nasceu em são joão da barra, rio de janeiro e faleceu na cidade do rio de janeiro
"nebulosas": poesias românticas com algum teor crítico. isso a aproxima do que fez castro alves, na mesma época, ou seja, na segunda metade do século 19. o livro de narcisa é de 1872.
o livro apresenta três partes: a primeira com um poema apenas, "nebulosas"; a segunda com 27 poemas e a terceira, 16 poemas. o texto que abre esta última parte é justamente "castro alves".
no geral, o que chama atenção do leitor, hoje, é o excesso de termos raros, uma escolha lexical que pode cansar o leitor apressado, dificultando a interpretação, num primeiro momento. é preciso estar sempre próximo a um dicionário.
no conjunto, a obra "nebulosas" é de lirismo denso, místico, lavado de cristianismo e melancolias. a natureza é constantemente citada como cúmplice das emoções, em muitos poemas. o livro "nebulosas" também traz atmosfera contemplativa e, muitas vezes, mora aí o elemento divino. recheado de adjetivos, é puro romantismo.
o aprimoramento técnico no trabalho com a linguagem chama atenção justamente num universo em que o feminino pouco transitava: o mundo erudito (e masculino) das letras, século 19.
veja o poema "nebulosas" que abre o livro:
NEBULOSAS
No seio majestoso do infinito,
– Alvos cisnes do mar da imensidade –
Flutuam tênues sombras fugitivas
Que a multidão supõe densas caligens,
E a ciência reduz a grupos válidos;
Vejo-as surgir à noite, entre os planetas,
Como visões gentis à flux dos sonhos;
E as esferas que curvam-se trementes
Sobre elas desfolhando flores d'ouro,
Roubam-me instantes ao sofrer recôndito!
Costumei-me a sondar-lhe os mistérios
Desde que um dia a flâmula da ideia
Livre, ao sopro do gênio, abriu-me o templo
Em que fulgura a inspiração em ondas;
A seguir-lhes no espaço as longas clâmides
Orladas de incendidos meteoros;
E quando da procela o tredo arcanjo
Desdobra n'amplidão as negras asas,
Meu ser pelo teísmo desvairado
Da loucura debruça-se no pélago
Sim! São elas a mais gentil feitura
Que das mãos do Senhor há resvalado!
Sim! De seus seios na dourada urna,
A piedosa lágrima dos anjos,
Ligeira se converte em astro esplêndido!
No momento em que o mártir do calvário
A cabeça pendeu no infamo lenho,
A voz do Criador, em santo arrojo,
No macio frouxel de seus fulgores
Ao céu arrebatou-Ihe o calmo espírito!
Quando desci mais tarde, deslumbrada
De tanta luz e inspiração, ao vale
Que pelo espaço abandonei sorrindo
E senti calcinar-me as débeis plantas
Do deserto as areias ardentíssimas:
Ao fugir das cendais que estende a noite
Sobre o leito da terra adormecida,
Fitei chorando a aurora que surgia!
E - ave de amor - a solidão dos ermos
Povoei de gorjeios melancólicos!..
Assim nasceram os meus tristes versos,
Que do mundo falaz fogem às pompas!
Não dormem eles sob os áureos tetos
Das térreas potestades, que falecem
De morbidez nos flácidos triclínios!
Cortando as brumas glaciais do inverno
Adejam nas estâncias consteladas
Onde elas pairam; e à luz da liberdade
Devassando os mistérios do infinito,
Vão no sólio de Deus rolar exânimes...
notas_
frouxel – qualidade daquilo que é macio; penugem macia
flux - abundamente; não deixar escapar nada
infamo – difamado; desonrado
procela - tempestade
tredo - falso; traidor
pélago – espécie de abismo oceânico
triclínio - roma antiga: sala de jantar com três leitos (similares a sofás) - eram símbolo de luxo e ociosidade
cendais - tecidos finos e transparentes
clâmide – manto, na grécia antiga, que se prendia com um broche
exânime - quase morto; moribundo
sólio - acento elevado típico de uso real
. . . . . . . . . .
poema "nebulosas" apresenta o eu lírico em dois momentos distintos: no início, a comparação do céu estrelado com "alvos cisnes do mar da imensidade" traz sensações de leveza e beleza etérea. a imagem dos cisnes sugere movimento gracioso e harmonia. num outro momento, embebida nas reflexões e no êxtase de encantamento, cita a morte de cristo e começa a fazer ponderações sombrias sobre a vida.
