leio em camus que ser árvore ou galinha é algo mais lógico pois, nesses
casos, seríamos o próprio mundo, tal como a árvore, uma galinha ou um
riacho besta, perto da rodoviária. próximo disto, somos um estorvo. olhem, não
somos o mundo, estamos nele. devia ser uma ttragédia essa constatação, mas o humano faz questãode descolar-se desta equação e querer parecer mais do que o óbvio... daí, por que deveríamos manter a própria vida, se
ela, em si, parece esquisita, num mundo de aves, borboletas ou pedras? não há
nada que se pareça a um humano, nem mesmo saguis, do parque aqui ao lado. camus
é um alberto caeiro sem ressaca. o livro, alguns conhecem, "o mito de sísifo", um ensaio sobre o absurdo. coloco aqui um nervo exposto porque
esta é a razão de minha existência. certeza. ouça: "(...) toda a ciência
desta terra não me dará nada que possa certificar-me de que este mundo é
meu".
no mesmo capítulo, o existencialista e passional camus vai dizer que, com um
pouco de inteligência, sabe-se que o mundo é um absurdo. ou seja, abre
aspas : "o absurdo é uma paixão, a mais lancinante de todas. mas o
problema está em saber se podemos viver com nossas paixões, se podemos aceitar
sua lei profunda, que é a de queimar o coração que elas ao mesmo tempo
exalam".
o que é a liberdade? leia o poema 5 (cinco) de "o guardador de
rebanhos", alberto caeiro. e o resto em raduan nassar.
ultimamente, figuras próximas perguntam como estou. pra uns digo que estável, pra outros não. depende da hora, depende do lugar.
há antidepressivos, remédios para pressão, umas iguarias mais específicas para alimentação. e pedras. sim, pedras. neste ano, detectaram várias, na vesícula, e devem ser retirada ainda em 2022.
uma canseira essa expectativa porque, apesar da distância de 4 anos, ainda lembro direitinho da cirurgia para retirar câncer de próstata. lembro bem porque o pós-operatório parece não querer sair da cabeça. nem do corpo. impotência, algum desânimo, sensação de solidão, desmotivação... parece que a decisão sobre o que fazer da vida já foi tomada, aqui dentro. só falta pôr em prática. parece simples. não é.
No meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho no meio do caminho tinha uma pedra.
[ carlos drummond de andrade ]
poema saiu em 1928, pela primeira vez, na revista de antropofagia (oswald de andrade). em 1930, passa a integrar o livro "alguma poesia".
o texto se liga a "nel mezzo del camin", soneto parnasiano de bilac, mas que também acena para dante alighieri e o início de sua divina comédia: "nel mezzo del camin di nostra vita...", séc 14. no caso de bilac, soa como crítica ao artificialismo sem sal do estilo parnasiano.
o poema de drummond revela uma característica de um eu lírico tomado de certa covardia. é um eu poético que se apequena e isso se dá em outros livros, como "claro enigma" ou "rosa do povo", não cem por cento, mas está presente nesses livros um tanto desse "eu-menor-que-o-mundo".
o que fazer diante de um dilema, diante de uma pedra? a repetição dos versos sugere esse questionamento. o que fazer? o eu do texto, em princípio, nada faz. parece vítima do destino e não agente.
texto inquietante porque cada leitor terá seu ponto de covardia exposto, quando da leitura. todo ser humano tem seus medos, seu limites, penso eu. é uma provocação.