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quinta-feira, 20 de abril de 2023

plena nudez - raimundo correia - comentário

   

                            
                                   [ Vênus Calipígia, séc IV a.C. aprox ]

        PLENA NUDEZ

   Eu amo os gregos tipos de escultura:
   Pagãs nuas no mármore entalhadas;
   Não essas produções que a estufa escura
   Das modas cria, tortas e enfezadas.

   Quero um pleno esplendor, viço e frescura
   Os corpos nus; as linhas onduladas
   Livres: de carne exuberante e pura
   Todas as saliências destacadas...

   Não quero, a Vênus opulenta e bela
   De luxuriantes formas, entrevê-la
   De transparente túnica através:

   Quero vê-la, sem pejo, sem receios,
   Os braços nus, o dorso nu, os seios
   Nus... toda nua, da cabeça aos pés!

       Sinfonias, Raimundo Correia [1859-1911]

soneto à moda parnasiana. segunda metade do século 19. a ideia era combater o já desgastado romantismo, utilizando de vocabulário raro, estrutura rígida na metrificação dos versos e apelo racional, ou seja, pouca -- ou nenhuma -- emotividade. não deu certo. o estilo se mostrou sem sabor, quase nada de ambiguidade, ficou sem defesa.
enfim, aqui, o poeta diz que não quer modelo de beleza enfezado; não quer modelo de beleza saído de "estufa escura", ou seja, daquele romantismo temperado de byronismo -- que era fraquíssimo, no brasil, mas, juro, bem melhor que parnasianos. e o poeta (eu lírico) continua vociferando contra o romantismo, citando a existência de uma possível vênus sem luxúria, sem receios... convenhamos, se é vênus, tem desejo, não é?
interessante é pensar de qual "receio" trata o poeta quando se refere a uma deusa do amor... "quero vê-la sem receio"... por quê?
ao citar a arte grega, busca-se vangloriar um estilo que lidava com mais liberdade a nudez, coisa que o universo do século 19 tratou de cobrir de culpas e, num viés cristão, condenar a nudez a um recanto escuro e vergonhoso.

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segunda-feira, 11 de abril de 2022

as árvores - olavo bilac - soneto comentado

 


   AS ÁRVORES

  Na celagem vermelha, que se banha
  Da rutilante imolação do dia,
  As árvores, ao longe, na montanha,
  Retorcem-se espectrais à ventania. 

  Árvores negras, que visão estranha
  Vos aterra? que horror vos arrepia?
  Que pesadelo os troncos vos assanha,
  Descabelando a vossa ramaria? 

  Tendes alma também... Amais o seio
  Da terra; mas sonhais, como sonhamos,
  Bracejais, como nós, no mesmo anseio... 

  Infelizes, no píncaro do monte,
  (Ah! não ter asas!...) estendeis os ramos
  À esperança e ao mistério do horizonte...

    [ Olavo Bilac - Tarde, 1919 ]

    notas
  celagem - aspecto do céu ao fim do dia ou no começo
  espectrais - fantasmagóricas
  bracejais - mexer, agitar galhos

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soneto do livro "tarde", traz descrição de um dia de ventania no crepúsculo. os galhos se mexendo lembrariam pessoas querendo se libertar de uma prisão, sair do chão. 
longe de ser filosófico, o livro de bilac, vez ou outra, mostra lampejos de  reflexão, como aqui: a contradição latente, numa árvore (querer voar), seria similar ao que ocorre com o ser humano, ou seja, vivendo preso à terra, sonha ter asas. tanto humanos como árvores, sabidamente, não voam, mas sofrem, querendo mais aventura e liberdade.
fica a pergunta: para mais liberdade é preciso mesmo asas?
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terça-feira, 6 de julho de 2021

a iara - olavo bilac - soneto comentado

                                                    

     A  I A R A     [ Olavo Bilac ]

 Vive dentro de mim, como num rio, 
 Uma linda mulher, esquiva e rara, 
 Num borbulhar de argênteos flocos, Iara 
 De cabeleira de ouro e corpo frio. 
 Entre as ninfeias a namoro e espio:
 E ela, do espelho móbil da onda clara,
 Com os verdes olhos úmidos me encara,
 E oferece-me o seio alvo e macio. 
 Precipito-me, no ímpeto de esposo, 
 Na desesperação da glória suma, 
 Para a estreitar, louco de orgulho e gozo... 
 Mas nos meus braços a ilusão se esfuma:
 E a mãe-d’água, exalando um ai piedoso,
 Desfaz-se em mortas pérolas de espuma.

        [ in: Tarde, 1919 ]

notas - -
- iara: ser mitológico metade peixe, metade mulher, com feições indígenas é também conhecida no folclore brasileiro como mãe-d'água e, segundo lenda, atrai homens para o fundo do rio... quem consegue espcapar acaba ficando louco

- ninfeia: espécie de planta aquática

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- poeta, feito um narciso tupiniquim, vê na água o reflexo da deusa iara... na verdade, pode estar olhando para si mesmo, como se vê no verso 1

- ela parece oferecer seu corpo a ele
- ou eu lírico precipita-se então para agarrá-la com "ímpetos de esposo", ou seja, desejo sexual.
- iara o engana, deixando o poeta apenas molhado das águas do rio 

- cheia de ironia -- talvez pena -- a mãe d´água solta um "ai", no final

- texto metrificado, segundo a lógica do parnasianismo: verso decassílabo
- há indício de loucura no poeta, logo no verso 1, quando afirma que a deusa do rio vive dentro de si, ou seja, o que ele vê, na água, seria seu próprio reflexo
- na verdade, versão tradicional do mito indígena é esquecida: iara, aqui no texto, é loira (cabelos "de ouro") -- poeta deve estar maluco mesmo...

