“dom casmurro” parece ser livro mais conhecido que lido. pelo menos, durante muito tempo, foi assim. hoje, com a retomada de Machado nos
vestibulares, a situação do romance machadiano toma outros ares. referências
como “othelo”, augusto, nero, “fausto”, metalinguagem, digressão, tornam o
texto menos difuso para o leitor desavisado.
mais que a questão do adultério, cometido ou não por capitu, temos aqui
uma história centrada na personalidade de Bento Santiago. filho único, muito
protegido pela mãe, bentinho é o “inocente útil” dessa história, pretendido
tanto por josé dias como por capitu -- cada um a seu modo, diga-se. narrador pouco confiável, Bento destila o egocentrismo e a carência afetiva com
quem quer que seja, desde Manduca e escobar, até mesmo capitu ou o filho ezequiel, quase morto pelo café envenenado que não chegou a tomar. As
digressões de bento adulto e a recorrência à metalinguagem, dão o sabor íntimo
a essa história que possui características tanto do classicismo, como a coesão
e busca da clareza, como também do Impressionismo, quando se trata da recriação
do passado. o dado “realista” está na preocupação com o psicológico; no modo ora cáustico, ora sensível
com que o narrador se refere às pessoas, como na caracterização de tio cosme;
do vizinho que ele conhece “de vista e de chapéu” ou nas referências a capitu e
seus olhos. não temos aqui a idealização da mulher e do amor como encontramos
no romantismo, mas sim uma preocupação em comparar, filosoficamente ou apenas
por ironia (valorizando o leitor inteligente) a sua vida a uma ópera. compará-la também à tragédia othelo, ou mesmo valorizando sua “ingenuidade”
diante da perspicácia de pessoas como josé dias, capitu e escobar.