nebulosas - livro de narcisa amália - comentário
NEBULOSAS
– Alvos cisnes do mar da imensidade –
Flutuam tênues sombras fugitivas
Que a multidão supõe densas caligens,
E a ciência reduz a grupos válidos;
Vejo-as surgir à noite, entre os planetas,
Como visões gentis à flux dos sonhos;
E as esferas que curvam-se trementes
Sobre elas desfolhando flores d'ouro,
Roubam-me instantes ao sofrer recôndito!
Costumei-me a sondar-lhe os mistérios
Desde que um dia a flâmula da ideia
Livre, ao sopro do gênio, abriu-me o templo
Em que fulgura a inspiração em ondas;
A seguir-lhes no espaço as longas clâmides
Orladas de incendidos meteoros;
E quando da procela o tredo arcanjo
Desdobra n'amplidão as negras asas,
Meu ser pelo teísmo desvairado
Da loucura debruça-se no pélago
Sim! São elas a mais gentil feitura
Que das mãos do Senhor há resvalado!
Sim! De seus seios na dourada urna,
A piedosa lágrima dos anjos,
Ligeira se converte em astro esplêndido!
No momento em que o mártir do calvário
A cabeça pendeu no infamo lenho,
A voz do Criador, em santo arrojo,
No macio frouxel de seus fulgores
Ao céu arrebatou-Ihe o calmo espírito!
Quando desci mais tarde, deslumbrada
De tanta luz e inspiração, ao vale
Que pelo espaço abandonei sorrindo
E senti calcinar-me as débeis plantas
Do deserto as areias ardentíssimas:
Ao fugir das cendais que estende a noite
Sobre o leito da terra adormecida,
Fitei chorando a aurora que surgia!
E - ave de amor - a solidão dos ermos
Povoei de gorjeios melancólicos!..
Assim nasceram os meus tristes versos,
Que do mundo falaz fogem às pompas!
Não dormem eles sob os áureos tetos
Das térreas potestades, que falecem
De morbidez nos flácidos triclínios!
Cortando as brumas glaciais do inverno
Adejam nas estâncias consteladas
Onde elas pairam; e à luz da liberdade
Devassando os mistérios do infinito,
Vão no sólio de Deus rolar exânimes...
notas_
frouxel – qualidade daquilo que é macio; penugem macia
flux - abundamente; não deixar escapar nada
infamo – difamado; desonrado
procela - tempestade
tredo - falso; traidor
pélago – espécie de abismo oceânico
triclínio - roma antiga: sala de jantar com três leitos (similares a sofás) - eram símbolo de luxo e ociosidade
cendais - tecidos finos e transparentes
clâmide – manto, na grécia antiga, que se prendia com um broche
exânime - quase morto; moribundo
sólio - acento elevado típico de uso real
poema "nebulosas" apresenta o eu lírico em dois momentos distintos: no início, a comparação do céu estrelado com "alvos cisnes do mar da imensidade" traz sensações de leveza e beleza etérea. a imagem dos cisnes sugere movimento gracioso e harmonia. num outro momento, embebida nas reflexões e no êxtase de encantamento, cita a morte de cristo e começa a fazer pnderações sombrias sobre a vida.
o tema principal é a contemplação do universo.
no desfecho do poema"nebulosas," o sentimento de leveza e pureza dá lugar a uma visão um pouco mais pesada e melancólica da existência. de modo metalinguístico, o eu lírico confessa que então os versos ficaram tristes.
a presença dos triclínios faz contraste com a imensidão divina das nebulosas, ou seja, a pequenez da vida humana e seus luxos não alcançam a beleza e a energia das nebulosas.
as linhas finais, como "cortando as brumas glaciais do inverno" e "vão no sólio de deus rolar exânimes" mostram que a busca por compreensão e inspiração se esgota, resultando em resignação. a leveza do início transforma-se em um peso existencial, revelando que a pureza não resistiu às profundezas reflexivas do eu lírico. as nebulosas são símbolo de beleza e mistério, aqui. o caráter divino (cristão) é presente no poema, assim como em praticamente todo o livro. a visão final é de uma conexão com o divino, mas marcada por sacrifício e dor, ao invés da pureza intocada que aparece no começo.
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