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quarta-feira, 3 de maio de 2023

último carnaval - olavo bilac - comentário

 

        ÚLTIMO CARNAVAL

   Íncola de Suburra ou de Síbaris,
   Nasceste em saturnal; viveste, estulto,
   Na folia das feiras, no tumulto
   Dos caravançarás e dos bazares; 

   Morreste, em plena orgia, entre os esgares
   Dos arlequins, no delirante culto;
   E a saudade terás, depois sepulto,
   Heróis folião, dos carnavais hílares... 

   Talvez, quem sabe? a cova, que te esconda,
   Uma noite, entre fogos-fátuos, se abra,
   Como uma boca escancarada em risos:

   E saltarás, pinchando, numa ronda
   De espectros aos tantãs, dança macabra
   De esqueletos e lêmures aos guizos...

                          [ Tarde, Bilac, 1919 ]

   nota
 íncola  -  morador de algum local
 suburra  -  região de roma antiga habitada predominantemente por pessoas pobres
 síbaris  -  cidade grega fundada por aqueus antes de cristo
 saturnal  -  relativo às festas de saturno
 estulto  -  estúpido; insensato
 hílare  -  alegre
 fogo-fátuo  -  fenônemo que se dá em função de corpos em decomposição
 (gases)
 caravançará  -  hospedaria gratuita para caravanas no deserto
 pinchando  -  pulando; saltando

    . . . . . . . . . . . . . .  .  .  .  .  .  .   .   .

soneto de estilo parnasiano, por conta da métrica regular, vocabulário raro e aversão à emotividade dos românticos.
aqui, sobra um caráter moralizante, uma vez que o vivente das orgias e festas morreu fazendo o que mais gostava: orgia e festa. acrescente-se a isso o fato do personagem ser figura bem pobre. na visão do poeta, esse folião depois de morto voltaria em forma de espírito fanfarrão, dançando e fazendo barulho em meio a esqueletos.
"último carnaval" é um eufemismo para dia da morte. 
em suma: os foliões, mesmo depois de morrer, continuam festejando.
agora, o que a netflix tem a ver com isso? não sei. coloquei o cartaz aqui para chamar atenção.
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  saber mais? veja vídeo abaixo


segunda-feira, 11 de abril de 2022

as árvores - olavo bilac - soneto comentado

 


   AS ÁRVORES

  Na celagem vermelha, que se banha
  Da rutilante imolação do dia,
  As árvores, ao longe, na montanha,
  Retorcem-se espectrais à ventania. 

  Árvores negras, que visão estranha
  Vos aterra? que horror vos arrepia?
  Que pesadelo os troncos vos assanha,
  Descabelando a vossa ramaria? 

  Tendes alma também... Amais o seio
  Da terra; mas sonhais, como sonhamos,
  Bracejais, como nós, no mesmo anseio... 

  Infelizes, no píncaro do monte,
  (Ah! não ter asas!...) estendeis os ramos
  À esperança e ao mistério do horizonte...

    [ Olavo Bilac - Tarde, 1919 ]

    notas
  celagem - aspecto do céu ao fim do dia ou no começo
  espectrais - fantasmagóricas
  bracejais - mexer, agitar galhos

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soneto do livro "tarde", traz descrição de um dia de ventania no crepúsculo. os galhos se mexendo lembrariam pessoas querendo se libertar de uma prisão, sair do chão. 
longe de ser filosófico, o livro de bilac, vez ou outra, mostra lampejos de  reflexão, como aqui: a contradição latente, numa árvore (querer voar), seria similar ao que ocorre com o ser humano, ou seja, vivendo preso à terra, sonha ter asas. tanto humanos como árvores, sabidamente, não voam, mas sofrem, querendo mais aventura e liberdade.
fica a pergunta: para mais liberdade é preciso mesmo asas?
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quinta-feira, 30 de setembro de 2021

sinfonia - olavo bilac - tarde

 


    SINFONIA

 Meu coração, na incerta adolescência, outrora,
 Delirava e sorria aos raios matutinos,
 Num prelúdio incolor, como o alegro da aurora,
 Em sistros e clarins, em pífanos e sinos. 

