há dois filmes marcantes, na linha da necessidade de superação,
quer seja ante a máquina ou diante de opressores de carne e osso. um é
"tempos modernos" (chaplin), 1936. outro, é "sindicato de
ladrões" (on the waterfront), 1954, com o impagável marlon brando em seu
melhor papel. a tradução, em português, ficou uma bomba, mas reina mesmo por
aqui mania de destruir os títulos originais
brando faz terry maloy, irmão de um alto escalão na máfia portuária, mas que,
desde o início da narrativa, se mostra sensível. câmera em movimento, apelo à
trilha sonora e belíssimo figurino, "sindicato..." tem a seu favor,
não só a boa mão do diretor elia kazan, mas a denúncia da época do macartismo. parte do filme se passa no alto de um prédio, local de criação de
pombos-correio, viveiro pertencente ao operário morto no início. simbólico o
momento em que, após denunciar seus opressores (ex-amigos da máfia
sindical), maloy (brando) volta ao prédio e vê os pombos que cuidara com
carinho esfacelados pelo viveiro. maloy cuidava deles e, pelo que se nota,
parecia querer compensar sua participação no assassinato de seu dono. no
meio da história, maloy comentara : "vidão levam esses pombos,
heim?... comer, dormir..." mas os pombos, presos, estavam condenados,
assim como ele, que era lutador de boxe e teve de perder lutas para que seu
irmão e outros gângsters ganhassem apostas.
imperdível e aula de interpretação, tanto de brando como do padre que, literalmente, se converte à causa da justiça social.
anos atrás, deixei uma tarefa para os alunos que tinha, na época, ensino médio: assistir ao filme "as horas" (stephen daldry), sobre a
escritora inglesa virginia woolf. em uma das questões pedia-se que respondessem
seguinte: qual chance de uma obra de arte mudar a vida de alguém. será mesmo que uma obra de arte, quer seja livro, filme,
música ou tela pode mudar os rumos de uma pessoa? então, cabe pergunta: por que se faz arte? entretenimento? terapia? fetiche? vingança?
olhem, acredito que exista arte para que estejamos em contato
com outra realidade. ver a vida, pelo menos, por outro viés. algo como recriar
as coisas, os tons, as cores. e mais: diversão e geração de emprego são dois valores de que
gosto, quando o tema é a arte. educação política também serve, mas não creio
que toda obra de arte deva ser como "vidas secas" (ramos) ou "os
miseráveis" (hugo), ou seja, um libelo contra a opressão e coisa e tal. há
chance também para a catarse, como na ópera "tristão e isolda" (wagner) ou mesmo ouvindo bossa nova.
"turning red" é o título original desta animação da disney. logo, "ficando vermelha" seria tradução mais razoável do que "crescer é uma fera", como se vê na versão em português. uma pena essa má escolha da tradução. o desenho não é sobre puberdade e crescimento, apenas. a personagem "mei" tem 13 anos, vive em toronto, canadá, é menina urbana, mimada pela mãe. de dentro dela, quando há emoções fortes, sai um panda vermelho. isso mesmo: o panda aparece quando ela está à beira do descontrole. a menina se transforma fisicamente no bicho. a questão conflitante é: fazer parte de um ritual ancestral -- via familares da garota -- e acabar com o panda que vive nela ou conviver com o animal dentro de si. "meu panda, minhas regras", diz a menina, numa certa altura do filme. não vou contar o que acontece, mas, assim como "luca" -- outra produção dsiney -- muitos de nós temos dificuldade em mostrar à sociedade quem realmente somos, assim como os nossos dilemas. mais do que filme sobre aceitação, "turning red" trata da necessidade de não escondermos nossos medos, nossas fraquezas. nunca.
dois astrônomos descobrem um cometa em rota de colisão com a terra. o planeta tem seis meses para desviar ou destruir a grande pedra que pode extinguir a vida no planeta.
eles -- os cientistas -- vão enfrentar o individualismo da geração que só se liga em redes sociais, desde pessoas comuns, na rua, até presidenta da república, para poder provar que é preciso fazer algo contra a extinção da vida. em vão. parte da população já se mostra descrente até da existência de um cometa, quanto mais da necessidade de detê-lo. e a lei das fake news cresce, tanto no filme, como na vida da gente...
apesar do argumento ser bem pertinente, há situações desnecessárias, como mostrar a figura da cientista dibiasky (j. lawrence) como uma descontrolada que grita quando está sob pressão. ao contrário, o astrônomo randall (dicaprio) é coerente, consegue ser articulado, sedutor etc etc. o velho machismo em ação. enfim.
confesso que as cenas após o letreiro dão um tom de filme "b" que nem sei se combina com as ideias anteriores.
mas a narrativa é necessária pois satiriza a imbecilidade de negacionistas (sim, os anti-vacina que põem em risco vida própria e alheia) e daqueles outros que dizem ser a terra plana.
a ciência é o único lugar por onde a vida pode ser respeitada.
