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quinta-feira, 21 de março de 2024

balancete - josé paulo paes - comentário

 


[ J P Paes - 1926-88 ]

      BALANCETE   
                                        José Paulo Paes 

   A esperança: flor
   seca mas (acaso
   ou precaução?) guardada
   entre as páginas de um livro.

   A incerteza: frio
   de faca cortando
   em porções cada vez menores
   a laranja dos dias.

   O amor: latejo
   de artéria entupida
   por onde o sangue se obstina
   em fluir.

   A morte: esquina
   ainda por virar
   quando já estava quase esquecido
   o gosto de virá-las.

          [in "prosas seguidas de odes mínimas", cia das letras]

balancete :  documento que mostra movimentações financeiras em um certo período, numa empresa; serve também para identificar prejuízo ou lucro

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numa gradação que indica fim de vida, "balancete" apresenta pequena lista de temas que são caros ao humano comum, como "esperança", "dúvida" (medo); "amor" e "morte".

aqui, cada tema é tratado de modo a expor o seu lado triste, estéril, num pessimismo digno de fim de século.
a flor entre páginas de livro dá falsa esperança de que ainda haveria vida por ali. agora, cortar laranjas em porções menores fornece ideia de um desespero, necessidade de guardar, de adiar o fim da fruta, adiar o fim da vida...
ao final, a morte seria esse virar de página, ou seja, uma passagem para outras esferas... interessante que, na primeira estrofe, a metáfora da esperança esteja num livro com flor seca dentro. ao final, nova metáfora envolvendo livro: virar página da vida. o fim.

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  saiba mais:


quinta-feira, 1 de junho de 2023

aos óculos - josé paulo paes - comentário

 


         AOS ÓCULOS   [ José Paulo Paes ]

    só fingem que põem
 
    o mundo ao alcance

    dos meus olhos míopes.

    já não vejo as coisas

    como são: vejo-as como querem

    que eu as veja.
 
    logo, são eles que vêem,

    não eu que, cônscio

    do logro, lhes sou grato

    por anteciparem em mim

    o Édipo curioso

    de suas próprias trevas.

    [in "prosas seguidas de odes mínimas", 1992]

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dos doze versos, pelo menos quatro com cinco sílabas poéticas, sugerindo, logo de início, um ritmo tradicional, a redondilha menor.
as lentes dos óculos mentem a realidade. as lentes podem ser essa representação de consumismo, como já se viu no poema "ao shopping center", no mesmo livro. as lentes são parte de um sistema social que dirige a pessoa, esse sistema faz com que ela perca noção de realidade e passe a se comportar de acordo com o que outros querem. a identidade do poeta fica em risco. o verso "são eles que vêem" confessa a presença desse sistema.
a citação a édipo refere-se ao final da tragédia grega, quando este fura os olhos, cegando a si mesmo, para não ver a realidade. logo, os óculos se apresentam como aquele filtro enganoso... talvez pior do que isso: aquilo que cega mesmo.
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  saber mais? veja-me!