domenico de masi. a partir de entrevista dada a maria palieri, sai o livro "o ócio criativo". ano 2000.
o sociólogo italiano trata das relações do homem moderno com o trabalho e prega a valorização do tempo para si como índice de criatividade e bem estar.
"o homem que trabalha perde tempo precioso", diz domenico.
logo o início da leitura, fica-se sabendo que sua ideia sobre "ócio criativo" passa pelo seguinte raciocíonio: quando atividades como trabalho, jogo (prazeres) e estudo se misturam, se aproximam muito, tem-se uma síntese dessa ideia, o tal ócio criativo.
a entrevista caminha e o sociólogo descreve a sociedade industrial entre final do século 19 e começo do 20. usa como exemplo a ford e sua linha de montagem que censura pensamento.
ainda no início do livro, maria palieri questiona sobre uma certa visão acomodada da sociedade sobre os ritmos da vida industrial. a entrevistadora expõe que ainda se gastam quinze anos ou vinte de estudos para depois consumirem-se mais uns trinta de trabalho e fazer quase nada por si, no pouco tempo que sobrar. o discurso da pergunta é o mais longo do livro. ela -- a entrevistadora -- continua e questiona que haja uma certa visão natural da vida na era industrial que impede alguém de pensar um diferente modo de viver.
"carpe diem" é expressão comum a quem estuda, nas literaturas latinas, o século 18, principalmente. a expressão é anterior a isto, diga-se, mas ganhou fama no iluminismo, através da poesia de caráter pastoril, ligada ao viver de modo rústico, na contemplação etc etc. o resto em claudio manuel da costa ou alguns poemas do gonzaga. neste início de julho, 2020, teve quem usasse esta expressão latina para ir à rua, cometer as aglomerações em bares pelo país, simplesmente porque a vontade mandou e o individualismo consagrou. desde meados dos anos 1990, população ocidental vendo dando de ombros para instituições seculares como universidades, bibliotecas, parte da imprensa... pessoas -- já disse noam chomsky -- não creem nos fatos, não acreditam em pessoas, por que iriam repetir que a terra é redonda, que o vírus xis mata, que nazismo é de direita... por quê? é tenebroso como a ignorância é mãe da violência. a ignorância é a verdadeira pandemia. é disso que morremos, cada dia.
duras batalhas são travadas e ainda serão, por tempo. uma delas é a interna, envolve centralizar-se, buscar alguma harmonia e enfrentar essa avalanche de idiotização, ódio e crimes contra a humanidade, aqui, pelo brasil
continuo acreditando que é pela escola que conseguiremos algum resultado, alguma chance de plantar civilidade.
muita gente desorientada ou ressentida nesses últimos cem anos -- só pra ficar na segurança -- jogou pedra em quem criticou o capitalismo, principalmente naquela época da guerra fria e, hoje, continua atacando que não crê no capitalismo assim como aplaude a bizarrice intelectual do discurso deste presidente brasileiro que assumiu em janeiro 2019.
muita gente jogou pedra mas... mas... estão tomando ciência que só o capitalismo destrói meio ambiente e produz miséria. tinha de ser simples entender isso, mas às vezes, precisa doer em alguma parte do corpo pra se fazer notar.
não sei se é, necessariamente, o socialismo a solução. nem estou afim de lidar com isso, agora. o que sei e você também, é que esse sistema econômico é autofágico. não dá pra ser esperançoso com o capitalismo que destrói pelo bem ocasional do lucro. devia ser simples.
enquanto uma revolução não chega -- ou o nosso fim -- melhor é cuidar um pouco do futuro promovendo atividades na escola. gincanas, olimpíadas, campanhas comunitárias, qualquer coisa que envolva exercício com o outro pelo bem comum.
narrado em primeira
pessoa, luís da silva relata sua vida, em alagoas, como funcionário de
repartição pública e de um jornal, ligado ao governo do estado, onde faz
crítica literária, em maceió. século 20. década de 30.
muitos crimes
depois da revolução de 30. valeria a pena escrever isto? impossível, porque eu
trabalhava em jornal do governo.
