O OITAVO PECADO
[ Bilac ]
Vivendo para a morte, alegre da tristeza,
Temendo o fogo eterno e a danação sulfúrea,
Gelaste no cilício, em ascética fúria,
A alma ridente, o sangue em esto, a carne acesa.
Foste mártir e herói da própria natureza.
Intacto de ambição, de desejo ou de injúria,
Para ganhar o céu, venceste a ira, a luxúria,
A gula, a inveja, o orgulho, a preguiça e a avareza.
Mas não amaste! E, além do Inferno, um outro existe,
Onde é mais alto o choro e o horror dos renegados:
Ali, penando, tu, que o amor nunca sentiste,
Pagarás sem amor os dias dissipados!
Esqueceste o pecado oitavo: e era o mais triste,
Mortal, entre os mortais, de todos os pecados!
[ in: Tarde, 1918 ]
notas: esto - calor; paixão
ascética - a que defende abstenção ante prazeres físicos
cilício - veste ou faixa carregada de metal para ferir a pele
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soneto alexandrino : doze sílabas poéticas por verso e 14 versos ao todo
poema revela que existe quem teme o fogo eterno (inferno, segundo cristãos), daí a necessidade de penintância para buscar o céu (paraíso)
repare o paradoxo do verso 1: "alegre da tristeza", ou seja, saber da morte é uma tristeza, mas o penitente está justamente buscando isto, portanto, também alegre, já que poderá ir ao paraíso se sofrer
leia-se: é necessário gelar -- via penitência do cilício -- o desejo sexual, a "carne acesa" ...
o eu lírico lista os pecados capitais do universo cristão e faz crítica àquele que se penitenciou -- sem amar -- para conseguir o tal paraíso: eis o oitavo pecado.
diz o penúltimo verso: "esqueceste o pecado oitavo", ou seja, não amar.
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