sábado, 18 de setembro de 2021

samantha schmütz expôs o que quase todo meio artístico não quer ser


em maio de 2021 e atriz samantha schmütz deu a letra:

"Queria entender como que pode, o chefe da nação, na atual conjuntura, imitar alguém com falta de ar. O que é que a gente está esperando para fazer alguma coisa? Quem mais a gente vai esperar morrer? Quem mais o Brasil vai perder? Seja quem for. Que a mesma força que nos uniu no amor, em orações, nos una para tentar parar esse horror. Então, acho que devia parar de fazer dancinha de TikTok. De verdade. (...) um negócio que não vai ter fim nenhum além do entretenimento. Acho que a gente tem que se unir direito. Votar em quem acredita na ciência. Fazer mutirão pro que realmente importa. Não adianta fazer mutirão para reality show da vida dos outros. A nossa realidade está bizarra. Bizarra! E ninguém está usando todas as cartas. (...) Não dá pra gente ficar postando -- nós, que temos milhões de seguidores, nada mais que não seja em prol da porra da vacina! Em prol de alguém fazer alguma coisa, porque quem pode fazer, não vai fazer! Acabou a brincadeira, aqui. Não dá pra postar look do dia, não dá pra sensualizar mais, não tem mais o que fazer, a não ser ser contra o que está acontecendo!"
                  [ via instagram / maio 2021 ]

obviamente, o "quem pode fazer não vai" é para governo federal, para maioria dos ministros, muitos deputados e senadores. parabéns, samantha!
os artistas criticados por ela são os omissos que agem como os piores políticos: assumem postura conservadora para não perder fiéis, não perder eleitores. ou seja, se calam ante a tragédia em curso. 
ser contra o genocida, para muitos artistas, é, por exemplo, ser contra silvio santos, sabidamente apoiador desse presidente. se indispor com gente como o dono do sbt pode ser arriscado financeiramente para alguns. e não só o caso do sbt, mas há muitos outros jornalistas que são pró-jair e que podem barrar ou cancelar esses artistas. por isso, parabéns, samantha!

se houvesse mais responsabilidade social, medo e covardia sumiriam.
samantha expôs o que muita gente do meio das artes não quer: ser contra o genocídio e a favor da democracia.

claro que isso tudo aqui pode ser tema de redação, amanhã, no fim do ano, na sua prova escolar ou vestibulesca. agora, o principal é a vida mesmo.  realmente, hoje -- setembro 2021 -- não dá pra ficar só no entretenimento. não dá! omitir-se é autorizar o genocídio. a omissão permite que se continue a inflação, o descaso com minorias, a violência contra a natureza, o mal uso de máscaras, desrepeito... etc etc... vamos acordar!
vida de gado... povo infeliz!

   @carneiro_liter   

 - por favor, se concorda, divulgue este post, precisamos apoiar quem valoriza ciência
 - obrigado mesmo!

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

casamento do céu e do inferno - drummond

 


CASAMENTO DO CÉU E DO INFERNO

No azul do céu de metileno
a lua irônica
diurética
é uma gravura de sala de jantar.
Anjos da guarda em expedição noturna
velam sonos púberes
espantando mosquitos
de cortinados e grinaldas.

Pela escada em espiral
diz-que tem virgens tresmalhadas,
incorporadas à Via Láctea, vagalumeando…

Por uma frincha
o diabo espreita com o olho torto.
Diabo tem uma luneta
que varre léguas de sete léguas
e tem o ouvido fino
que nem violino.

São Pedro dorme
e o relógio do céu ronca mecânico.
Diabo espreita por uma frincha.
Lá embaixo
suspiram bocas machucadas.
Suspiram rezas? 
Suspiram manso, de amor.
E os corpos enrolados
ficam mais enrolados ainda
e a carne penetra na carne.
Que a vontade de Deus se cumpra!
Tirante Laura e talvez Beatriz,
o resto vai para o inferno.
    [C. Drummond. Alguma poesia, 1930 ]

texto de caráter descritivo e narrativo, quase didático, opondo os conceitos de céu e inferno, ou seja, o mundo da salvação e o da perdição.
enquanto são pedro dorme e o relógio ronca de tédio, no porão -- parte baixa da casa -- corpos enrolados se amam.
essa "parte baixa" é alegoria do inferno e seus lugares-comuns: subsolo, escuridão, lugar de sofrimento etc.