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saiba mais sobre o poetastro :



domingo, 6 de junho de 2021

diziam que - olavo bilac - tarde

 

Diziam que, entre as nações sobreditas, moravam algumas monstruosas. Uma é de anãos, de estatura tão pequena, que parecem afronta dos homens chamados Goiasis. Outra é de casta de gente, que nasce com os pés às avessas, de maneira que quem houver de seguir seu caminho Há de andar ao revés do que vão mostrando as pisadas; chamam-se Matuiús. Outra é de homens gigantes, de dezesseis palmos de alto, adornados de pedaços de ouro por beiços e narizes, e aos quais todos os outros pagam respeito; têm por nome Curinqueãs. Finalmente que há outra nação de mulheres, também monstruosas no modo do viver (são as que hoje chamamos Amazonas, e de que tomou o nome o rio) porque são guerreiras, que vivem por si só sem comércio de homens; vivem entre grandes montanhas; são mulheres de valor conhecido... 

 Pe. Simão de Vasconcelos (Crônica da Cia. de Jesus no Est. do Brasil 1663)
        -- in: TARDE -- Olavo Bilac 1919

a partir deste ralato do padre simão (século 17) -- publicado em "tarde" --, bilac irá desenvolver cinco sonetos: "os monstros", "os matuiús", "os goiásis", "os curinqueãs" e "as amazonas". poemas descritivos sobre seres folclóricos, na tradição indígena brasileira e também o mito das amazonas que remonta a grécia antiga. aqui, as figuras americanas mostradas como seres a se evitar, malignas. pura visão ainda europeia das comunidades do brasil indígena. faziam então espécie de propganda negativa autorizando pessoas a considerar ruins essas comunidades nativas. somente em "as amazonas", último soneto da série "diziam que...", nota-se algum respeito pelo mito feminino. 
bilac não hesita em recuperar, via texto do século 17, uma visão superada da cultura indíegena, o que torna esses poemas, em pleno século 20, puro preconceito... mas é ficção, dirão alguns. mas é bilac, direi eu.

o relato do padre lembra diários de viagem dos séculos 15 e 16, quando navegantes tomados por excesso de misticismo ou bebida acreditavam em monstros marítimos, terrestres que atacariam pessoas, feito sereias ou o gigante adamastor, lá em "os lusíadas".

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segunda-feira, 27 de julho de 2020

morte de orfeu - olavo bilac


A MORTE DE ORFEU


Houve gemidos no Ebro e no arvoredo,
Horror nas feras, pranto no rochedo;
E fugiram as Mênadas, de medo,
Espantadas da própria maldição.

Luz da Grécia, pontífice de Apolo,
Orfeu, despedaçada a lira ao colo,
A carne rota ensanguentando o solo,
Tombou... E abriu-se em músicas o chão...

A boca ansiosa um nome disse, um grito,
Rolando em beijos pelo nome dito:
“Eurídice”, e expirou... Assim Orfeu,

No último canto, no supremo brado,
Pelo ódio das mulheres trucidado,
Chorando o amor de uma mulher, morreu...

                                                                  [ TARDE - O Bilac ]
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orfeu - mito ligado à música: buscou recuperar sua amada morta – eurídice – no hadesmundo dos mortos  - - não consegue!

recusando-se a amar qualquer outra mulher, orfeu é morto pelas mênadas (bacantes) - - é enterrado às margens do rio ebro

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soneto erudito, estilo parnasiano : forma fixa, vocabulário raro

está contido no livro "tarde", 1918

descrição espalhafatosa da agonia e morte do mito orfeu


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QUESTÕES PARA ANIMAR SUA AULA:

- por que orfeu era importante, na mitologia?

- a arte de orfeu é necessária, ainda hoje, de que maneira?

- por que o mito músico não conseguiu sucesso na busca de eurídice?

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os poemas de bilac, em sua maioria, não são feitos para provocar reflexões

o tema clássico dá um caráter supostamente altivo ao texto e, consequentemente, a seu autor. é pouco

saiba mais:


sexta-feira, 24 de julho de 2020

terça-feira, 21 de março de 2017

este poema de amor não é lamento - jorge de lima






Este poema de amor não é lamento
nem tristeza distante, nem saudade,
nem queixume traído nem o lento
perpassar da paixão ou pranto que há-de

transformar-se em dorido pensamento,
em tortura querida ou em piedade
ou simplesmente em mito, doce invento,
e exaltada visão da adversidade.

É a memória ondulante da mais pura
e doce face (intérmina e tranquila)
da eterna bem-amada que eu procuro;

mas tão real, tão presente criatura
que é preciso não vê-la nem possuí-la
mas procurá-la nesse vale obscuro.




de longe, não é o texto mais legal de jorge de lima, contudo, há vestibulares à vista e vamos estudá-lo.

com influência do parnasianismo, a mensagem se prende à forma clássica do soneto (14 versos metrificados) e à linguagem culta, dentro dessa estrutura sabidamente erudita.

de início, o poeta quer distanciar-se dos amores cantados nesse tipo de gênero (soneto: poema lírico), dizendo que é poema de amor mas não é isso, nem aquilo, nem aquilo outro. retórica. pura retórica.

metalinguagem, leitor, metalinguagem. é a função da linguagem que trata da própria mensagem, explicando-a, explicitando-a. aqui, o eu lírico afirma, como já disse, que seu poema não é lamento, não é queixa, muito menos um texto lavado de paixão. seu poema (ver terceira estrofe) é memória da pessoa amada. aqui, sobra marca romântica, na visão idealizada de sua musa ("doce"; "eterna") que anda perdida num vale obscuro que bem pode ser a morte como apenas a distância.