Mostrando postagens com marcador soldado. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador soldado. Mostrar todas as postagens

sábado, 22 de fevereiro de 2025

a embaixada americana - chimamanda adichie



"a embaixada americana", conto do livro "no seu pescoço", chimamanda.
tempo da narrativa: final dos anos 1990 e início da década seguinte.

começa assim: 

Ela estava na fila diante da embaixada americana em Lagos, olhando fixamente para a frente, quase imóvel, com uma pasta azul cheia de documentos enfiada debaixo do braço. Era a quadragésima oitava pessoa numa fila de cerca de duzentas, (...) Ela ignorou os jornaleiros que usavam apitos e enfiavam exemplares do The Guardian, do The News e do The Vanguard na sua cara. E também os mendigos que andavam para cima e para baixo estendendo pratos esmaltados. E ainda as bicicletas dos sorveteiros, que buzinavam. (...) 

O conto "embaixada americana" se passa na nigéria, em lagos -- a maior cidade do país --, onde se vê uma mulher anônima na fila para solicitar um visto para os estados unidos. ela busca asilo político

Foi então que Ugonna começou a chorar, correndo até ela. O homem de camisa com capuz estava rindo, dizendo como o corpo dela era macio, brandindo a arma. Ugonna começou a gritar; ele nunca gritava quando chorava, não era esse tipo de criança. Então a arma disparou e o dendê surgiu no peito de Ugonna (...) 

enquanto está na fila, ela observa um homem ser espancado pela guarda da embaixada, assim como mendigos e ambulantes de toda ordem. também fica-se sabendo que por criticar -- no jornal "the new nigeria" -- a situação política do país, o marido da moça foge para o benin. mais tarde, três homens invandem a casa deles a procura do jornalista. lá estão apenas a moça e seu filho ugonna eles não encontram e por causa do choro da criança um deles atira e mata o menino. a moça então resolve pedir asilo na embaixada. lá, não consegue provoar que o assassinato de seu filho foi feito pelo governo, pelo estado. 

Duvidava que a funcionária soubesse dos jornais pró-democracia ou das longas filas de pessoas cansadas diante dos portões da embaixada, (...) “Senhora? Os Estados Unidos oferecem uma nova vida para vítimas de perseguição política, mas é necessário haver prova…” Uma nova vida. Foi Ugonna quem lhe deu uma nova vida, (...) ela aceitou essa nova identidade que ele fez surgir, a nova pessoa que se tornou por causa dele. “Eu sou a mãe do Ugonna”, dizia ela na creche, para os professores, para os pais das outras crianças. (...) 

detalhe: "ugonna" é variação fonética de "you gone" (você se foi).
vale lembrar que a imagem do filho morto em seus braços fez com que esta mãe fantasiasse que um tanto de azeite de dendê, bem vermelhado, tinha sido derrubado na roupa. mas era sangue: marca do tiro.

“Senhora? Senhora?” Será que ela estava imaginando, ou a simpatia estava desaparecendo do rosto da funcionária? Ela viu o gesto rápido com que a mulher jogou o cabelo castanho-avermelhado para trás, (...) O futuro dela dependia daquele rosto. O rosto de uma pessoa que não a compreendia, que não devia cozinhar com azeite de dendê, ou não devia saber que o azeite de dendê, quando estava fresco, tinha um tom muito, muito vermelho, (...) Ela se virou devagar e caminhou para a saída. “Senhora?”, disse a funcionária às suas costas. Ela não se virou. Saiu da embaixada americana, passou pelos mendigos que ainda faziam as rondas esticando seus pratos esmaltados e entrou no carro.        [ fim ]

por isso, chama atenção que a responsável, na embaixada, pela sua salvação tivesse cabelo avermelhado. ou seja, algo nada acolhedor, para aquele momento.
       . . . . . . .  .   .    .     .

  temas para debate:

  1. papel da imprensa na vida política de um país

  2. crianças vítimas de conflito político

  3. abusos à figura feminina

   . . . .  .  .   .    .

    saiba mais 


sábado, 4 de dezembro de 2021

moça e soldado - carlos drummond - comentário

 

   MOÇA E SOLDADO

 Meus olhos espiam
 a rua que passa.

 Passam mulheres,
 passam soldados.
 Moça bonita foi feita para
 namorar.
 Soldado barbudo foi feito para
 brigar.
 Meus olhos espiam
 as pernas que passam.
 Nem todas são grossas...
 Meus olhos espiam.
 Passam soldados.
 ... mas todas são pernas.
 Meus olhos espiam.
 Tambores, clarins
 e pernas que passam.
 Meus olhos espiam
 espiam espiam
 soldados que marcham
 moças bonitas
 soldados barbudos
 …para namorar,
 para brigar.
 
 Só eu não brigo.
 Só eu não namoro.

    [carlos drummond - alguma poesia, 1930]

poema de versos brancos, à moda do primeiro modernismo. segundo a crítica, o livro "alguma poesia" (1930) abre a segunda fase desse modernismo. uma honra para o mineiro de muitos livros.
o eu lírico, em "moça e soldado" é figura pacata que só observa o cotidiano. 
repare que é a rua quem passa e não ele, nessa perspectiva do tímido.

"moça e soldado" explicita uma antítese, uma contradição entre o prazer e o dever; entre a beleza (moça) e a chatice -- o incômodo (confrontos, brigas).
essa contradição acaba trazendo, no fim, algo em comum que é justamente o fato de que o poeta não tem a moça muito menos poder de briga. eu ia escrever "poder de fogo", desisti.
e mais: a repetição da palavra "pernas" vai ao encontro do que se lê em "no meio do caminho", poema do mesmo livro. explicando: as pernas passam e o eu lírico não muda de postura. não reage, apenas olha. as pernas passam, tanto a das moças como a dos soldados. o poeta nada faz. apenas contempla. ele continua menor, importente, diminuído. é a tônica dos primeiros livros do poeta, esse "eu menor que o mundo". em "no meio do caminho" o poeta não usa as pernas, porque, diante da pedra, nada faz.
há o machismo inerente à cultura das nossas gentes, principalmente, século 20 pra trás: "moça bonita foi feita pra namorar". reparem, não é qualquer moça... precisa ser bonita. é chato. é drummond.

. . . . . . 

saiba mais



pedras no sapato

  no livro " f elicidade ", gianetti expõe que no século 18, o período iluminista apresentava uma equação que pressupunha uma harm...

postagens mais vistas