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falando um tanto mais sobre ciência -- veja o vídeo
filme de fernando meirelles -- baseado no livro de paulo lins, "cidade de deus" (2002) --, é obra impactante também em função do modo como se
resolve contar a história, através de dois narradores: terceira pessoa e
o personagem buscapé.
a trama toda acontece entre as décadas de mil novencentos e sessenta até o final da
década de setenta e inícios da seguinte, num rio de janeiro do subúrbio. cidade de deus é complexo habitacional, no rio de janeiro, criado para abrigar
quem sofria com as enchentes, mas também resolvia, de modo cruel, a questão do
inchaço do grande centro.
buscapé e zé pequeno (dadinho) sempre se esbarraram em cidade de deus. ironicamente, um precisou do outro para maior reconhecimento
público, via fotografia. mais
triste que violento, filme usa de cenas com tomadas em plano infinito,
mostrando muitas pessoas, dando um caráter turbulento às cenas o que combina com a personalidade do perssonagem zé pequeno. com direção impecável, o filme
mostra a comunidade à mercê dos grupos rivais que ascendem ao poder, no local,
pela violência.
mané galinha (seu jorge) é um exemplo típico do determinismo social, uma vez que sai
de um trabalho e pula para vida de criminoso no tráfico, por ser vítima da
crueldade de zé pequeno, consequentemente, do tráfico. gosto
do filme porque não se presta a dividir o mundo entre "bem" e "mal",
bandido e mocinho ou propor uma nesga de esperança dentro do enredo, isolando
algum personagem mais simpático ou menos malvado. pelas personalidades dos personagens e suas origens sociais, filme de meirelles se aproxima de "bacurau" (dornelles/mendonça). em ambos existe a visão da exploração vertical da elite branca sobre pardos e pretos de subúrbio. a fotgrafia, inclusive, está presente em ambos: nas mãos e olhares de buscapé e, no caso de "bacurau", nas paredes do museu, no desfecho da trama.
o caráter documental da
história de "cidade de deus", além da movimentação de câmera e a violência dão o tom dinâmico ao filme que, parcialmente narrado por buscapé quase o deixa lírico, mas
sei que pode ser exagero.
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NOTAS - -
Recebeu 4
indicações ao Oscar, nas categorias: Melhor Diretor, Melhor Roteiro
Adaptado, Melhor Montagem e Melhor Fotografia. - Recebeu uma indicação ao Globo de Ouro, categoria de Melhor Filme
Estrangeiro.
- Ganhou o BAFTA
de Melhor Edição, além de ter sido indicado na categoria de Melhor Filme
Estrangeiro. - Recebeu uma
indicação ao Independent Spirit Awards, na categoria de Melhor Filme
Estrangeiro.
- Ganhou 9
prêmios no Festival de Havana, nas seguintes categorias: Melhor Filme, Melhor
Ator (dividido entre Matheus Nachtergaele, Seu Jorge, Alexandre Rodrigues,
Leandro Firmino da Hora, Philippe Haagensen, Johnathan Haagensen e Douglas
Silva), Prêmio da Universidade de Havana, Melhor Fotografia, Melhor Edição,
Prêmio FIPRESCI, Prêmio OCIC, Prêmio da Associação de Imprensa Cubana e Prêmio
Grand Coral. - Ganhou 6
prêmios no Grande Prêmio Cinema Brasil, nas categorias: Melhor Filme,
Melhor Diretor, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Montagem, Melhor Som e Melhor
Fotografia. Recebeu ainda outras 10 indicações, nas seguintes categorias: Melhor
Ator (Leandro Firmino da Hora), Melhor Atriz (Roberta Rodrigues), Melhor Ator
Coadjuvante (Douglas Silva e Jonathan Haagensen), Melhor Atriz Coadjuvante
(Alice Braga e Graziella Moretto), Melhor Figurino, Melhor Maquiagem, Melhor
Trilha Sonora e Melhor Direção de Arte.
- Grande parte do
elenco de Cidade de Deus foi escolhido entre garotos que vivem em
diversas comunidades e favelas do Rio de Janeiro e que não tinham tido até
aquele momento nenhum contato com a arte de atuar. Para fazer esta seleção
foram realizadas mais de 2000 entrevistas.
filme dirigido por kleber mendonça filho e juliano dornelles, bacurau (2019) é catarse premiada.
narrativa que reúne elementos de um brasil guerreiro com referências à guerra de canudos, lampião e trajetórias de resistência política ante à possibilidade de que o país se torne quintal de jogos de norte-americanos.
o museu de bacurau expõe um passado de luta e isso se faz chave para compreender o desfecho.
o que é o filme:
narrativa se passa no sertão de pernambuco, século 21.
bacurau é um vilarejo que precisa de água e ela vem com caminhão pipa de outra cidade.
