a visão das plantas - djaimilia de almeida
romance - djaimilia almeida - angola, 2019
cenário é portugal -- século 19, predominantemente
enredo base: celestino é um pirata idoso retornando a sua casa numa vila, na rua dos choupos. local estava abandonado e a casa vai sendo recuperada aos poucos, principalmente o jardim, com cravos, roseira, cameleira e outras plantas
o início é assim:
Noite abençoada. Acordou em casa, restaurado, após uma vida
cheia. Mas a casa tinha mudado. Com as portadas trancadas, a
mobília coberta com lençóis, a toalha manchada de vinho sobre a
mesa, a arca da roupa fechada a um canto, os reposteiros de veludo
negro, esgarçados pela traça, tudo era outro e, ainda, o mesmo. Na
penumbra, o volume dos móveis insinuava fantasmas. O pó, tornado
um ser, animava o espaço, iluminado pela claridade através das
frestas das janelas. (...)
segundo a narração -- 3a pessoa onisciente -- as plantas não davam a mínima importância às intenções e ações carinhosas, ali no jardim.
a comunidade da pequena cidade fica com receio quando da chegada de celestino, mesmo idoso, pois era era um reconhecido pirata: traficava escravizados, tinha matado gente, era temido.
Os rumores sobre o seu passado feroz eram já cantigas de pescadores quando, numa noite de inverno, acabou os seus dias, sem uma dúvida na consciência tranquila. Trazido pelo médico, padre Alfredo veio benzer o corpo na manhã seguinte. O defunto estava lívido e sereno. A sua cor e as rugas confundiam-se com o lençol amarrotado. À saída de casa, a visão das plantas pareceu-lhe uma aleluia pela passagem da alma do capitão. As rosas, os cravos, os abetos, a ameixoeira ainda não sabiam que o seu amigo tinha morrido. Alfredo contemplou o raio de luz que, iluminando as folhas, reflectiu no orvalho sobre as flores, os frutos, os espinhos. “Meu pequeno pirata”, gracejou entredentes. As palavras escondiam cobiça. Nas suas mãos pias, todas as plantas morriam. [ fim ]
e mais: padre alfredo representa o teocentrismo, o clero conivente com as ações terríveis do imperialismo luso e os abusos das lideranças locais, como no brasil, moçambique ou angola, pelos séculos 19 e os anteriores.
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