ironicamente, o poeta pergunta se suspiram rezas. nada disso: suspiram de gozo carnal. é a vontade deles. vontade de deus. logo, esse tal inferno parece ser lugar prazeroso.
laura e beatriz são figuras divinizadas, no livro "a divina comédia", de dante alighieri.
vale sempre a pena lembrar os textos de william blake, inglês, 1894. ele publicou livro com este nome: "casamento do céu e do inferno".  traz visões por vezes pagãs das vontades humanas. é inspirador.



sexta-feira, 10 de setembro de 2021

itabira - drummond e o buraco do cauê

 

      ITABIRA

     Carlos Drummond de Andrade

 Cada um de nós tem seu pedaço no pico do Cauê.
 Na cidade toda de ferro
 as ferraduras batem como sinos.
 Os meninos seguem para a escola.
 Os homens olham para o chão.
 Os ingleses compram a mina.
 Só, na porta da venda, Tutu Caramujo cisma na derrota incomparável.

           [ Alguma poesia, 1930 ]

parece premonição, este poema publicado em 1930. por volta da década de 1940, o pico do cauê -- mais de mil metros de altitude -- foi destruído pela companhia vale do rio doce, para extração de minério, em itabira. 

o poema -- versos brancos e livres -- contrasta as figuras da cidade à dos ingleses e reafirma a vitória do ferro sobre a simplicidade natural.
texto com caráter de crônica, revela a dor da cidade personificada em tutu, sabedor da derrota. qual derrota?... a da natureza.
"ferraduras batem como sinos" é verso dos mais emblemáticos deste livro. minério, burrice, natureza e essa pobreza que é machucada...

lembra bem o que a mesma "vale" causou em brumadinho, no século 21. que fase de nossa natureza.

saiba mais:


domingo, 5 de setembro de 2021

já é setembro de 2021

 


já é setembro de 2021 e a sensção continua de tristeza.

no país, população totalmente vacinada, hoje, é de 39%. trinta e nove. bem menos da metade, para o tempo em que estamos.

no estado de são paulo, 53% de vacinados completos. metade ainda.
   [ dados atualizados em 23/09]

variante delta se espalhando, inflação, saúde mental em frangalhos para a maioria dos brasileiros. e mortes. muitas mortes ainda.

governo federal não quis comprar vacinas em 2020, por motivos que me recuso acreditar. as mortes vieram, devastadoras. houve pilhérias do presidente sobre pessoas com falta de ar e também campanha sórdida contra o isolamento.

olhem, dia 07 de setembro de 2021, houve quem defendeu o genocida. 
ou seja, existem os que apoiam a escalada do preço de combustíveis, do gás, da comida, apoiam homofobia, o fim do supremo tribunal e, por tabela, a falta do horário de verão que, nada, nada, evitava picos de consumo no final da tarde, brasil afora. hoje, o próprio governo federal admite possiblidade de apagões. é o caos.

que remédio?
valorizar a ciência, a educação, a imprensa minimamente livre, geração de empregos e, principalmente, manutenção da vida e da democracia
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espero sim que haja mais bom senso ao congresso e que ele não se curve ao golpismo que se tem ouvido, ultimanente.

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

dona tareja - fernando pessoa

 

                                                       [ do site - quebichotemordeu.com ]

    D. TAREJA

   As nações todas são mistérios.

   Cada uma é todo o mundo a sós.

   Ó mãe de reis e avó de impérios.

   Vela por nós!

   Teu seio augusto amamentou

   Com bruta e natural certeza

   O que, imprevisto, Deus fadou.

   Por ele reza!

   Dê tua prece outro destino

   A quem fadou o instinto teu!

   O homem que foi o teu menino

   Envelheceu.

   Mas todo vivo é eterno infante

   Onde estás e não há o dia.

   No antigo seio, vigilante,

   De novo o cria!