o começo é impactante: caminhão pipa traz, além do motorista e da água, teresa, jovem liderança da região que volta à cidade para enterro da avó carmelita. nesse percurso, estrada precária, o caminhão chega a passar por cima de caixões, à beira da estrada. mais adiante, revela-se que um acidente com motociclista pode ter causado a tragédia e o tombamento da carga de um caminhão carregado de caixões.
bacurau é um pássaro, vive como corujas, à noite. mas tem a peculiaridade de ficar no chão, não em árvores.
a narrativa traz personagens brasileiros simples mas contundentes em suas posturas: prostitutas, cantador, homossexuais, negro, assassino, professor, crianças livres, donas de casa, dentre outros. todos se respeitam, convivem, sem preconceito.
a trama : candidato à reeleição, tony júnior se mostra hipocritamente acolhedor ante as necessidades do povo de bacurau. o vilarejo é espécie de distrito da cidade onde tony jr exerce prefeitura. ele é rechaçado pela população que se recolhe às casas deixando a cidade vazia quando o político passa. esta figura que -- de modo caricato -- tirou o vilarejo do mapa -- por vias tecnológicas -- representa boa parte da política corrupta nacional e permitiu que grupo de norte-americanos viesse para praticar a caça humana.
isolados, sendo atacados e mortos, povo de bacurau pede ajuda a lunga, um refugiado numa região de represa que, ao que indica a narrativa, teria entrado em conflito com o povo no passado recente. lunga aceita ajudar a cidade e, juntos, eliminam os estrangeiros. quase simples assim.
o museu mostra imagens antigas de um povo resistente, à época do cangaço.
a resistência parte do museu e da escola, repara nisso.
valem dois detalhes: a abertura do filme se dá com imagens do espaço, com um satélite cruzando a cena, da esquerda pra direita e o planeta, ao fundo, bem redondo, como manda o figurino. outro: um dos personagens produz, à base de planta, um alucinógeno que vai ser fundamental no combate aos fortemente armados estrangeiros que vêm á cidade pra praticar o jogo da caça respaldados pelo prefeito tony júnior. as cabeças dos estrangeiros são expostas na rua, numa citação explícita -- como vingança -- dos cangaceiros mortos e degolados pela polícia brasileira, século 20. o grupo de lampião e maria bonita foi assassinado.
repare que, ao chegar, teresa recebe uma dose em forma de comprimido, desse alucinógeno, com intuito -- talvez -- de permitir que ela suportasse a emoção de encontrar a avó falecida. no enterro, o ponto de vista de teresa prevalece e nota-se que ela tem a visão de uma água limpa saindo do caixão da avó.
uma das canções da trilha é "réquiem para matraga", geraldo vandré.
vem bem a calhar nos momentos de vestibular! guimarães rosa e seu "a hora e a vez de augusto matraga".
uma homenagem ao país com certeza. homenagem à diversidade e necessidade de união contra venda do país, um soco no estômago do bolsonarismo. me lembrei da "bíblia véia e pistola automática" da música "gênesis", racionais, em "sobrevivendo no inferno".
vi "glass" [ vidro ] - s. jackson - b. willis - mc avoy
é parte de uma trilogia que contém "fragmentado" e "corpo fechado", do mesmo diretor m. shyamalan
vale dizer que para uma atividade interdisciplinar, nível ensino médio em diante, é possível ver apenas este.
personagem kevin possui múltiplas personalidades e crê ser um super-herói.
assim como david -- que não tem as múltiplas personalidades -- mas também imagina ser mais que humano, uma vez que foi único sobrevivente de um acidente de trem
internado há tempos, em um hospício, está elijah -- mr. glass -- que é astuto e possui segredos dos outros dois ... ele irá manipulá-los. vale a pena pedir aos alunos que assistam. colher deles as opiniões a respeito de cada personagem.
questionar o grupo a respeito de uma definição, um conceito de herói. fazer paralelos com outros filmes ou quadrinhos com mesmo tema qual poder é possível desenvolver? músculos? argumentação? culinária? pesca?
o que sabemos sobre o que conseguimos fazer fora do que é considerado normal?
- o que sabemos fazer de diferente que não prejudique o próximo [ nem o distante ] - sugerir ao grupo que criem um super-herói inédito [ou heroína ou trans ou...] - uma figura que tenha poderes e que use ou não disfarces, uniformes...
depois, esperar o resultado com ansiedade
eles -- os alunos -- podem gravar pequeno vídeo com essa figura
tornar material público, procurar interagir com outras comunidades que viram o filme etc etc...
nunca uma imagem falou tanto. imagine um zilhão de imagens? "o mingau de fabiano" -- baseado na história de "vidas secas" -- é fruto de anos e anos e anos e anos de trabalho intenso, motivado pelo amor à arte. é o filme do ano. da década ... não perca. veja agora! e sua vida não mais será a lesma. a mesma.