[ rupestre moderno - versão engraçada feita por i. a. - fev 2025 ]
já fui um velho livro esquecido numa biblioteca subterrânea. ninguém sabia quem me escrevera, nem por que me haviam trancado ali. quem me folheou dizia que as páginas mudavam a cada leitura. o texto se embaralhava, era assombroso. às vezes, eu era um romance trágico; em outras, um tratado filosófico. houve quem jurasse ter encontrado fórmulas matemáticas nunca vistas antes, enquanto outros diziam que eu contava segredos de borboletas extintas. vai vendo. todos que leram, morreram. se bem que é normal humanos morrerem. até aí, as coisas.
por séculos, permaneci intocado, até que uma criança -- chata, com certeza -- desobedecendo às placas de "cuidado" e "sopa de letrinhas fervendo", acabou me encontrando. a tal criança remelenta abriu minhas páginas e, pela primeira vez, eu soube o que era ter alguém que me lesse com curiosidade. e sem medo. será?
a criança tinha uma camiseta azul e dourada, parecia uma caixa de cigarro vagabundo do século 20. uma testa curta. lia e ria sem abrir a boca. foi por pouco tempo. então, a criança foi diminuindo de tamanho, derretendo e se desfez junto com as remelas do nariz, saiu bamboelando pelo ladrilho como pudim fora do ponto, indo para o ralo cuja grade era o formato de um trevo de quatro folhas. que pena. veio o tremor e o derretimento se deu. talvez nem criança fosse e sim uma aparição, um pesadelo, já que livros também sonham.
enfim, a biblioteca velhusca percebeu a movimentação e, mesmo depois da tal criança ter virado uma gosma geleca, estantes começaram a se mexer, os corredores foram rangendo e as estantes se moveram para tentar me esconder novamente.
antes que elas me engolissem, fiz o que nunca havia feito antes: deixei cair uma página solta, a primeira página, pedaço de mim. como mensagem na garrafa.
no primeiro capítulo, dá pra ler o início: "já fui um velho livro esquecido..."
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