o poema é uma espécie de justificativa aos demais do livro. "nebulsosas" é o primeiro poema.
no desfecho do poema"nebulosas," o sentimento de leveza e pureza dá lugar a uma visão um pouco mais pesada e melancólica da existência. de modo metalinguístico, o eu lírico confessa que então os versos ficaram tristes.
a presença dos triclínios faz contraste com a imensidão divina das nebulosas, ou seja, a pequenez da vida humana e seus luxos não alcançam a beleza e a energia das nebulosas. as linhas finais, como "cortando as brumas glaciais do inverno" e "vão no sólio de deus rolar exânimes" mostram que a busca por compreensão e inspiração se esgota, resultando em resignação. a leveza do início transforma-se em um peso existencial, revelando que a pureza não resistiu às profundezas reflexivas do eu lírico. as nebulosas são símbolo de beleza e mistério, aqui. o caráter divino (cristão) é presente no poema, assim como em praticamente todo o livro. a visão final é de uma conexão com o divino, mas marcada por sacrifício e dor, ao invés da pureza intocada que aparece no começo.
- "floresta" faz referência ao sítio onde nasceu (rio g do norte)
- "augusta" é o nome do marido falecido, "augusto"
filha do português dionísio pinto lisboa e da brasileira antônia clara freire, dionísia nasceu no rio grande do norte, em 1810. morreu na frança, em 1885.
no início de "opúsculo humanitário", nísia expõe o modo como mulheres foram tratadas em épocas distantes, como na grécia, pérsia e egito, por exemplo, antes de cristo. passa pelos pensamentos de platão, sócrates, cita dario, safo, perictione (mãe de platão), aspasia, indo à idade média, chegando até -- mais recente --, a cornelia bororquia.
vale explicação: "cornelia bororquia" é nome de um livro anticlerical, do final do século 18, com subtítulo: "a verdadeira história da judith espanhola". o livro é de luiz gutierrez, um ex frade
entre os capítulos 1 e 7, apenas alemanha é citada de modo positivo, no que diz respeito ao modo como educam mulheres, vejam:
"Os alemães (...) concederam à mulher privilégios reais, baseados
na educação sólida desse povo por demais profundo e morigerado,
para compreender toda a importância da mãe de famílias, da matrona esclarecida edificando os filhos e o sexo com exemplos de uma
sã moral, (...) O legislador alemão, quando estabeleceu no casamento a igualdade entre os sexos, compreendeu, melhor que nenhum outro, a sabedoria do Eterno, doando ao homem e à mulher a mesma inteligência." (cap 6)
ao tratar de sociedades como as citadas (grécia, alemanha etc), o "opúsculo" de nísia se esmera em citar figuras acadêmicas importantes destas sociedades, a maioria homens. com o reino unido não é diferente. shakespeare, bacon, raleigh e outros fazem fila no discurso de nísia ilustrando a visão laudatória da escritora sobre os ingleses. estamos no capítulo 8. vejam:
"O povo inglês (...) não podia deixar de facultar à mulher a liberdade e os meios do segui-lo nos progressos da civilização moderna. (...) Assim também, compreendendo melhor que as suas ilustradas
vizinhas do continente a importância dos sagrados deveres de esposa
e de mãe, a mulher inglesa não vê, como geralmente aquelas, no casamento um estado que as liberta do jugo de solteira, e lhes permite
uma liberdade, de que nem sempre fazem bom uso. Pelo contrário, é
neste novo estado que começa para ela a prática de todas as virtudes
da vida doméstica. Pode dizer-se que o primeiro dever maternal e
inato à mulher inglesa, a quem, a civilização nada tendo feito perder
do sentimento que o ordena, não foi necessário um "Emilio" de Rousseau para indicar-lho. (...)A mulher Inglesa, educada nos severos princípios de uma sã e
esclarecida moral, dá provas desde sua mais tenra mocidade de uma
discrição e modesta altivez, que as mulheres das outras nações não
lhe podem disputar." (cap 8)
nísia compara inglesas e francesas e detona a terra de rousseau. venera o modo de vida das mulheres britânicas. vejam a ironia com as francesas: "ilustradas vizinhas" e "liberdade de que nem sempre fazem bom uso". vale notar que o livro de rousseau trata da educação e a visão aí é iluminista. parece que nísia não se liga muito às liberdades expostas nos tempos após a revolução francesa. e mais: o final do século 18, a frança expôs uma necessidade de separar igreja de estado. como se vê, a fé católica de nossa escritora faz com que essa história toda de "libertè", "igualitè" e afins seja inferior à vida na terra de darwin.
