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terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

nota social - carlos drummond

 


NOTA SOCIAL

O poeta chega na estação.
O poeta desembarca.
O poeta toma um auto.
O poeta vai para o hotel.
E enquanto ele faz isso
como qualquer homem da terra,
uma ovação o persegue
feito vaia.
Bandeirolas
abrem alas.
Bandas de música. Foguetes.
Discursos. Povo de chapéu de palha.
Máquinas fotográficas assestadas.
Automóveis imóveis.
Bravos…
O poeta está melancólico.
Numa árvore do passeio público
(melhoramento da atual administração)
árvore gorda, prisioneira
de anúncios coloridos,
árvore banal, árvore que ninguém vê
canta uma cigarra.
Canta uma cigarra que ninguém ouve
um hino que ninguém aplaude.
Canta, no sol danado.
O poeta entra no elevador
o poeta sobe
o poeta fecha-se no quarto.
O poeta está melancólico.

    [ drummond, alguma poesia, 1930 ]
. . . . . . . .  .  .  .  .  .  .   .

* "assestadas" - - apontadas
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"nota social" faz referência a uma parte do jornal dedicada a personalidades tidas como importantes, na cidade, algo muito comum no século 20

aqui, no poema, o eu lírico expõe que não há espaço para suavidades. 
a árvore e a cigarra são desprezadas pelo progresso (anúncios). no cotidiano, há os automóveis, barulho de câmeras fotográficas. o poeta está melancólico. mesmo a agitação das pessoas com sua chegada parece vaia, ou seja, quem exercita o simples, a subjetividade, a poesia, não teria espaço.
o mundo está agitado. lembre-se: a obra foi feita no final dos anos 1920 e publicada em 1930. a melancolia do poeta se deve às crises, tanto na política brasileira, como nas consequências do "crack" da bolsa de nova iorque, em 1929.

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

itabira - drummond e o buraco do cauê

 

      ITABIRA

     Carlos Drummond de Andrade

 Cada um de nós tem seu pedaço no pico do Cauê.
 Na cidade toda de ferro
 as ferraduras batem como sinos.
 Os meninos seguem para a escola.
 Os homens olham para o chão.
 Os ingleses compram a mina.
 Só, na porta da venda, Tutu Caramujo cisma na derrota incomparável.

           [ Alguma poesia, 1930 ]

parece premonição, este poema publicado em 1930. por volta da década de 1940, o pico do cauê -- mais de mil metros de altitude -- foi destruído pela companhia vale do rio doce, para extração de minério, em itabira. 

o poema -- versos brancos e livres -- contrasta as figuras da cidade à dos ingleses e reafirma a vitória do ferro sobre a simplicidade natural.
texto com caráter de crônica, revela a dor da cidade personificada em tutu, sabedor da derrota. qual derrota?... a da natureza.
"ferraduras batem como sinos" é verso dos mais emblemáticos deste livro. minério, burrice, natureza e essa pobreza que é machucada...

lembra bem o que a mesma "vale" causou em brumadinho, no século 21. que fase de nossa natureza.

saiba mais:


terça-feira, 13 de abril de 2021

torto arado - itamar vieira júnior - sinopse

                                                                                                                                           [foto: roger ballen]

romance, 2018
narrativa acontece em minas gerais,  entre os anos 1930 e 70

cenário base: fazenda água negra que abriga, durante dezenas de anos, famílias negras, exploradas em troca de moradia.

donana, ainda jovem, rouba faca que estava num coldre, esquecido num alpendre da fazenda caxangá. queria vendê-la, melhorar a vida. mas a faca era bonita. afeiçoou-se ao objeto, guardou. quando soube que a filha carmelita era abusada pelo seu próprio companheiro, donana sangrou o homem, na beira do rio, livrando-se do estorvo. 
anos mais tarde, na fazenda água negra, as netas bibiana e belonísia, fuçando na mala sob a cama da avó donana, encontram o objeto. curiosas, acabam se cortando. bibiana fere a boca e belonísia perde a língua.

donana vai à beira do rio com um embrulho. tempo depois, é encontrada morta, à margem do rio. a faca desaparece.

romance narrado por três mulheres: bibiana, belonísia e rita pescadeira -- esta última, uma entidade que se apossava do corpo de uma mulher conhecida por miúda

completam a família das irmãs bibiana e belonísia: zeca chapéu grande - o pai, curador de jarê 

zeca era parteiro e podia receber entidades, os "encantados"; ele cuidava de aflitos, doentes, e mantinha certa liderança entre os trabalhadores da fazenda água negra - - era filho de donana 

os demais:  salustiana - mãe   // zezé - irmão   // domingas - irmã    // servó - tio  // severo - primo

bibiana se aproxima do primo severo, ambos se enamoram, ela engravida.ambos fogem para outras terras.
tobias, funcionário da fazenda, convida belonísia para morar com ele. zeca chapéu grande (pai) , consultado antes, reforça a ela que deve prevalecer a própria vontade. belonísia aceita.
tobias é violento. ofende belonísia que se arrepende de ter saído de casa

a faca de donana, do início da história, é encontrada acidentalmente por belonísia, na casa, quando tobias ainda era vivo. estava num pote de cerâmica

aparentemente possuída pelo espírito de santa rita pescadeira, num acesso de lucidez ou loucura, assassina o marido. 