 Meu coração, depois, pela estrada sonora
 Colhia a cada passo os amores e os hinos,
 E ia de beijo a beijo, em lasciva demora,
 Num voluptuoso adágio em harpas e violinos. 

 Hoje, meu coração, num scherzo de ânsias, arde
 Em flautas e oboés, na inquietação da tarde,
 E entre esperanças foge e entre saudades erra... 

 E, heróico, estalará num final, nos clamores
 Dos arcos, dos metais, das cordas, dos tambores,
 Para glorificar tudo que amou na terra!

      [BILAC, Olavo. Tarde, 1919]

   nota 
  scherzo - peça musical ligeira, alegre
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último poema do livro "tarde", "sinfonia" anucia o fim de uma obra, o fim da música. ou seja, o final da vida e dos trabalhos poéticos. 
é um soneto dodecassílabo: doze sílabas poéticas.
de fato, "tarde" foi mesmo último trabalho de olavo bilac.
o coração ainda pulsa como num "scherzo", ou seja, um pouco de alegria. mas, no futuro "estalará".

eu lírico afirma que seu coração "estalará" ao final, isto é, morrerá em meio aos sons que glorificarão "tudo que amou", ou seja, sua obra também será divinizada. é muita pretensão. mas, houve quem aplaudisse, isso é fato.

. . . . . . . . . . . .  .  .  .   .

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sexta-feira, 9 de julho de 2021

o oitavo pecado - olavo bilac - soneto

 

   O OITAVO PECADO

      [ Bilac ]

 Vivendo para a morte, alegre da tristeza,
 Temendo o fogo eterno e a danação sulfúrea, 
 Gelaste no cilício, em ascética fúria, 
 A alma ridente, o sangue em esto, a carne acesa.
 Foste mártir e herói da própria natureza. 
 Intacto de ambição, de desejo ou de injúria,
 Para ganhar o céu, venceste a ira, a luxúria,
 A gula, a inveja, o orgulho, a preguiça e a avareza.
 Mas não amaste! E, além do Inferno, um outro existe,
 Onde é mais alto o choro e o horror dos renegados: 
 Ali, penando, tu, que o amor nunca sentiste,
 Pagarás sem amor os dias dissipados! 
 Esqueceste o pecado oitavo: e era o mais triste,
 Mortal, entre os mortais, de todos os pecados! 

    [ in: Tarde, 1918 ]

notas:  esto  - calor; paixão
            ascética - a que defende abstenção ante prazeres físicos
            cilício veste ou faixa carregada de metal para ferir a pele

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soneto alexandrino : doze sílabas poéticas por verso e 14 versos ao todo

poema revela que existe quem teme o fogo eterno (inferno, segundo cristãos), daí a necessidade de penintância para buscar o céu (paraíso)
repare o paradoxo do verso 1: "alegre da tristeza", ou seja, saber da morte é uma tristeza, mas o penitente está justamente buscando isto, portanto, também alegre, já que poderá ir ao paraíso se sofrer

leia-se: é necessário gelar -- via penitência do cilício -- o desejo sexual, a "carne acesa" ...

o eu lírico lista os pecados capitais do universo cristão e faz crítica àquele que se penitenciou -- sem amar -- para conseguir o tal paraíso: eis o oitavo pecado.
diz o penúltimo verso: "esqueceste o pecado oitavo", ou seja, não amar.

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saber mais :



terça-feira, 6 de julho de 2021

a iara - olavo bilac - soneto comentado

                                                    

     A  I A R A     [ Olavo Bilac ]

 Vive dentro de mim, como num rio, 
 Uma linda mulher, esquiva e rara, 
 Num borbulhar de argênteos flocos, Iara 
 De cabeleira de ouro e corpo frio. 
 Entre as ninfeias a namoro e espio:
 E ela, do espelho móbil da onda clara,
 Com os verdes olhos úmidos me encara,
 E oferece-me o seio alvo e macio. 
 Precipito-me, no ímpeto de esposo, 
 Na desesperação da glória suma, 
 Para a estreitar, louco de orgulho e gozo... 
 Mas nos meus braços a ilusão se esfuma:
 E a mãe-d’água, exalando um ai piedoso,
 Desfaz-se em mortas pérolas de espuma.