os capítulos 11 e 12, por sua vez, admitem que a figura feminina tem seu destaque:
"Se a severidade de uma página da legislação francesa exclui a mulher da supremacia de que gozam as mulheres das duas nações de que
falamos ultimamente, o império do espírito, em cujo trono ela se assenta como absoluta soberana, prodigamente a indeniza dessa parcialidade, depondo em suas mãos (...) os destinos dessa bela nação. (...) as virtuosas
Maintenon, Antoinette e Adelaide, esclarecida conselheira de Luiz
Philippe, tem dirigido, mais que os reis, o governo da França.(...) a
mulher francesa não se limitou somente aos exemplos da coragem,
que deu a Joanna d’Arc a glória de libertar a pátria do poder dos ingleses, (...)
ao final do cap 13, a citação de michelet (1798-1874), sem contextualizar:
“Etre aimée, enfanter, puis enfanter moralement, élever
l’homme, (ce temps barbare ne l’entend pas bien encore); voilá
l’affaire de la femme"
tradução: Ser amada, dar à luz, depois dar à luz moralmente, elevar o homem (este tempo bárbaro não o
entende bem ainda); eis o papel da mulher.]
ou seja, procriar e ser submissa à figura masculina.
a seguir, nísia trata da américa:
"Passemos à América, essa poderosa rainha que se apresenta por
último no palco da civilização, grandiosamente ataviada de todos os
ricos dons da natureza e pulsando-lhe no peito um coração superabundante de nobres e virginais sentimentos."
repara que nosso continente é tratado rigorosamente na visão eurocêntrica: só se considera que existe américa após chegada das gentes europeias. triste isso. mas segue:
"Todos sabem que quanto mais ociosa é uma nação, tanto maior
é o espírito de galanteio que a domina: os importantes trabalhos que
ocupam os americanos do norte não lhes deixam tempo para a polidez dos franceses."
mais uma pancada nos franceses. e o que seria uma nação "ociosa" ?...
resposta: aquela que não foi invadida, colonizada por europeus... claro está que, indiretamente, o conceito de civilização mora na essência do viver europeu e nada resta aos nativos desta américa, a não ser obedecer e aceitar novos costumes e leis. desanimador.
segue:
"Esperamos somente que os
zelosos operários do grande edifício da civilização, em nossa terra,
atentem para os exemplos que a história apresenta, do quanto é essencial aos povos (...) o associarem a mulher a esse importante trabalho. (...) Entretanto sigamos o exemplo do pobre e corajoso explorador de nossas virgens florestas, exposto aqui e ali à mordedura de
venenosos répteis, para rotear um campo, que outros terão de semear
e colher-lhes os saborosos frutos....(cap 18)
gente! a construção de uma sociedade boa, na concepção de nísia, é a de que a floresta é pra ser explorada mesmo. ponto. azar de quem vivia dela, desde as pinturas rupestres, cerca de 50 (cinquenta) mil anos atrás. olhem, difícil crer que -- neste livro -- nísia floresta estabeleça necessidade de respeito com nativos anteriores à chegada de europeus, sinto muito.
agora preparem-se para este trecho que cita família indígenas:
"Isto posto, indaguemos, à vista do estado atual da educação das
nossas brasileiras, quais os meios que se têm empregado, há mais
de três séculos, para promover o seu desenvolvimento, em ordem a
conseguir os resultados felizes que dela se deve esperar, quando dirigida por instituições sábias e liberais."
pausa: brasileiras existem há três séculos?? é isso?? sim, é o que está escrito, ou seja, contando no dedo pra ficar claro: séculos 16, 17, 18 e pedacinho do 19. e os 40 mil anos anteriores com famílias indígenas e suas histórias? nísia não considera importante. triste né? segue:
"Retiremos por agora os olhos das tristes páginas de nossa história concernentes à situação da mulher indígena, depois que o farol
do cristianismo veio esclarecer esta mais deliciosa porção do novo
mundo. Nós a analisaremos em lugar competente e com o coração
profundamente compenetrado da sua sorte!
