CANÇÃO
Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
— depois, abri o mar com as mãos,
para meu sonho naufragar.
Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre dos meus dedos
colore as areias desertas.
O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...
Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.
Depois, tudo estará perfeito:
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e minhas duas mãos quebradas.
Cecília Meireles [ Viagem, 1939 ]
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versos de oito sílabas poéticas, isso mesmo. octassílabos. ritmo regular com um par só de rimas por estrofe.
poema de caráter narativo, uma vez que há lista de ações e a voz de quem fala revela emoção; também de caráter lírico porque há ritmo regular e o apelo semântico desmedido presente no desfecho.
influenciada pelo simbolismo -- final do século 19 e inícios do 20 -- a poesia de cecília, aqui, expõe tristeza sem os exageros do romantismo. é de caráter depressivo, sim, o texto. lembra alguém que desiste de algo importante: o sonho. a bem da verdade, desistir de sonhos não é, necessariamente, algo ruim, mas aqui, é uma ação bem dolorosa, já que os olhos estão secos de tanto choro e mãos quebradas, ao final.
para ter certeza de que o sonho afundado está mesmo seguramente submerso, o eu lírico afirma que chorará muito: as lágrimas serão tantas que farão o mar crescer. haja rivotril. . . . . . . . . . . .
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