        [ in: Tarde, 1919 ]

notas - -
- iara: ser mitológico metade peixe, metade mulher, com feições indígenas é também conhecida no folclore brasileiro como mãe-d'água e, segundo lenda, atrai homens para o fundo do rio... quem consegue espcapar acaba ficando louco

- ninfeia: espécie de planta aquática

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- poeta, feito um narciso tupiniquim, vê na água o reflexo da deusa iara... na verdade, pode estar olhando para si mesmo, como se vê no verso 1

- ela parece oferecer seu corpo a ele
- ou eu lírico precipita-se então para agarrá-la com "ímpetos de esposo", ou seja, desejo sexual.
- iara o engana, deixando o poeta apenas molhado das águas do rio 

- cheia de ironia -- talvez pena -- a mãe d´água solta um "ai", no final

- texto metrificado, segundo a lógica do parnasianismo: verso decassílabo
- há indício de loucura no poeta, logo no verso 1, quando afirma que a deusa do rio vive dentro de si, ou seja, o que ele vê, na água, seria seu próprio reflexo
- na verdade, versão tradicional do mito indígena é esquecida: iara, aqui no texto, é loira (cabelos "de ouro") -- poeta deve estar maluco mesmo...

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saiba mais sobre o poetastro :



domingo, 6 de junho de 2021

diziam que - olavo bilac - tarde

 

Diziam que, entre as nações sobreditas, moravam algumas monstruosas. Uma é de anãos, de estatura tão pequena, que parecem afronta dos homens chamados Goiasis. Outra é de casta de gente, que nasce com os pés às avessas, de maneira que quem houver de seguir seu caminho Há de andar ao revés do que vão mostrando as pisadas; chamam-se Matuiús. Outra é de homens gigantes, de dezesseis palmos de alto, adornados de pedaços de ouro por beiços e narizes, e aos quais todos os outros pagam respeito; têm por nome Curinqueãs. Finalmente que há outra nação de mulheres, também monstruosas no modo do viver (são as que hoje chamamos Amazonas, e de que tomou o nome o rio) porque são guerreiras, que vivem por si só sem comércio de homens; vivem entre grandes montanhas; são mulheres de valor conhecido... 

 Pe. Simão de Vasconcelos (Crônica da Cia. de Jesus no Est. do Brasil 1663)
        -- in: TARDE -- Olavo Bilac 1919

a partir deste ralato do padre simão (século 17) -- publicado em "tarde" --, bilac irá desenvolver cinco sonetos: "os monstros", "os matuiús", "os goiásis", "os curinqueãs" e "as amazonas". poemas descritivos sobre seres folclóricos, na tradição indígena brasileira e também o mito das amazonas que remonta a grécia antiga. aqui, as figuras americanas mostradas como seres a se evitar, malignas. pura visão ainda europeia das comunidades do brasil indígena. faziam então espécie de propganda negativa autorizando pessoas a considerar ruins essas comunidades nativas. somente em "as amazonas", último soneto da série "diziam que...", nota-se algum respeito pelo mito feminino. 
bilac não hesita em recuperar, via texto do século 17, uma visão superada da cultura indíegena, o que torna esses poemas, em pleno século 20, puro preconceito... mas é ficção, dirão alguns. mas é bilac, direi eu.

o relato do padre lembra diários de viagem dos séculos 15 e 16, quando navegantes tomados por excesso de misticismo ou bebida acreditavam em monstros marítimos, terrestres que atacariam pessoas, feito sereias ou o gigante adamastor, lá em "os lusíadas".

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saiba mais :


sexta-feira, 24 de julho de 2020

sexta-feira, 22 de maio de 2020

anchieta - olavo bilac



outro soneto do livro "tarde", bilac, 1919.

josé de anchieta (1534 - 97) foi, segundo história oficial, o primeiro a fazer poesia, no país, ficção. também publicou estudos sobre a língua tupi.
o padre -- nascido nas ilhas canárias (espanha) -- é comparado a um santo: francisco e também a um mito grego: orfeu


   ANCHIETA

Cavaleiro da mística aventura,
Herói cristão! nas provações atrozes
Sonhas, casando a tua voz às vozes
Dos ventos e dos rios na espessura:

Entrando as brenhas, teu amor procura
Os índios, ora filhos, ora algozes,
Aves pela inocência, e onças ferozes
Pela bruteza, na floresta escura.

