quinta-feira, 11 de agosto de 2016

oficina irritada (claro enigma)




"oficina irritada" é o mais emblemático poema do livro "claro enigma", embora muita gente eleja "a máquina do mundo" como destaque maior. não tem problema. vou ficar com este e explico o motivo.
o poema está em forma fixa, é um soneto decassílabo, fato que vai se repetir mais vezes, no livro, não só com o soneto mas com quartetos e versos de métrica regular. aqui o poeta parece fazer um pedido de mais responsabilidade para com o uso do verso. na metalinguagem explícita (tratar do texto enquanto o faz). leia. vai te fazer bem, e olhe que é drummond heim.

OFICINA IRRITADA

Eu quero compor um soneto duro
como poeta algum ousara escrever
Eu quero pintar um soneto escuro
seco, abafado, difícil

Quero que meu soneto, no futuro
não desperte em ninguém nenhum prazer
E que, no seu maligno ar imaturo
saiba ser, não ser

Esse meu verbo antipático
há de pungir, há de fazer sofrer
tendão de Vênus sob o pedicuro

Ninguém o lembrará: tiro no muro
cão mijando no caos, enquanto Arturo,
claro enigma, se deixa surpreender




primeira metade do soneto: poeta quer causar impacto, deixa recado claro. quer soneto duro, difícil de ler, que seja doído até pra reler, no futuro. e esse futuro bem pode ser hoje. segue.
"oficina irritada" lembra "profissão de fé", do parnasiano bilac e também "poética", do bandeira, dois metalinguísticos poemas que se pretendem indicadores de caminho a novos poetas. o primeiro direcionado aos antirromânticos,  o segundo aos modernistas iniciantes. 
aqui, o eu lírico brinca com shakespeare, pura ironia abaixo da média dos escritores de seu tempo (drummond) mas serve para causar um distanciamento necessário da poesia mundana que, a meu ver, ele quer criticar. shakespeare é um clássico, vale lembrar.
os tercetos: poeta insiste que os versos não têm pretensão de agradar. como se o poeta fosse a manicure que vai machucar a deusa ao invés de cuidar. e ninguém vai lembrar... como um tiro no muro -- barulhento, mas sem ser letal; ou cão mijando no caos, uma constatação de desordem. o poema não se pretende clichê, não se pretende lugar comum. vejam, arcturo é uma estrela de primeira grandeza, na constelação de boieiro, uma extensão de ursa maior. então, o soneto vai ser impactante e quer instalar uma ordem nova, mais série, mais cuidadosa da linguagem. divina, portanto, porque lavada pela imagem de arcturo, ao final. 

quer mais do livro do mineiro de copacabana? (ironia, ironia)









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