      [ Pessoa, Fernando. Mensagem, 1934 ]

dona tareja é mãe de afonso henriques, o primeiro rei de portugal independente. no século 12, perdeu a batalha de são mamede para o próprio filho, numa disputa de poder. 

aqui, no texto, o eu lírico eleva sua condição humana a uma figura divinizada pois que teria parido um rei. daí, na primeira estrofe, lemos "mãe de reis e avó de impérios".
o "mundo a sós" indica um mistério ainda a ser executado, ainda a ser conhecido. sabendo de todo contexto que cerca o livro, este mistério seria o grande império luso, formado anos depois do reinado de afonso.



terça-feira, 24 de agosto de 2021

sexta-feira, 20 de agosto de 2021

bailarina da vida é questão de prova

                                                      [ moon e ba ]


- a última fala do quadrinho, que é do cisne, pode ser entendida como

a) toda pessoa que se joga corre riscos de perder-se, na vida
b) toda pessoa que tem medo merece acolhimento
c) a hora de se expor de toda pessoa chegará apenas no tempo certo
d) toda pessoa deve ser protagonista, ao menos por um momento


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resposta
D




sábado, 14 de agosto de 2021

o conde dom henrique - fernando pessoa - os castelos

 

                               
          jangada de pedra, jerônimos, lisboa - portugal
                                  [ foto c.h. carneiro ]

 
   O CONDE D. HENRIQUE

  Todo começo é involuntário.

  Deus é o agente,

  O herói a si assiste, vário

  E inconsciente.

  À espada em tuas mãos achada

  Teu olhar desce.

  «Que farei eu com esta espada?»

  Ergueste-a, e fez-se.


    [ in: Mensagem, 1934, Fernando Pessoa ]


  - notas -

conde d. henrique (1057-1114) - nobre militar, alistado no exército de afonso VI

 (leão e castela) para combater mouros; casou com tareja, filha do rei e tornou-se

 governador do condado portucalense, em 1093

o condado  seria o núcleo do país independente, sob comando do filho de henrique e

 tareja: afonso henriques

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- henrique parece agir sob comando de uma energia maior: "fez-se", é

o que se lê no fim, assim como "deus é o agente", verso 2

- o conde é o embrião do país, como se vê na história e o poema denota

 que, sem saber o que fazer com o poder (espada), apenas a ergueu e isso

 foi o bastante

- a razão pela qual fatos acontecem pode escapar do entendimento: isso

 é uma tônica no livro "mensagem" como um todo

-  homem seria instrumento de algo maior





segunda-feira, 9 de agosto de 2021

nosso destino é questão de prova

 

                                                   [  dahmer ]

- a palavra "destino", nesta charge de dahmer, pode apresentar dois significados possíveis, respectivamente:

a) endereço e independência

b) endereço e finalidade da existência

c) finalidade da existência e angústia

d) angústia e endereço

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resposta

B

terça-feira, 3 de agosto de 2021

em agosto de 2021 esperança ainda é única sensação possível contra mortes

 

agosto de 2021. vacinação.

o estado de são paulo, hoje, chega a pouco mais de 73% dos habitantes com ao menos uma dose.
os totalmente vacinados, no estado, não chegam a 33% ainda...

no brasil todo, o número de imunizados completos é de 24%. vinte quatro! ou seja, pouquíssimo! não é normal! não estamos bem!

agosto 2021: estados unidos, alemanha e grã-bretanha têm o total de 52% de vacinados. no chile, 67% da população está imunizada.
pelo país acompanha-se a saga da ignorância em ascensão, gente esquecendo da segunda dose ou não dando importância. e aqueles que fazem força para empacar na burrice escolhendo tipos de vacina. dá vontade de desistir.

[ até final de agosto, os números devem subir, é o que se espera... estado de são paulo pode bater os 40% com imunização completa... e o país todo, pode chegar a 40% ou 42% ]

hoje, o que fazer?
- divulgar locais de vacinação. 

1. valorizar o distanciamento; não aglomerar; usar máscara
2. higienizar, cuidar das crianças e idosos
3. valorizar aplicativos para entrega de alimentos e outras necessidades
4. em sua cidade, reconhcer postos para doação de alimentos
5. lembrar sempre que ciência é o que salva
6. nas próximas eleições votar em que apoia saúde e pesquisa

e só.

