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sexta-feira, 14 de março de 2025

uma experiência privada - chimamanda

 




"uma experiência privada", conto do livro "no seu pescoço", de chimamanda adichie.

a história se passa em kano, nigéria, durante onda de violência entre muçulmanos e cristãos.
chika é estudante de medicina de férias na cidade. ela é pega de surpresa pela violência enquanto está no mercado com sua irmã, nnedi. na confusão, ambas se separam. chika -- da etnia igbo -- se refugia numa pequena loja junto com uma mulher hausa muçulmana. é esta mulher hausa que pede para chika vir com ela para a pequena loja abandonada

  . . . . .  .  .   .

(...) Chika se pergunta se a mulher a está observando também, se sabe, por sua pele clara e pelo rosário de dedo feito de prata que sua mãe insiste em obrigá-la a usar, que é igbo e cristã. Mais tarde, Chika descobrirá que, quando ela e a mulher estavam conversando, muçulmanos hausas estavam atacando cristãos igbos a machadadas e apedrejando-os. Mas, naquele momento, ela diz:
“Obrigada por me chamar. Tudo aconteceu tão rápido, todo mundo correu e de repente eu estava sozinha, sem saber o que fazer. Obrigada”.
“Aqui lugar seguro”, diz a mulher, (...)
“Eles não entra em loja pequena-pequena, só loja grande-grande e no mercado.”
“Sim”, diz Chika. 
(...)
“Meus peitos arde igual pimenta” diz a mulher. 
 “O quê?”
 “Meus peitos arde igual pimenta.”
Antes que Chika consiga engolir o nó de surpresa em sua garganta e dizer qualquer coisa, a mulher sobe a blusa e abre o fecho frontal de um velho sutiã azul. (...)
 “Arde-arde igual pimenta”, diz, colocando as mãos em concha sob eles e se inclinando na direção dela, como se fizesse uma oferenda. Chika se move. (...)
Chika os examina com cuidado, estica a mão e os apalpa. “Você teve neném?”, pergunta. 
 “Tive. Um ano.”
“Seus mamilos estão ressecados, mas não parecem infectados. Depois de amamentar o neném, tem que usar um hidratante. E, quando estiver amamentando, tem que ter certeza de que o mamilo e essa outra parte aqui, a aréola, estão dentro da boca do neném.”
 A mulher olha longamente para Chika.
“Primeira vez isso. Eu ter cinco filhos.”

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apesar das diferenças culturais e sociais – chika é  estudante de medicina de classe média, enquanto a mulher é uma feirante humilde –, as duas desenvolvem conexão íntima e solidária ao longo das horas que passam escondidas. chika até auxilia a mulher que sente dores no seio: ela examina os seios da mulher e sugere hidrante , pois estavam feridos pela amamentação. 

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Mais tarde, ela vai ver as carcaças de carros queimados, com buracos com bordas denteadas no lugar das janelas e para-brisas, e imaginará esses carros espalhados pela cidade como fogueiras de piquenique, testemunhas silenciosas de tanta coisa. Vai descobrir que tudo aconteceu no estacionamento, quando um homem passou de carro sobre um exemplar do Alcorão que estava no acostamento, um homem que, por acaso, era igbo e cristão. Os homens que estavam ali por perto, homens que passavam o dia inteiro jogando damas, homens que, por acaso, eram muçulmanos, o arrancaram da picape, cortaram sua cabeça com um golpe de machadinha e o levaram até o mercado, pedindo que outros se juntassem a eles, pois o infiel tinha profanado o livro sagrado. 

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chika, quando finalmente sai do esconderijo, depara-se com um cadáver queimado, um símbolo da violência desumana que assola o país. aterrorizada, ela retorna à loja e recebe mais uma demonstração de gentileza da mulher, que limpa seu ferimento na perna.

demonstração de que as diferenças históricas podem ser superadas por atos de gentilieza, empatia e união.

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sábado, 22 de fevereiro de 2025

a embaixada americana - chimamanda adichie



"a embaixada americana", conto do livro "no seu pescoço", chimamanda.
tempo da narrativa: final dos anos 1990 e início da década seguinte.

começa assim: 

Ela estava na fila diante da embaixada americana em Lagos, olhando fixamente para a frente, quase imóvel, com uma pasta azul cheia de documentos enfiada debaixo do braço. Era a quadragésima oitava pessoa numa fila de cerca de duzentas, (...) Ela ignorou os jornaleiros que usavam apitos e enfiavam exemplares do The Guardian, do The News e do The Vanguard na sua cara. E também os mendigos que andavam para cima e para baixo estendendo pratos esmaltados. E ainda as bicicletas dos sorveteiros, que buzinavam. (...) 

O conto "embaixada americana" se passa na nigéria, em lagos -- a maior cidade do país --, onde se vê uma mulher anônima na fila para solicitar um visto para os estados unidos. ela busca asilo político

Foi então que Ugonna começou a chorar, correndo até ela. O homem de camisa com capuz estava rindo, dizendo como o corpo dela era macio, brandindo a arma. Ugonna começou a gritar; ele nunca gritava quando chorava, não era esse tipo de criança. Então a arma disparou e o dendê surgiu no peito de Ugonna (...) 

enquanto está na fila, ela observa um homem ser espancado pela guarda da embaixada, assim como mendigos e ambulantes de toda ordem. também fica-se sabendo que por criticar -- no jornal "the new nigeria" -- a situação política do país, o marido da moça foge para o benin. mais tarde, três homens invandem a casa deles a procura do jornalista. lá estão apenas a moça e seu filho ugonna eles não encontram e por causa do choro da criança um deles atira e mata o menino. a moça então resolve pedir asilo na embaixada. lá, não consegue provoar que o assassinato de seu filho foi feito pelo governo, pelo estado. 

Duvidava que a funcionária soubesse dos jornais pró-democracia ou das longas filas de pessoas cansadas diante dos portões da embaixada, (...) “Senhora? Os Estados Unidos oferecem uma nova vida para vítimas de perseguição política, mas é necessário haver prova…” Uma nova vida. Foi Ugonna quem lhe deu uma nova vida, (...) ela aceitou essa nova identidade que ele fez surgir, a nova pessoa que se tornou por causa dele. “Eu sou a mãe do Ugonna”, dizia ela na creche, para os professores, para os pais das outras crianças. (...) 

detalhe: "ugonna" é variação fonética de "you gone" (você se foi).
vale lembrar que a imagem do filho morto em seus braços fez com que esta mãe fantasiasse que um tanto de azeite de dendê, bem vermelhado, tinha sido derrubado na roupa. mas era sangue: marca do tiro.

“Senhora? Senhora?” Será que ela estava imaginando, ou a simpatia estava desaparecendo do rosto da funcionária? Ela viu o gesto rápido com que a mulher jogou o cabelo castanho-avermelhado para trás, (...) O futuro dela dependia daquele rosto. O rosto de uma pessoa que não a compreendia, que não devia cozinhar com azeite de dendê, ou não devia saber que o azeite de dendê, quando estava fresco, tinha um tom muito, muito vermelho, (...) Ela se virou devagar e caminhou para a saída. “Senhora?”, disse a funcionária às suas costas. Ela não se virou. Saiu da embaixada americana, passou pelos mendigos que ainda faziam as rondas esticando seus pratos esmaltados e entrou no carro.        [ fim ]

por isso, chama atenção que a responsável, na embaixada, pela sua salvação tivesse cabelo avermelhado. ou seja, algo nada acolhedor, para aquele momento.
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  temas para debate:

  1. papel da imprensa na vida política de um país

  2. crianças vítimas de conflito político

  3. abusos à figura feminina

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