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sexta-feira, 4 de novembro de 2022

canção - cecília meireles - comentário

 

     CANÇÃO

 Pus o meu sonho num navio
 e o navio em cima do mar;
 — depois, abri o mar com as mãos, 
 para meu sonho naufragar.

 Minhas mãos ainda estão molhadas
 do azul das ondas entreabertas,
 e a cor que escorre dos meus dedos
 colore as areias desertas.

 O vento vem vindo de longe,
 a noite se curva de frio;
 debaixo da água vai morrendo
 meu sonho, dentro de um navio...

 Chorarei quanto for preciso,
 para fazer com que o mar cresça,
 e o meu navio chegue ao fundo
 e o meu sonho desapareça.

 Depois, tudo estará perfeito:
 praia lisa, águas ordenadas,
 meus olhos secos como pedras
 e minhas duas mãos quebradas.

     Cecília Meireles [ Viagem, 1939 ]

  . . . . . . . . . .  .  .   .   .   .   .   .

versos de oito sílabas poéticas, isso mesmo. octassílabos. ritmo regular com um par só de rimas por estrofe.
poema de caráter narativo, uma vez que há lista de ações e a voz de quem fala revela emoção; também de caráter lírico porque há ritmo regular e o apelo semântico desmedido presente no desfecho.
influenciada pelo simbolismo -- final do século 19 e inícios do 20 -- a poesia de cecília, aqui, expõe tristeza sem os exageros do romantismo. é de caráter depressivo, sim, o texto. lembra alguém que desiste de algo importante: o sonho. a bem da verdade, desistir de sonhos não é, necessariamente, algo ruim, mas aqui, é uma ação bem dolorosa, já que os olhos estão secos de tanto choro e mãos quebradas, ao final.
para ter certeza de que o sonho afundado está mesmo seguramente submerso, o eu lírico afirma que chorará muito: as lágrimas serão tantas que farão o mar crescer. haja rivotril. 


quarta-feira, 20 de julho de 2022

silêncio de um cipreste - cartola - comentário

 


     SILÊNCIO DE UM CIPRESTE
            Cartola [ 1908 - 80 ]

  Todo mundo tem o direito
  De viver cantando
  O meu único defeito
  É viver pensando
  Em que não realizei
  E é difícil realizar
  Se eu pudesse dar um jeito
  Mudaria o meu pensar
  O pensamento é uma folha desprendida
  Do galho de nossas vidas
  Que o vento leva e conduz
  É uma luz vacilante e cega
  É o silêncio do cipreste
  Escoltado pela cruz

. . . . . .  .  .  .  .  .  .  .  .

canção expõe nota de arrependimento e busca de acolhimento. a tal da empatia, como se diz nesse nosso século.
o eu lírico mostra que seu defeito é pensar no que não fez... parece mesmo que existe culpa, nessa letra de cartola. então, a solução para o defeito seria mudar o pensamento – ao invés de tentar fazer alguma coisa. o pensamento, segundo o texto, é folha do cipreste que o vento leva, não tem peso. uma ação, pelo contrário, fica, tem peso, pode ser julgada. uma outra leitura seria a chance deixar de crer que seja ele 
 o pensar  um defeito. 

cartola: agenor de oliveira, nascido no rio de janeiro, 1908. falecido na mesma cidade, 1980. torcedor do fluminense. um dos fundadores da escola de samba estação primeira de mangueira. o apelido "cartola", veio dos tempos em que trabalhou como pedreiro e, para proteger-se, usava chapéu. 

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saiba mais :



sábado, 24 de abril de 2021

recanto escuro das brechas da gente: gal, caetano e eu

 

até agora, nunca ouvi “recanto escuro” por inteiro, mas só a voz de gal me fascina e dá ideia de que é a coisa que me diz de meu estado de ontem e de anteontem. não sei se diz do futuro, mas o que me incomoda é noção falsa de tempo noção certa de tempo falso, muito tudo confuso quando mergulha-se nessa fantasia de liberdade de estar em plenas ações do corpo -- o que me tem faltado há tempos -- e do corpo do outro pois oswald de andrade já disse que o que interessava era o outro e sei de alguns mais filósofos que disseram do inferno nos outros por isso essa quase cachoeira cascatinha verbal sem pontuação vai caindo como diversão marítima de onda que leva pra cá e pra lá um estado de álcool gel um estado de música e voz bonita de gal tropical fatal e é com um gel que sou passeado pela música – que é do caetano – então "recanto escuro" vira mar e escorrego pro fundo é bem onde queria estar nessas brechas da gente com sensações sem nome é bom não precisar dar nome às coisas ao desejo feito completado porque sem nome não há memória nem esse jorro falso que misturo com sangue.