Cabelo penteado, bom topete. Presumir de dançar, cantar falsete, Jogo de fidalguia, bom barato, Tirar falsídia ao Moço do seu trato, Furtar a carne à ama, que promete. A putinha aldeã achada em feira, Eterno murmurar de alheias famas, Soneto infame, sátira elegante. Cartinhas de trocado para a Freira, Comer boi, ser Quixote com as Damas, Pouco estudo, isto é ser estudante.  [Gregório de Matos - Poemas escolhidos , ed Cultrix] * esfola-gato - provavelmente brincadeira entre jovens, região do minho, portugal * falsídia - mentira   soneto do século 17: barroco. satiriza e desmerece a vida do estudante, uma vez que não havia universidade, no brasil. pode ser uma referência ao jovem da afamada escola de jesuítas (1553-1759), em salvador, por onde passou gregório. o estudante, no soneto, é desprezível, porque faz graça com freira, se envolve co...

morte de orfeu - olavo bilac

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A MORTE DE ORFEU Houve gemidos no Ebro e no arvoredo, Horror nas feras, pranto no rochedo; E fugiram as Mênadas, de medo, Espantadas da própria maldição. Luz da Grécia, pontífice de Apolo, Orfeu, despedaçada a lira ao colo, A carne rota ensanguentando o solo, Tombou... E abriu-se em músicas o chão... A boca ansiosa um nome disse, um grito, Rolando em beijos pelo nome dito: “Eurídice”, e expirou... Assim Orfeu, No último canto, no supremo brado, Pelo ódio das mulheres trucidado, Chorando o amor de uma mulher, morreu...                                                                   [ T ARDE - O Bilac ] . . . . . . . . .  .  .  .  .  .  .   .   .   . orfeu - mito ligado à música: b uscou recuperar sua amada morta...

anchieta - olavo bilac

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outro soneto do livro "tarde", bilac, 1919. josé de anchieta (1534 - 97) foi, segundo história oficial, o primeiro a fazer poesia, no país, ficção.  também publicou estudos sobre a língua tupi. o padre -- nascido nas ilhas canárias (espanha) -- é comparado a um santo: francisco e  também a um mito grego: orfeu    ANCHIETA Cavaleiro da mística aventura, Herói cristão! nas provações atrozes Sonhas, casando a tua voz às vozes Dos ventos e dos rios na espessura: Entrando as brenhas, teu amor procura Os índios, ora filhos, ora algozes, Aves pela inocência, e onças ferozes Pela bruteza, na floresta escura. Semeador de esperanças e quimeras,  Bandeirante de “entradas” mais suaves, Nos espinhos a carne dilaceras: E, porque as almas e os sertões desbraves,  Cantas: Orfeu humanizando as feras, São Francisco de Assis pregando às aves . . . . . . . . . . . .  .  .  .  .   .   ....