- - - os dados aqui: vacinação no mundo - clique

- - - fundação feac - campinas doação contra fome - clique

[ se gostou, achou útil, divulgue esse post, obrigado! ]


terça-feira, 27 de julho de 2021

queimar monumento é igualar-se ao que se quer combater

 

são paulo. bairro de santo amaro. julho 2021.
o ataque a fogo contra a estátua de manuel de borba gato (1649-1718) é assustador.
borba gato era genro de fernão dias -- aquele das esmeraldas -- e foi bandeirante brabo. é necessário rever homenagens desse tipo sim, isso é fato. protestar ante esse símbolo de violência é legítimo. querer a remoção da peça do seu lugar também é.

agora, simplesmente vilipendiar o monumento como se fosse a solução para os supostos crimes que ele cometeu no passado é burrice. 
não é apagando a história que se vai compreendê-la e melhorá-la.
se assim fosse, era só mudar o nome das ruas e avenidas "floriano peixoto" brasil afora, queimar estátuas de getúlio vargas, alterar o nome da rodovia castelo branco que tudo ficaria harmônico e mais democrático.. não dá.
necessário é não mais registrar logradouros públicos com nome de gente que cometeu crimes. simples assim.
respeito quem tem se manifestado contra a existência de estátuas como as de borba gato. mas quem queima não respeito não.
existem inimigos maiores, hoje.

quinta-feira, 22 de julho de 2021

educar é preciso: viver, mais ainda

                    

passar de ano é o grande barato de nossos estudantes, desde a criação do colégio de jesuítas, na bahia, do século 16.

o que se quer é ser aprovado, ter diplominha. o resto é conversa.
nunca a aprovação foi menos importante que o aprendizado. nunca.

professores dos mais variados matizes têm sido experts nessa postura de buscar suposto aprendizado pela ameaça da avaliação. "vai cair na prova" é expressão gasta e muito útil para 99,99% dos professores e professoras que vivem aqui. o restante? os outros 0,01%, estão de parabéns.

educar não é tarefa fácil, todo mundo sabe. assim como não é fácil fazer uma cirurgia, cozinhar feijão, trocar pneu de carro ou construir um computador portátil. tudo se aprende. tudo se ensina.
escolas que sustentam essa máxima de que a prova é o que importa estão fadadas a serem trocadas à primeira oferta de provas mais baratas. escolas que passam o ano letivo cobrando apenas conteúdo acadêmico em suas aulas vão sim perder credibilidade porque só conteúdo acadêmico e a insossa promessa de acesso à universidade não faz mais verão como antigamente.
daí, quando se fala em homeschooling,  professores, filósofos e donos de cantina clamam por coerência e os benefícios da vida em comunidade. certíssimos. também sou contra essa tal "escola-em-casa". contudo, precisava existir mais verdade e menos hipocrisia nos processos educativos, tanto na rede privada como na pública. 

saiba mais, assista, por favor!


sábado, 17 de julho de 2021

"luca" trata de aceitação e liberdade para existir como se é

                                                 

longa metragem de animação da pixar, "luca" estreou em 2021 e traz uma história divertida mas tensa, de descobertas, perdas, busca de aceitação e amizade.

luca e alberto são seres marinhos, vivem na região da riviera italiana. 
quando estão fora da água, transformam-se em seres humanos. quando são tocados por água, retomam forma de seres marinhos. 
descobrem rapidamente que ser um elemento ligado a água é ser odiado pela maioria da população. além de luca e alberto, há mais seres como eles na comunidade que nunca quiseram expor verdadeira identidade. apenas no fim do filme, quando do término da corrida de bicileta com chuva: há quem se deixe molhar para justamente mostrar quem é. 
alberto é o mais experiente da dupla e morre de ciúme da nova amiga de luca, a giulia. ela desperta o jovem luca para histórias do planeta e das estrelas. estudar é um dos temas da segunda metade do filme.
com uma sutileza arrasadora, fica claro que quando mergulhamos no estudo, é possível melhorar vida no planeta; é possível entender as diferenças no outro e respeitar. deveria ser simples.

dá pra utilizar o longa metragem na escola e discutir, sim, afetividade entre meninos, assim como entre meninas. recomendo fundamental 2, desde sétima série ou até antes.