órfão do pai -- camilo -- luís se mostra, na
vida adulta, muito rejeitado. solitário profissional. seus companheiros são moisés e pimentel.
vivo agitado, cheio de terrores, uma tremura nas mãos
(...) dão-me um ofício, um relatório, para datilografar, na repartição. até dez
linhas vou bem. daí em diante a cara balofa do julião tavares aparece em cima
do original, e os meus dedos encontram no teclado uma resistência mole de carne
gorda. (...)
em duas horas escrevo uma palavra: marina. depois,
aproveitando as letras desse nome, arranjo coisas absurdas: “ar”, “mar”,
“rima”, “ira”, “amar”. uns vinte
nomes.(...) o artigo que me pediram afasta-se do papel. é verdade que tenho cigarro e tenho
o álcool, mas quando bebo demais ou fumo demais, a minha tristeza cresce. tristeza e raiva. “ar”, “mar”, “ria”, “arma”, “ira”. passatempo estúpido.
trinta e cinco anos de
idade, luís se ressente da vida que leva, recebendo ordens para escrever
artigos, ora datilografando relatórios, sempre de cabeça baixa.
numa tarde, durante a
leitura de um romance, divisou a vizinha, unhas pintadas.
eu estava debaixo da mangueira, de onde via através da
cerca baixa o banheiro da casa vizinha, paredes pegadas com o meu, algumas
roseiras, algumas roseiras e um vulto que se mexia (...) era uma sujeitinha
vermelhaça, de olhos azuis e cabelos tão amarelos que pareciam oxigenados. não
havia nada interessante nela. devia ser moradora nova. cabelos pegando fogo e a
cara pintada. lambisgóia, falei comigo mesmo. depois notei que ela me
observava. encabulei. sou tímido. sei que sou feio. olhos, braços e boca muito
grande, além de um nariz grosso. (...)
a tal moça vermelha
era marina
naturalmente gastei meses construindo esta marina que vive dentro de mim, que é diferente da outra, mas se confunde com
ela. antes de eu conhecer a mocinha dos cabelos de fogo, ela me parecia
dividida numa grande quantidade de pedaços de mulher, e às vezes os pedaços não
se combinavam bem, davam-me a impressão de que a vizinha estava desconjuntada.
Agora mesmo temo deixar aqui uma sucessão de peças e de qualidades: nádegas,
coxas, olhos, braços, inquietação, vivacidade, amor ao luxo, quentura,
admiração a d. mercedes. (...) além disso ela era meiga, muito limpa. (...) passava uma hora no banheiro, e a roupa branca que vestia cheirava. (...)
á memória de luís,
conforme o relato caminha, aparecem tanto a figura do pai, camilo pereira da silva, como a de josé baía, contador de histórias de onça, além de outras
passagens do tempo de menino, como assistir ao trato com o gado, por mestre amaro ou lembrar o dia em que uma cobra se enrodilhou no pescoço do velho trajano.
o tempo passa e o
narrador percebe que seria patética uma disputa com tavares, mais rico, mais
poderoso. além do mais, marina estava pendendo para o lado do sujeito, roupas
bem cortadas, indo a passeios, teatro e cinema.
do seu próprio banheiro,
tempos mais tarde, percebe que a moça cuspia no chão e a voz de d. amélia, preocupada:
ela estava grávida e tavares não aparecia mais como antes... possuído de raiva
pensa em matar julião.
se marina voltasse... por que não? se voltasse
inteiramente esquecida de julião tavares, seríamos felizes. Absurdo pretender
que uma pessoa passe a vida com olhos fechados e vá abri-los exatamente na hora
em que aparecemos diante dela.
compõem o dia-a-dia de luís, a figura de ivo, homem simplório, às vezes bêbado; antônia, moça que vive
procurando homem; rosália e seus gemidos ouvidos de seu quarto, quando chega o
marido que ele nunca vira; as histórias repetidas de seu ramalho, como a do
moleque, retalhado à faca por ter deflorado uma moça; além do café onde, quase
sempre, esbarra no próprio ex-amante de marina.