Tratemos primeiramente das mulheres a quem os homens da
civilização, entre nós, denominam brasileiras, isto é, as mulheres não
indígenas, que nascem de famílias livres, ou aquelas que a bondade
dos pais resgata, na pia batismal, do triste selo da escravidão!"
por "esclarecer", entende-se a violação de cultura e imposição do cristianismo e o que mais se sabe que veio junto. aqui, civilidade significa a vida dos brancos europeus, ponto. existe sim a ressalva da escravização, mas repara novamente: a negritude escravizada será salva depois de se converter ao cristianismo, na "pia batismal". ou seja, nada de respeitar as tradições afro. esquece.
mais sobre a mulher indígena, no brasil:
"Quereis ver a esposa terna, previdente, dedicada e fiel? Contemplai a célebre Paraguassú captando para o esposo as simpatias e os
favores da sua tribo, ajudando-o em sua missão civilizadora, e civilizando-se ela mesma para amenizar-lhe os dias, privado como se achava
ele das comodidades europeias. Circunspecta e fiel aos seus deveres,
quando passou a França e apresentou-se na corte de Caterina de Médicis, (...) ela atraiu a
admiração de todos, por seu tipo americano, suas graças ingênuas e sua
dedicada afeição pelo esposo, com quem voltou à Bahia, no mútuo e
constante empenho de utilizar aquela nascente colônia. Quereis admirar o amor em toda a sua espontaneidade e na
grandeza da abnegação pessoal? Vede Moema; a sensível e infeliz
Moema, lançando-se ao mar, seguindo a nado o navio que lhe levava
o homem por quem só prezava a existência e por quem queria morrer não podendo com ele viver! ..." (cap 59)
socorro. todos conhecem a história de paraguaçu (assim, com cedilha, como manda o figurino) e do navegante português diogo álvares correa (apelidado "caramuru"). o caso amoroso entre ambos se dá no século 16, bahia. ela é tupinambá. foi rebatizada "catarina álvares paraguaçu". moema seria sua rival, digamos. se bem que no caso de moema, há quem afirme que ela é ficção, que só existe no livro de durão. aconselho você que me lê a ir em "meus livros", aqui acima. clica em "letra líquida". lá, trato dessa questão de moema e o que o sentimento amoroso pode fazer com alguém.
no capítulo 21, contudo, há espaço para ilustração de uma situação prejudicial à vida das mulheres no mundo acadêmico, que é de uma portuguesa, no século 16:
"Citaremos Públia Hortênsia de Castro (1848-95), que, sob os trajes masculinos, frequentou com seu irmão a Universidade de Coimbra, onde obteve os grandes conhecimentos, que excitaram a admiração dos homens de sua época, inclusive Filipe II.
vejam o início do capítulo 50:
"Boas mães e esposas fiéis, eis aqui duas qualidades preciosas
comuns às nossas indígenas, dois vínculos santos que ligam e enobrecem a família, vínculos que sabem, no estado selvagem, respeitar apresentando exemplos que bem merecem ser considerados pelas
mulheres civilizadas de todos os países."
os elogios à mulher indígena são inerentes à sua postura submissa, não só a um homem, mas a uma cultura que não era a dela. parece que o sonho de toda figura humana -- segundo a escrita de nísia -- é viver como europeus.
já o capítulo 60 traz alguma luz da coerência social:
"Quando, por sábio decreto de um rei justo e humano, a revoltante escravidão dos nossos indígenas foi abolida, e a introdução dos
infelizes africanos veio substituir o vergonhoso tráfico, que em todo
o Brasil se fazia com aqueles, julgou-se conveniente procurar exterminar os que acabavam de libertar-se, de direito que não de fato,
porquanto a perseguição continuou debaixo de outro caráter; e ainda
em nossos dias, com horror o sabemos! Caçam-se os selvagens em
suas matas como animais ferozes, para apreendê-los e arrancar-lhes
as mulheres e filhos, que se retêm e fazem servir como escravos... em
muitas roças e casas do interior das províncias!"