a outra irmã, bibiana retorna trazendo filho inácio. visita aos pais. anos mais tarde, traz todos os quatro filhos, passa a viver novamente no lugar, na casa que constroem. 
bibiana se torna professora, na escola que prefeito construiu a mando de santa rita pescadeira, quando estava no corpo de zeca chapéu grande

belonísia continua morando em sua casa, desde a época da união com tobias

marido de bibiana, severo, torna-se liderança e defende terra para quilombolas confrontando as posturas tradicionais de fazendeiros exploradores

severo é morto em frente sua casa. a investigação se inicia, mas a justiça declara -- mentirosamente -- que conflito se deu na disputa por drogas

santa rita pescadeira, a miúda, relata que tentou salvá-lo, entrando por seu corpo, mas não conseguiu. era um rio de sangue escorrendo pela fazenda

pelo crime contra severo, todos creem na responsabilidade de salomão, novo dono das terras de água negra
inácio, jovem, parte para cidade: quer estudar, ser professor -- filho de bibiana

salomão é morto. encontrado seu corpo próximo ao rio, um corte no pescoço

a narrativa termina com o percurso de santa rita pescadeira pelo corpo de belonísia que sai em busca de uma onça que assustaria a comunidade. nesses movimentos, leitor acompanha o animal caindo numa cova, uma armadilha, e seu pescoço é cortado

. . . . . .  .  .  .  .  .   .   .   .  f i m

narrativa contém três partes: fio de corte; torto arado e rio de sangue

primeira parte: referência à perda da língua por belonísia e morte de donana  -- narração por bibiana

segunda: "arado" é a palavra que belonísia acredita poder pronunciar  -- narração por belonísia

terceira: "rio de sangue" é a expressão que se refere ao assassinato de severo, encontrado por sua esposa sobre um rio de sangue, símbolo da história dos negros pelo país que, metaforicamente ou não, sempre derramam sangue em meio às injustiças contra comunidade preta -- narração por santa rita pescadeira

faca - instrumento conhecido como "arma branca"; no romance, serviu para defender opressão sofrida pela comunidade preta; segundo uma das irmãs, donana tinha mais medo do significado dela do que seu poder de corte
língua - órgão fundamental na comunicação humana; no livro, simboliza a castração verbal a ques eram submetidos pretos e indígenas, no brasil, desde cabral; a perda da língua e a necessidade de se comunicar com ajuda da irmã bibiana expõe sorororidade, valor à união e consciência de suas origens
mulheres - donana, salustiana, belonísia e santa rita pescadeira representam a história acumulada pela ancestralidade que sofreu peso do racismo institucional mas que graças às suas origens souberam resistir e, de alguma forma, enfrentar essas adversidades

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saber mais:



sexta-feira, 10 de julho de 2020

jogo de cartas marcadas - drummond #4



jogo de cartas marcadas sim. o mineiro de itabira escreveu demais, publicou demais, poderia ter sido mais econômico, menos verborrágico. mas cada um, cada um.

tem lá seu "máquina do mundo", bom texto. fez aquele "no meio do caminho", no primeiro livro que o fez popular. nem "áporo" -- seu melhor poema -- é tão comentado quanto esse da pedra. é pouco, convenhamos.


quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

romanceiro da inconfidência - cecília meireles






ROMANCEIRO DA INCONFIDÊNCIA  - -  -
narrativa que revê, no século 20, as atrocidades e frustrações do movimento libertário do século 18, em minas gerais.

prevalece o tom evocativo e espiritualista, estilo da poetisa.

há clima de ansiedade e mistério

apesar da subjetividade inerente ao estilo da autora, há marcas do gênero épico, que se percebem no caráter nacionalista e histórico. além, claro, de certo teor heroico na caracterização dos chamados "inconfidentes".

já escrevi, mas repito: "inconfidente" é designação que portugueses deram aos brasileiros que reclamavam das cobranças injustas de impostos sobre o ouro -- dentre outras questões. "confidente"é quem confia. "inconfidente" é traidor. logo, brasileiros chamarem outros brasileiros de "traidores" é incoerente. 
contudo, esse nome -- título do livro de cecília -- está absorvido pela cultura brasileira, parece difícil mudar. prefiro usar "conjura".

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SAIBA MAIS
- assista !