25 de março - narcisa amália

 



   VINTE E CINCO DE MARÇO

 

A noite sepulcral dos tempos idos

Plácida avulta a merencória esfinge,

Esplêndido fanal que esclarecera

       A crente multidão!


Monumento do verbo grandioso

Deste povo titã, débil ainda...

Centelha sideral aque fecundara

         A seiva da nação! 


Lacerado o sendálio tenebroso

Que nos velava os livres horizontes.

Entoa o continente americano

      Um hino colossal;


Mais vivida no peito a fé rutila,

Mais nobres s'erguem dos heróis os bustos

Cingidos pela flama deslumbrante

     Da glória perenal.


Mas tu projetas o negror no espaço

Que sobre nós desata-se em sudário!

Mas teu hálito extingue a luz benéfica

      Que acendera o Senhor!


Maldição! Maldição! A liberdade

Vê de lodo o seu manto salpicado...

Do vulcão popular a ígnea lava

         Desmaia sem calor.

Raiaste como o símbolo

Do traidor Antíteo, mentindo ao orbe,

E os louros virgens da nação sorveste

         Como hidra voraz!


Roubaste ao povo a palma do triunfo.

Recompuseste a algema ao pó lançada,

Emoldaste no bronze a estátua fria

        Da mentira loquaz!


Das espaldas robustas da montanha

A pedra derrocada, abate selvas:

A avalanche vacila lá nos Alpes..

      Convulsam terra e mar!


Resvalaste, padrão de cobardia

Pelos áureos degraus do sólio augusto.

E a santa aspiração, e os sonhos grandes,

      Esmagaste ao tombar!..


Após a luz.. o caos confuso, intérmino!

Após o hino festival de um povo...

O lúgubre silêncio do sepulcro

    Sem uma queixa, ou voz!

Lançaste a pátria em báratros profundos,

Ferida pela mão da tirania,

E apenas um lampejo de civismo

    Deixaste ao crime atroz!

Onde estavam, ó pátria, os teus Andradas

Que sustinham-te aos ombros gigantescos?

Onde o tríplice brado altipotente

      Do peito popular?

Gemem sem luz em cárceres medonhos,

Seguem do exílio a pavorosa senda

Rorando com seu pranto piedoso

     De teu solo o altar!

 

      [ narcisa amália, nebulosas, 1872 ]


nota da autora:  as duas primeiras estrofes desta poesia aludem ao projeto de constituição elaborado pelos membros da constituinte de 1824, no qual todos os grande princípios da liberdade eram solenemente reconhecidos.

epígrafe: trecho do poema "hino à liberdade", de celso tertuliano da cunha magalhães (1849-1879), poeta, pioneiro do estudo do folclore no brasil. 

    . . . . . . .  .   .    .     .

    notas_

 merencória – melancólica, triste


 sendalio  –  termo raro: pode significar o passado ou a censura


 rutila  –  brilha, cintila


 báratro – abismo; inferno


 antíteo  –  qualifica um traidor; contrasta com ideias de liberdade


 rorando  –  rorejando -  orvalhando, gotejando


 andradas – referência à família de josé bonifácio e seus dois irmãos antônio carlos e martim francisco: especialmente bonifácio é considerado patriarca da independência

 

 

como se vê, o poema trata da frustação do eu lírico diante do que foi feito dos ideais políticos estabelecidos na constituinte de 1824, ou seja, o manto da constituição -- que melhoraria a vida do povo -- foi salpicado de lama, “ferida pela mão da tirania”. 

atenção para o verso: "roubaste ao povo a palma do triunfo", ou seja, a liderança política que se seguiu à constituição de 1824 não cumpriu o que estava no papel. aliás, 25 de março é data em que foi outorgada a constituição, em 1824.

a linguagem repleta de adjetivos e metáforas mantém o texto no estilo romântico, porém, é uma crítica às políticas sociais em geral. 

país não seguiu os caminhos que a poetisa acreditava que seriam os melhores: houve traição, este é o teor do poema “25 de março”. 

claramente, há proximidade com o que fez castro alves quando tratou da escravatura com intenção crítica.


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