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sábado, 17 de agosto de 2024

ceia - josé paulo paes

 

                                                          José P Paes  1926-98 

    C E I A

   Pesca no fundo de ti mesmo o peixe mais luzente.
   Raspa-lhe as escamas com cuidado: ainda sangram.

   Põe-lhe uns grãos do sal que trouxeste das viagens
   e umas gotas de todo o vinagre que tiveste de beber
                                                                        na vida

   Assa-o depois nas brasas que restem em meio
   a tanta cinza

  Serve-os aos teus convivas, mas com pão e vinho
  do trigo que não segaste, da uva que não colheste

  mas que de alguma forma foram pagos
  em tempo ainda hábil

  pelo teu muito suor e por um pouco do teu sangue
  Não te desculpes da modéstia da comida

  Ofereceste o que tinhas de melhor

  Podes agora dizer boa-noite, fechar a porta, apagar a luz

   e ir dormir profundamente. 

    Estamos quites
   tu e eu, teu mais hipócrita leitor

                   [ prosas seguidas de odes mínimas, 1992 ]

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poesia que encerra a primeira parte do livro "prosas seguidas de odes mínimas", 1992.

são duas as partes, a saber: "prosas" com vinte textos e "odes mínimas", 13 poemas.

esta "ceia" evoca uma ideia de finitude. tem marca bíblica sim, do novo testamento. o catolicismo aparece em outros poemas, como "ao shopping center" e "a um recém-nascido", por exemplo.
aqui, numa paráfrase da refeição clássica de cristo, o eu lírico (um leitor bíblico) se dirige a jesus: pede a ele que use peixe na ceia. uma atividade trivial que humaniza um tanto a figura divina.
a presença da morte, no eufemismo "dormir profundamente" também traz o filho de deus para mais perto

"dormir profundamente" lembra manuel bandeira e seu "profundamente".

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