caio fernando abreu [1948-96]
"diálogo", do livro "morangos mofados", texto em discurso direto, na estrutura de um drama, uma peça teatral. veja as primeiras linhas e o final:
A: Você é meu companheiro.
B: Hein?
A: Você é meu companheiro, eu disse.
B: O quê?
A: Eu disse que você é meu companheiro.
B: O que é que você quer dizer com isso?
A: Eu quero dizer que você é meu companheiro. Só isso.
B: Tem alguma coisa atrás, eu sinto.
A: Não. Não tem nada. Deixa de ser paranóico.
(...)
A: Eu quero que você seja meu companheiro, eu disse.
B: O quê?
A: Eu disse que eu quero que você seja meu companheiro.
B: Você disse?
A: Eu disse?
B: Não. Não foi assim: eu disse.
A: O quê?
B: Você é meu companheiro.
A: Hein?
(ad infinitum)
[ fim ]
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enquanto "A" questiona B sobre ser seu companheiro, "B" desconversa. até que na última fala de "B", este assume que é o companheiro de "A" mas agora é "A" que parece não entender. e assim deve seguir o diálogo, confuso, sem a interação objetiva. um diálogo interditado pela dificuldade de compreensão entre ambos. até o infinito. é a falta de entendimento. o assunto aqui é ser companheiro do outro. pois que no final século 20 -- de onde veio o livro de caio --, em alguns setores da sociedade, referir-se a alguém como "companheiro", "companheira" era sinal de intimidade, confiança, compromisso, amor mesmo. pelo jeito, neste caso, o amor truncado, a falta de clareza e o medo imperam na troca de palavras, nesse texto que abre "morangos mofados".
o livro, como um todo, traz a tônica de relações truncadas, quebra de expectativa e frustrações, além de poucos momentos de prazer.
o texto "diálogo" -- com perdão da redundância -- dialoga com "além do ponto", narativa do mesmo livro "morangos mofados".
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