o debate precisa existir. 
se acontecer na escola, melhor ainda.

sábado, 10 de julho de 2021

parnasianismo parece não ter fim

 

                                            gil vicente ( série "inimigos") - bienal 2010

falo com meus alunos sobre o parnasianismo, estilo literário muito do empolado, cheio de firulas em versos e que muitos rotulavam de "arte pela arte". merecido. deveria ser chamado "fazer por fazer", um estilo que não combina com temas sociais, nem propõe filosofias. perfumaria pura. já aviso: não desconsidero o apelo artístico. é arte. eu só não gosto.

vejam, o soneto famoso da época é mesmo "a um poeta", assinado por bilac (aquele do hino à bandeira). pois bem, lá notexto tem-se a receita do modus vivendi parnasiano: longe do "turbilhão da rua" (distante de questões sociais) o poeta deveria dedicar-se a uma obra que fosse bela. arte pura… como um templo grego. até aí, as coisas.

de novo: não creio que a condição para eu gostar da arte é ter ou não questões sociais. o que incomoda, aqui, é o mero joguinho de palavras para se exibir a - suposta - habilidade para montar versos metrificados.

ano de 2010. s paulo. bienal internacional de arte: gil vicente, artista plástico pernambucano tem causado desconforto à patuleia paulista, quando estes estão diante de seus desenhos, na bienal, no ano de 2010. neles o próprio vicente está matando líderes políticos, como fhc, o papa ou george bush, dentre outros. são desenhos. estão na moldura, presos à parede. não se moverão. obviamente a vetusta ordem dos advogados do brasil fez menção de repúdio ao artista. não fez o mesmo quanto ao palhaço candidato, com nome de mato rasteiro. mas isso é outra conversa.

por que juntei bilac e vicente, aqui, é simples: faz séculos que a classe média do nosso ocidente nos dita o que consumir, o que gostar e o que repudiar. é isso. se não for colorido, parecido com a mona lisa, não vale. odeio essa tortura. o que vicente fez foram apenas desenhos. arte. incomoda… ainda bem!

sexta-feira, 9 de julho de 2021

o oitavo pecado - olavo bilac - soneto

 

   O OITAVO PECADO

      [ Bilac ]

 Vivendo para a morte, alegre da tristeza,
 Temendo o fogo eterno e a danação sulfúrea, 
 Gelaste no cilício, em ascética fúria, 
 A alma ridente, o sangue em esto, a carne acesa.
 Foste mártir e herói da própria natureza. 
 Intacto de ambição, de desejo ou de injúria,
 Para ganhar o céu, venceste a ira, a luxúria,
 A gula, a inveja, o orgulho, a preguiça e a avareza.
 Mas não amaste! E, além do Inferno, um outro existe,
 Onde é mais alto o choro e o horror dos renegados: 
 Ali, penando, tu, que o amor nunca sentiste,
 Pagarás sem amor os dias dissipados! 
 Esqueceste o pecado oitavo: e era o mais triste,
 Mortal, entre os mortais, de todos os pecados! 

    [ in: Tarde, 1918 ]

notas:  esto  - calor; paixão
            ascética - a que defende abstenção ante prazeres físicos
            cilício veste ou faixa carregada de metal para ferir a pele

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soneto alexandrino : doze sílabas poéticas por verso e 14 versos ao todo

poema revela que existe quem teme o fogo eterno (inferno, segundo cristãos), daí a necessidade de penintância para buscar o céu (paraíso)
repare o paradoxo do verso 1: "alegre da tristeza", ou seja, saber da morte é uma tristeza, mas o penitente está justamente buscando isto, portanto, também alegre, já que poderá ir ao paraíso se sofrer

leia-se: é necessário gelar -- via penitência do cilício -- o desejo sexual, a "carne acesa" ...

o eu lírico lista os pecados capitais do universo cristão e faz crítica àquele que se penitenciou -- sem amar -- para conseguir o tal paraíso: eis o oitavo pecado.
diz o penúltimo verso: "esqueceste o pecado oitavo", ou seja, não amar.

