ANGÚSTIA
romance - - - -
narrado em primeira
pessoa, luís da silva relata sua vida, em alagoas, como funcionário de
repartição pública e de um jornal, ligado ao governo do estado, onde faz
crítica literária, em maceió. século 20. década de 30.
muitos crimes
depois da revolução de 30. valeria a pena escrever isto? impossível, porque eu
trabalhava em jornal do governo.
órfão do pai -- camilo -- luís se mostra, na
vida adulta, muito rejeitado. solitário profissional. seus companheiros são moisés e pimentel.
vivo agitado, cheio de terrores, uma tremura nas mãos
(...) dão-me um ofício, um relatório, para datilografar, na repartição. até dez
linhas vou bem. daí em diante a cara balofa do julião tavares aparece em cima
do original, e os meus dedos encontram no teclado uma resistência mole de carne
gorda. (...)
em duas horas escrevo uma palavra: marina. depois,
aproveitando as letras desse nome, arranjo coisas absurdas: “ar”, “mar”,
“rima”, “ira”, “amar”. uns vinte
nomes. (...) o artigo que me pediram afasta-se do papel. é verdade que tenho cigarro e tenho
o álcool, mas quando bebo demais ou fumo demais, a minha tristeza cresce. tristeza e raiva. “ar”, “mar”, “ria”, “arma”, “ira”. passatempo estúpido.
trinta e cinco anos de
idade, luís se ressente da vida que leva, recebendo ordens para escrever
artigos, ora datilografando relatórios, sempre de cabeça baixa.
numa tarde, durante a
leitura de um romance, divisou a vizinha, unhas pintadas.
eu estava debaixo da mangueira, de onde via através da
cerca baixa o banheiro da casa vizinha, paredes pegadas com o meu, algumas
roseiras, algumas roseiras e um vulto que se mexia (...) era uma sujeitinha
vermelhaça, de olhos azuis e cabelos tão amarelos que pareciam oxigenados. não
havia nada interessante nela. devia ser moradora nova. cabelos pegando fogo e a
cara pintada. lambisgóia, falei comigo mesmo. depois notei que ela me
observava. encabulei. sou tímido. sei que sou feio. olhos, braços e boca muito
grande, além de um nariz grosso. (...)
a tal moça vermelha era marina
naturalmente gastei meses construindo esta marina que vive dentro de mim, que é diferente da outra, mas se confunde com ela. antes de eu conhecer a mocinha dos cabelos de fogo, ela me parecia dividida numa grande quantidade de pedaços de mulher, e às vezes os pedaços não se combinavam bem, davam-me a impressão de que a vizinha estava desconjuntada. Agora mesmo temo deixar aqui uma sucessão de peças e de qualidades: nádegas, coxas, olhos, braços, inquietação, vivacidade, amor ao luxo, quentura, admiração a d. mercedes. (...) além disso ela era meiga, muito limpa. (...) passava uma hora no banheiro, e a roupa branca que vestia cheirava. (...)
á memória de luís,
conforme o relato caminha, aparecem tanto a figura do pai, camilo pereira da silva, como a de josé baía, contador de histórias de onça, além de outras
passagens do tempo de menino, como assistir ao trato com o gado, por mestre amaro ou lembrar o dia em que uma cobra se enrodilhou no pescoço do velho trajano.
o tempo passa e o
narrador percebe que seria patética uma disputa com tavares, mais rico, mais
poderoso. além do mais, marina estava pendendo para o lado do sujeito, roupas
bem cortadas, indo a passeios, teatro e cinema.
do seu próprio banheiro,
tempos mais tarde, percebe que a moça cuspia no chão e a voz de d. amélia, preocupada:
ela estava grávida e tavares não aparecia mais como antes... possuído de raiva
pensa em matar julião.
se marina voltasse... por que não? se voltasse
inteiramente esquecida de julião tavares, seríamos felizes. Absurdo pretender
que uma pessoa passe a vida com olhos fechados e vá abri-los exatamente na hora
em que aparecemos diante dela.