parece contraditório -- e é -- pregar contra a escrvização de indígenas, ao mesmo tempo que se acredita apenas no catolicismo como um bem para essa gente... agora, no capítulo 61, lemos:
"Do pouco que havemos expandido relativamente às qualidades
naturais da mulher indígena, queremos concluir que ela é digna de
ocupar outra posição em nossa terra; e que o desprezo, com que foi
sempre, e continua a ser olhada a sua raça pelas nossas outras populações, é um abuso antinacional, anticristão, que os nossos governantes
e o nosso clero devem fazer desaparecer, empregando, por bem da
pátria e da igreja, meios mais próprios e seguros para consegui-lo. A
humanidade e a civilização reclamam imperiosamente deles convenientes medidas para arrancar essa pura, digna porção do povo brasileiro à vida em que vegeta, e torná-la útil como incontestavelmente
pode ser a uma e a outra."
pois é... indígenas "vegetam"; indígenas devem ser arrancados de onde estão para o bem da pátria.. deveriam ser "úteis". ahã.
o capítulo 62 é o último e termina assim, com um pedido aos governantes do brasil:
"Não vos diz a consciência que a mulher nascida nesta vigorosa
terra superabundante de magnificências naturais, respirando sob um
céu radiante, no meio da poesia de tão admirável natureza, não se
pode limitar ao papel que tem até hoje representado?
Não sentis que a sua missão nesta parte da América civilizada (...) não deve ser a de recolher
factícios triunfos tributados à matéria, quando o seu espírito pode e
deve pretender a elevar-se a mais dignas e nobres aspirações promovendo na terra o bem do seu semelhante? À providência, colocando-vos tão vantajosamente, pareceu chamar-vos a comandar um dia os destinos de toda a América do Sul,
assim como aos filhos da União os de toda a América do Norte.
Eia! Se, com mais rico solo do que o dos Estados Unidos, faltou-vos a mola principal – a educação, para a par deles marchardes,
preparai-vos ao menos a satisfazer dignamente a parte essencial da
grande missão que vos fora destinada.
Educai para isto a mulher, e com ela marchai avante na imensa
via do progresso, à glória que leva o renome dos povos à mais remota
posteridade!"
Ah, essas cordas de
aço Este minúsculo braço Do violão que os dedos meus acariciam Ah, este bojo perfeito Que trago junto ao meu peito Só você violão Compreende porque perdi toda alegria E no entanto meu pinho Pode crer, eu adivinho Aquela mulher Até hoje está nos esperando Solte o teu som da madeira Eu você e a companheira Na madrugada iremos pra casa Cantando
muito comum, no século 20, referir-se ao corpo das mulheres como "violão", por conta de sua forma ondulada, lembrando a cintura de uma figura feminina. o texto de "cordas de aço" traz a relação de um músico e seu violão. o instrumento pegado ao peito indica intimidade e cumplicidade. o poeta está sem "aquela mulher" (verso 10). num determinado momento se lê: "perdi toda a alegria". restou a ele, poeta, a companhia do instrumento que expressa emoção. contudo, ela deve estar esperando e, assim que o violão soltar seu som, ela irá juntar-se aos dois. repare que a expressão "cordas de aço" também pode fazer referência à prisão; àquilo que prende; uma ligação muito forte: o amor. mais do que isso, pode também ser a ligação com o samba que, além de acalmar sofrimento, o aproxima da mulher amada.
cartola: agenor de oliveira, nascido no rio de janeiro, 1908. falecido na mesma cidade, 1980. o apelido "cartola" veio dos tempos em que trabalhou como pedreiro e, para proteger-se, usava chapéu.
arrisco dizer que emília (boneca de pano de saco) era
mais famosa que iracema, bem mais famosa que capitu ou qualquer outra, desde carmen miranda, rita lee, gisele, elza ou anitta... na literatura brasileira, lindoia ("uraguay") e marília (aquela mesma, de ouro preto) despontam como musas, mulheres feitas para adoração, contemplação... mas a vida melhora
com rita baiana (do "cortiço"), depois capitu e a recosturada emília
é cereja no bolo da desfaçatez e diversão. uma cria de "frankenstein"
-- à moda tupiniquim --, a boneca tem como trunfo a pílula falante. podia ter a
calante, mas isso é outra história. há mais mulheres na minha estante, vejo daqui... luísa (primo basílio) -- que
é sem sal, mas deixa a gente curioso; ci ("macunaíma"), helena ("três mulheres..."), paulo emílio); rami ("niketche"); farida ("terra sonâmbula") ou mesmo aquela de "a maçã no escuro"
(clarice). onde quero chegar ? não sei. mulher é mistério.
hoje foi meu primeiro dia, na sala do curso pré-vestibular. teria sido semana passada, mas foi feriado.