medo da opinião pública? não existe opinião pública. o leitor de jornais admite uma chusma de opiniões desencontradas, assevera isto,
assevera aquilo, atrapalha-se e não sabe para que banda vai. (...) penso no
tempo em que os homens não liam jornais. penso em filipe benigno, que tinha um
certo número de ideias bastante seguras, no velho trajano, que tinha ideias
muito reduzidas, em mestre domingos, que era privado de ideias e vivia feliz. e lamento essa balbúrdia, essa torre de babel em que se atarantam os frequentadores
do café. quero bradar:
— eles escrevem assim porque receberam ordem
para escreverem assim. depois escreverão de outra forma. é tapeação, é safadeza
sem muito esforço, descobre que tavares estava tendo
um caso com uma moça que trabalhava numa loja de miudezas. pela madrugada,
seguiu-o até a casa, nas cercanias da cidade. esperou que saísse e o atacou com
uma corda, sufocando-o. influenciado pela visão do velho evaristo, enforcado, luís tenta transformar o crime em suicídio e procura pendurar o corpo na árvore,
mas acaba se machucando nas mãos e rasgando parte da roupa. desiste, quase
esquece o chapéu, tenciona voltar, mas acaba mesmo no rumo de casa. lá, mal
descansa, fica assustado.
falta ao trabalho no dia seguinte, assusta-se com um
pedinte, à porta, acreditando ser a polícia. cai de cama, com delírios, vendo
fatos passados, misturados, vagando por sua mente.
a narrativa inicia-se cerca de trinta dias após o narrador recuperar-se do
assassinato de tavares, e dura praticamente um ano — no tempo da narrativa,
apesar de prevalecer o tempo psicológico. luís vive num cenário por onde
passeiam prostitutas, velhacos, aproveitadores, pobres de espírito, enfim, um beco
sem saídas. vez por outra, surgem imagens de afogamentos, pesadelos com figuras
enforcadas ou a cobra enrolada no pescoço de trajano. quanto ao tempo,
confundem-se o psicológico e o cronológico. misturam-se. da primeira à última
página, dura o romance cerca de um ano. este é o tempo que cobre desde o
conhecimento de marina até a morte de julião. contudo sobram memória,
reminiscência e dor. referências à infância, o momento presente é evocado com a
tensão que os comunistas sofreram, na era vargas. a auto-estima baixa do
narrador traz à tona cenas da vida na época da adolescência, no campo, sua
relação curta e “inaugural” com berta, as imagens da fazenda, na época do avô e
a escola do antônio justino. pois bem, em meio ao dia-a-dia sofrido, cujo ponto
principal de dor é o rompimento com Marina, pululam imagens do passado, desde o
homem enforcado, o pai morto ou a tal cobra no pescoço do avô trajano. há quem
diga que a dor de luís mora na sua extrema carga de realidade que suporta na
frente dos olhos, mas isso é conversa de psicanalista
repare num trecho -- registrado acima -- quando luís se refere à imprensa: muita gente é enganada, acaba acreditando na realidade que lhes entregam... é tapeação, diz luis... imprensa é paga (comprada) para favorecer coronéis, acobertar crimes
a técnica do monólogo interior,é, aqui, motivo de comoção junto ao leitor. a alternância do uso do tempo, em planos diferentes, dá ao texto uma intensidade
e carga emotiva que poucos neste século XX conseguiram... talvez lúcio cardoso,
talvez clarice... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
"O capitalismo e a democracia liberal triunfaram sobre o fascismo em 1945 e sobre o comunismo no começo dos anos 1990 com a queda da União Soviética. Com a dissolução da União Soviética e o advento da globalização, seus destinos foram desenredados. A crescente bifurcação entre a democracia e o capital é a nova ameaça para a civilização. (...) Nesta nova paisagem, o conhecimento será definido como conhecimento para o mercado. O próprio mercado será re-imaginado como o mecanismo principal para a validação da verdade. Como os mercados estão se transformando cada vez mais em estruturas e tecnologias algorítmicas, o único conhecimento útil será algorítmico. Em vez de pessoas com corpo, história e carne, inferências estatísticas serão tudo o que conta. As estatísticas e outros dados importantes serão derivados principalmente da computação. Como resultado da confusão de conhecimento, tecnologia e mercados, o desprezo se estenderá a qualquer pessoa que não tiver nada para vender. (...)" [ Achille Mbembe, professor camaronês ] a nova distopia, a nova tempestade de ignorância e violência contra liberdades veio e já está se instalando. é inegável que a ascensão do novo fascismo e da ultra-direita colocam em risco não só a democracia como a própria vida de quem ousar pensar diferente. em busca de um lugar à sombra de um banco, a nova sociedade capitalista se diz empreendedora e isso, em tese, é até bom. um novo estado de relações está se criando sob o signo do mercado, do algoritmo. por quê? o que significa? saiba mais aqui :
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