Semeador de esperanças e quimeras, 
Bandeirante de “entradas” mais suaves,
Nos espinhos a carne dilaceras:

E, porque as almas e os sertões desbraves, 
Cantas:Orfeu humanizando as feras,
São Francisco de Assis pregando às aves

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as aspas em"entradas" são denunciadoras.
sabe-se que entradas e bandeiras, aqui, foram expedições para expansão do território, busca de minério, aprisionamento de índios, possíveis mortes de quem não queria se converter ao cristianismo, tampouco ser escravo. enfim, na sede de manter limpo o perfil do padre, o poeta coloca aspas na palavra "entrada", mudando um pouco seu sentido original, ou seja, anchieta fez sim parte desse processo que autorizava violência contra os índios, mas foi suave, no mínimo conivente... chamá-lo de "semeador de esperanças", nesse contexto, chega a ser doloroso. mas a ideia é mesmo a idolatria que aproxima o poema do gosto romântico, apesar do estilo ser mesmo parnasiano. ainda segundo o poema, o padre esteve com índios bons (aqueles que aceitavam o catolicismo), teve a pele ferida pelos espinhos da mata (lembra coroa de espinhos sim), então, digamos, sua cumplicidade na violação da vida selvagem estaria compensada.


sábado, 16 de maio de 2020

língua portuguesa - olavo bilac




mais um poema do livro "tarde", 1919, bilac

"última flor do lácio" o que é?

o latim, base da língua portuguesa, nasceu na região do lácio, próximo a roma

dele, latim, vieram o romeno, francês, espanhol e, por fim, o português


logo, a língua é a última flor, um eufemismo para o latim que termina sua jornada no idioma de camões

aqui, homenageia a língua portuguesa mas faz ressalva, afirmando que ela ainda é um tanto rude, barulhenta...

não é do estilo do poeta expor a vida em sociedade, a realidade.

bilac escrevia para os próximos, para um grupo elitizado que via no vocabulário raro, nas tramas de uma sintaxe mais complexa um certo engrandecimento do idioma

ainda bem que gente como guimarães rosa, oswald de andrade, carolina de jesus, patativa do assaré -- e tantos outros -- trataram de valorizar nosso idioma sem pedantismo

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LÍNGUA PORTUGUESA


Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...

Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: “meu filho!”,
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!


nota
trom e silvo - barulhos de canhão; estrondos
procela - tempestade

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quarta-feira, 13 de maio de 2020

hino à tarde - olavo bilac




primeiro poema do livro "tarde", 1919.
publicado postumamente, pois olavo bilac faleceu em 1918.



  HINO À TARDE

 Glória jovem do sol no berço de ouro em chamas,
 Alva! Natal da luz, primavera do dia,
 Não te amo! Nem a ti, canícula bravia,
 Que a ti mesma te estruis no fogo que derramas!
 
 Amo-te, hora hesitante em que se preludia
 O adágio vesperal, - tumba que te recamas
 De luto e de esplendor, de crepes e auriflamas,
 Moribunda que ris sobre a própria agonia!

 Amo-te, ó tarde triste, ó tarde augusta, que, entre
 Os primeiros clarões das estrelas, no ventre,
 Sob os véus do mistério e da sombra orvalhada,

 Trazes a palpitar, como um fruto do outono,
 A noite, alma nutriz da volúpia e do sono,
 Perpetuação da vida e iniciação do nada...

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.
nota
estruis  - estraga
adágio - sentença, ditado
nutriz -  mulher que amamenta
. . . . . . . .  .  .  .  .  .   .


soneto com versos alexandrinos, doze sílabas
- poeta não gosta das manhãs, mas do fim do dia porque a tarde é mãe da noite
- a tarde, quando moribunda, prenuncia os clarões das estrelas

poema simbólico sobre a carreira do poeta que, de fato, chegava ao fim

saiba mais! vídeo abaixo