é o início do curso de literatura. revisão de tudo, foco nos vestibulares do fim do ano. nada de novo aí. mas calhou de ser no dia 8 de março a aula. então, abri minha caixa de ferramentas, peguei uma das mais pesadas -- o aborto -- e fui com ela pra sala. mostrei poemas de camões, drummond, até bilac. tirinha do calvin também foi. caminho parecia seguro mesmo.
quando mostrei a letra da iza, "dona de mim", já senti que seria um dia bom. a letra é de resistência, é de protesto e bem combina com esse momento em que a violência contra mulheres continua. foi ótimo ler os versos da cantora e compositora. "eu que fiquei quieta, agora vou falar" (iza).
em seguida, coloquei uns títulos na tela que envolvem a questão da violência contra mulher. primeiro: "semana de arte moderna 1922" -- que remete à exposição de anita malfatti, cinco anos antes e a crítica feroz do lobato. crítica que não seria a mesma se fosse a um homem. etc... etc.. . segundo: "angústia", do graciliano (1936). lá o tema "aborto" é escancarado. num brasil patriarcal movido a fundamentalismo pseudo-religioso, só pode dar nisso: aborto, aqui, é proibido. vai vendo. é proibido porque a masculinidade tóxica e retrô decide sobre o corpo da mulher. e, na aula, disse que o corpo da mulher é da mulher mesmo. a decisão é dela. insisti com os estudantes para que me dissessem o que pensavam do que eu estava mostrando, falando. olhem, fui acolhido, principalmente pelas mulheres, ali. algumas agradeceram por ser uma figura masculina a tocar no assunto tão delicado e do onde muitos outros homens fogem. eu quero poder fazer alguma coisa. dar voz, pelo menos. levantar o assunto, na sala de aula. fiquei comovido, cara de palerma, ainda bem que tava de máscara. mas continuo comovido. e você, professor, professora... até quando vai se calar?
parece assustador. e é.
várias considerações. seu nome é sophia. tudo a ver. sugestivo. entre o clichê e o shakesperiano.
o robô foi desenhado e construído com um perfil feminino... estereótipo da brancura do hemisfério norte, recebeu cidadania saudita e, como se esperava, a chiadeira aconteceu porque parece que a máquina terá mais direitos que as humanas de verdade.
em portugal, sophia concedeu entrevista. ou seria melhor dizer... seus programadores concederam? sophia existe? seria ela apenas o aparelho pelo qual falam seus programadores...?
que fase da humanidade.
divertido é, no fim.
passados tantos anos da publicação do livro... hoje, só hoje, foi possível mostrar aos leitores e amantes de histórias esquisitas de onde veio a trama de josé de alencar... veja!
iracema é o livro mais famoso de josé de alencar, mesmo com carlos gomes gesticulando, não adianta: nem "guarany", nem "senhora", muito menos "lucíola" chegam aos pés do alcance desse romancete aventureiro, adocicado e triste. romantismo na medida exata do exagero, "iracema" irrita até o leitor mais experiente. frases pretensamente poéticas, comparações em excesso, sensualismo que resvala no artificial... ah, sei lá...
clarissa lima, carioca, professora, negra. seu livro "cor de pele" é leitura fundamental para quem se interessa pela educação, pela cultura racial e quer mais debate positivo a respeito da negritude, hoje, nas escolas. estive com ela, maio de 2016, no rio de janeiro. li seu livro, entrevistei autora. imperdível. não vou me esquecer.
ser contra a cultura do estupro não significa querer violência contra estupradores... sempre há os que não estudam e saem pedindo castração química desse tipo de gente. não. não vai adiantar. não se combate violência com outra, não resolve. estuprar e sinônimo de inibir, violentar e impor a dominação de "a" sobre "b". é básico defender o respeito, sempre, desde o berço. é básico indignar-se, nunca fazer piada sobre isso porque, no limite, nunca é piada. é crime.