compõem o dia-a-dia de luís, a figura de ivo, homem simplório, às vezes bêbado; antônia, moça que vive
procurando homem; rosália e seus gemidos ouvidos de seu quarto, quando chega o
marido que ele nunca vira; as histórias repetidas de seu ramalho, como a do
moleque, retalhado à faca por ter deflorado uma moça; além do café onde, quase
sempre, esbarra no próprio ex-amante de marina.
medo da opinião pública? não existe opinião pública. o leitor de jornais admite uma chusma de opiniões desencontradas, assevera isto,
assevera aquilo, atrapalha-se e não sabe para que banda vai. (...) penso no
tempo em que os homens não liam jornais. penso em filipe benigno, que tinha um
certo número de ideias bastante seguras, no velho trajano, que tinha ideias
muito reduzidas, em mestre domingos, que era privado de ideias e vivia feliz. e lamento essa balbúrdia, essa torre de babel em que se atarantam os frequentadores
do café. quero bradar:
— eles escrevem assim porque receberam ordem
para escreverem assim. depois escreverão de outra forma. é tapeação, é safadeza
sem muito esforço, descobre que tavares estava tendo
um caso com uma moça que trabalhava numa loja de miudezas. pela madrugada,
seguiu-o até a casa, nas cercanias da cidade. esperou que saísse e o atacou com
uma corda, sufocando-o. influenciado pela visão do velho evaristo, enforcado, luís tenta transformar o crime em suicídio e procura pendurar o corpo na árvore,
mas acaba se machucando nas mãos e rasgando parte da roupa. desiste, quase
esquece o chapéu, tenciona voltar, mas acaba mesmo no rumo de casa. lá, mal
descansa, fica assustado.
falta ao trabalho no dia seguinte, assusta-se com um
pedinte, à porta, acreditando ser a polícia. cai de cama, com delírios, vendo
fatos passados, misturados, vagando por sua mente.
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IMPORTANTE
a narrativa inicia-se cerca de trinta dias após o narrador recuperar-se do
assassinato de tavares, e dura praticamente um ano — no tempo da narrativa,
apesar de prevalecer o tempo psicológico. luís vive num cenário por onde
passeiam prostitutas, velhacos, aproveitadores, pobres de espírito, enfim, um beco
sem saídas. vez por outra, surgem imagens de afogamentos, pesadelos com figuras
enforcadas ou a cobra enrolada no pescoço de trajano. quanto ao tempo,
confundem-se o psicológico e o cronológico. misturam-se. da primeira à última
página, dura o romance cerca de um ano. este é o tempo que cobre desde o
conhecimento de marina até a morte de julião. contudo sobram memória,
reminiscência e dor. referências à infância, o momento presente é evocado com a
tensão que os comunistas sofreram, na era vargas. a auto-estima baixa do
narrador traz à tona cenas da vida na época da adolescência, no campo, sua
relação curta e “inaugural” com berta, as imagens da fazenda, na época do avô e
a escola do antônio justino. pois bem, em meio ao dia-a-dia sofrido, cujo ponto
principal de dor é o rompimento com Marina, pululam imagens do passado, desde o
homem enforcado, o pai morto ou a tal cobra no pescoço do avô trajano. há quem
diga que a dor de luís mora na sua extrema carga de realidade que suporta na
frente dos olhos, mas isso é conversa de psicanalista
repare num trecho -- registrado acima -- quando luís se refere à imprensa: muita gente é enganada, acaba acreditando na realidade que lhes entregam... é tapeação, diz luis... imprensa é paga (comprada) para favorecer coronéis, acobertar crimes
a técnica do monólogo interior,é, aqui, motivo de comoção junto ao leitor. a alternância do uso do tempo, em planos diferentes, dá ao texto uma intensidade
e carga emotiva que poucos neste século XX conseguiram... talvez lúcio cardoso,
talvez clarice...
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