dos doze versos, pelo menos quatro com cinco sílabas poéticas, sugerindo, logo de início, um ritmo tradicional, a redondilha menor.
as lentes dos óculos mentem a realidade. as lentes podem ser essa representação de consumismo, como já se viu no poema "ao shopping center", no mesmo livro. as lentes são parte de um sistema social que dirige a pessoa, faz com que ela perca noção de realidade e passe a se comportar de acordo com o que outros querem. a identidade do poeta fica em risco. o verso "são eles que vêem" confessa a presença desse sistema. a citação a édipo refere-se ao final da tragédia grega, quando este fura os olhos, cegando a si mesmo, para não ver a realidade. logo, os óculos se apresentam como aquele filtro enganoso... talvez pior do que isso: aquilo que cega mesmo.
[in: "prosas seguidas de odes mínimas", cia das letras] . .. . . . . . . . . . . . . . . .
criticando o consumismo, o eu lírico junta o espaço do shopping ao momento do julgamento final, à moda católica. o poeta afirma que "vagamos sem perdão", uma vez que o consumismo é símbolo de vaidade, ação tão condenada pelos católicos. olhem, gostar de si, querer agradar ao próprio ser é ruim para essa religião porque é a chance de que a pessoa seja mais dona de seus próprios atos e deixe de dar ouvidos a histórias de outros mundos.
aqui, o eu lírico não está criticando o catolicismo e suas leis punidoras, pelo contrário, condena os que frequentam shoppings centers e os trata como seres vazios. "cada loja é um prego" significa o erro de ser consumista, ou seja, ir ao shopping tira da pessoa a chance de ir à igreja. o poeta pune aquele(a) que compra. o texto tem o caráter de uma "ode", ou seja, uma homenagem, na tradição clássica. no caso, uma grande ironia, como se lê ao final. essas pessoas consumistas vazias esperam o grande perdão por serem o que são: consumidores. "grande liquidação", ao final, é trocadilho digno de aplauso. é instigante. é literatura.
Não vi terras de passagem Não vi glórias nem escombros.
Guardei no fundo da mala um raminho de alecrim.
Apaguei a luz da sala que ainda brilhava por mim.
Fechei a porta da rua a chave joguei no mar.
Andei tanto nesta rua que já não sei mais voltar.
[in "prosas seguidas de odes mínimas", cia das letras] . . . . . . . . . . . . . . . . . .
poema paródia do adocidado "canção do exílio", gonçalves dias, 1843. aqui, século 20, ao contrário das boas expectativas no citado poema romântico, temos dose de pessimismo. texto de caráter narrativo, revela que o poeta não viu, no passado, nem "glória" nem "escombro", ou seja, nada de ruim ou bom. no fundo da mala, ou seja, dentro de si, vai um ramo de alecrim. na tradição europeia, era chamado de "rosmarino" -- flor do mar, para os romanos. aqui pelo país, é costume crer que o alecrim afasta inveja ou pesadelo. veja, mesmo não enxergando nada de ruim, no passado, melhor prevenir e botar alecrim na mala. é o medo. insegurança. o eu lírico fecha a casa, joga a chave no mar, ou seja, busca distanciar-se de suas origens, de seus possíveis problemas, quer mudar de vida. a expectativa sobre o que esse eu lírico faz depois de tudo é quebrada, porque, no final, se descobre que talvez ele tenha se arrependido e só não volta porque se perdeu. outra leitura possível para esse desfecho você mesmo pode criar. é divertido. é literatura.