. . . . . . . . .  .  .  .  .  .  .  .   .   .   .   .

saber mais :



quinta-feira, 8 de julho de 2021

beleza ao alcance de todos é questão de prova

 

                                                               [ laerte ]

acima, a charge da cartunista laerte satiriza certo procedimento na comunicação humana. 

- assinale alternativa que melhor define esse prcedimento

a) paradoxo

b) metalinguagem

c) clichê

d) personificação

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resposta

C

terça-feira, 6 de julho de 2021

a iara - olavo bilac - soneto comentado

                                                    

     A  I A R A     [ Olavo Bilac ]

 Vive dentro de mim, como num rio, 
 Uma linda mulher, esquiva e rara, 
 Num borbulhar de argênteos flocos, Iara 
 De cabeleira de ouro e corpo frio. 
 Entre as ninfeias a namoro e espio:
 E ela, do espelho móbil da onda clara,
 Com os verdes olhos úmidos me encara,
 E oferece-me o seio alvo e macio. 
 Precipito-me, no ímpeto de esposo, 
 Na desesperação da glória suma, 
 Para a estreitar, louco de orgulho e gozo... 
 Mas nos meus braços a ilusão se esfuma:
 E a mãe-d’água, exalando um ai piedoso,
 Desfaz-se em mortas pérolas de espuma.

        [ in: Tarde, 1919 ]

notas - -
- iara: ser mitológico metade peixe, metade mulher, com feições indígenas é também conhecida no folclore brasileiro como mãe-d'água e, segundo lenda, atrai homens para o fundo do rio... quem consegue espcapar acaba ficando louco

- ninfeia: espécie de planta aquática

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- poeta, feito um narciso tupiniquim, vê na água o reflexo da deusa iara... na verdade, pode estar olhando para si mesmo, como se vê no verso 1

- ela parece oferecer seu corpo a ele
- ou eu lírico precipita-se então para agarrá-la com "ímpetos de esposo", ou seja, desejo sexual.
- iara o engana, deixando o poeta apenas molhado das águas do rio 

- cheia de ironia -- talvez pena -- a mãe d´água solta um "ai", no final

- texto metrificado, segundo a lógica do parnasianismo: verso decassílabo
- há indício de loucura no poeta, logo no verso 1, quando afirma que a deusa do rio vive dentro de si, ou seja, o que ele vê, na água, seria seu próprio reflexo
- na verdade, versão tradicional do mito indígena é esquecida: iara, aqui no texto, é loira (cabelos "de ouro") -- poeta deve estar maluco mesmo...

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saiba mais sobre o poetastro :



quinta-feira, 1 de julho de 2021

o ateneu: romance que infelizmente ainda combina com século 21

 

converso com meus alunos, esta semana, sobre o livro de raul pompeia e, infelizmente, não me assusto mais com os depoimentos a respeito da vivência deles na escola. tenho ouvido basicamente a mesma coisa desde que comecei a trabalhar, em 1986. a turma a que me refiro é a de alunos que já terminaram o ensino médio, estão no modo pré-vestibular. 
o que a maioria confessa: reclama deste ou daquele autoritarismo; relembram com mágoa de situações ligadas à avaliação; não gostam de participar da aula -- sentem-se acuados ou intimidados, têm vergonha mesmo --, é muito triste. não os culpo. eles são resultado de quinhentos anos de ensino com viés jesuítico, ou seja: sala em silêncio sempre; aula no modo palestra; professor exerce autoridade sem empatia e quase não interage com alunos; problema no aprendizado vai se resolvendo com aula particular, remédio ou abandono da escola; regras pra tudo; hipocrisia; método de avaliação sempre desatualizado; censura a temas como sexualidade, política local ou religiosidade. é de chorar.

romance "o ateneu" saiu em 1888.
tema : crítica ao sistema educacional de internatos.
quem narra: sérgio, adulto, relembrando dois anos de sua infância dentro do colégio "ateneu", sob a autoridade despótica de aristarco, o diretor.


estilo
apresenta marcas realistas, como a linguagem culta e análise psicológoica de personagem. é evidente o caráter simbolista, pela subjetividade nas descrições e traz com influências do naturalismo, como destaque ao coletivo, assim como o determinismo e a sexualidade exposta como algo chocante (homossexualidade)

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POR UMA ESCOLA ACOLHEDORA