O que é feito de você ó minha mocidade? Ó minha força, a minha vivacidade? O que é feito dos meus versos e do meu violão? Troquei-os sem sentir por um simples bastão
E hoje quando passo a gurizada pasma Horrorizada como quem vê um fantasma E um esqueleto humano assim vai Cambaleando quase cai, não cai Pés inchados, passos em falso O olhar embaçado Nenhum amigo ao meu lado Não há por mim compaixão A tudo vou assistindo A ingratidão resistindo Só sinto falta dos meus versos Da mocidade e do meu violão
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neste samba, o eu lírico vê que sua mocidade não mais existe. a vivacidade não é mais a mesma. ele demonstra a tristeza pela passagem do tempo. o que se lê, aqui, é o poeta ressentido. no momento da vida relatado no texto, está sem os amigos, sem os versos, sem o violão e "quase cai, não cai".
o "bastão" pode ser uma simples bengala, como pode ser o cigarro. o texto pode ser também uma alegoria aos novos tempos que chegavam à música brasileira, meados dos anos 1950: a bossa nova e uma "gurizada" que preferia lugares refinados: gente que não era do subúrbio, nem do morro, nesta época. a bossa nova deu outra roupagem ao samba. embranqueceu, por assim dizer, a música típica dos pretos, no rio de janeiro, naquele tempo.
Passam mulheres, passam soldados. Moça bonita foi feita para namorar. Soldado barbudo foi feito para brigar. Meus olhos espiam as pernas que passam. Nem todas são grossas... Meus olhos espiam. Passam soldados. ... mas todas são pernas. Meus olhos espiam. Tambores, clarins e pernas que passam. Meus olhos espiam espiam espiam soldados que marcham moças bonitas soldados barbudos …para namorar, para brigar.
Só eu não brigo. Só eu não namoro.
[carlos drummond - alguma poesia, 1930]
poema de versos brancos, à moda do primeiro modernismo. segundo a crítica, o livro "alguma poesia" (1930) abre a segunda fase desse modernismo. uma honra para o mineiro de muitos livros.
o eu lírico, em "moça e soldado" é figura pacata que só observa o cotidiano.
repare que é a rua quem passa e não ele, nessa perspectiva do tímido.
"moça e soldado" explicita uma antítese, uma contradição entre o prazer e o dever; entre a beleza (moça) e a chatice -- o incômodo (confrontos, brigas).
essa contradição acaba trazendo, no fim, algo em comum que é justamente o fato de que o poeta não tem a moça muito menos poder de briga. eu ia escrever "poder de fogo", desisti.
e mais: a repetição da palavra "pernas" vai ao encontro do que se lê em "no meio do caminho", poema do mesmo livro. explicando: as pernas passam e o eu lírico não muda de postura. não reage, apenas olha.
as pernas passam, tanto a das moças como a dos soldados. o poeta nada faz. apenas contempla. ele continua menor, importente, diminuído. é a tônica dos primeiros livros do poeta, esse "eu menor que o mundo".
A TEUS PÉS (1982) poesia intimista com gosto pleo cotidiano. linguagem que também apresenta o prosaico, algum humor, versos livres, num livro povoado de referências literárias e de lirismo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
mocidade independente Pela primeira vez infringi a regra de ouro e voei pra cima sem
medir as consequências. Por que recusamos ser proféticas? E
que dialeto é esse para a pequena audiência de serão? Voei pra
cima: é agora, coração, no carro em fogo pelos ares, sem uma
graça atravessando o estado de São Paulo, de madrugada, por
você, e furiosa: é agora, nesta contramão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . é confessional, um tanto visceral. contudo, há mais jogo de frases do que uma profundidade que lhe atribuem.muito se fala dela -- e mais será dito, ao longo de 2018 por conta do vestibular -- em função de sua morte precoce, aos trinta anos. mas o foco precisa ficar nos textos. profundos ? nem tanto. a década de 1970 produziu poesia marginal de bom calibre, com cacaso, capinan, chacal, leila miccolis, até leminski. não dá pra comparar. a veia escritora de ana c. era ainda de quem tinha muito pra expor. não vimos. não veremos. mas há o que ler. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . vacilo da vocação Precisaria trabalhar — afundar — — como você — saudades loucas —
nesta arte — ininterrupta —
de pintar —
A poesia não — telegráfica — ocasional —
me deixa sola — solta —
à mercê do impossível — — do real.