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sexta-feira, 15 de junho de 2018

fórmula mágica da paz - racionais - redação vestibular



proposta de análise e produção de texto
música do álbum "sobrevivendo no inferno" - racionais mc's - unicamp vestibular

  fórmula mágica da paz
         [ trechos ]

essa porra é um campo minado. 
quantas vezes eu pensei em me jogar daqui, 
mas, aí, minha área é tudo o que eu tenho
a minha vida é aqui e eu não consigo sair
é muito fácil fugir mas eu não vou. 
não vou trair quem eu fui, quem eu sou. 
eu gosto de onde eu vou e de onde eu vim,
ensinamento da favela foi muito bom pra mim. 
cada lugar um lugar, cada lugar uma lei, 
cada lei uma razão e eu sempre respeitei,
em qualquer jurisdição, qualquer área
jardim santo eduardo, grajaú, missionária
funxal, pedreira e tal, joaniza.
eu tento adivinhar o  que você mais precisa
levantar sua "goma" ou comprar uns "pano"
um  advogado pra tirar seu mano
no dia da visita você diz 
que eu vou mandar cigarro pros maluco lá no x
então, como eu tava dizendo, sangue bom,
isso não é sermão, ouve aí:  tenho o dom.
eu sei como é que é, é foda parceiro
a maldade na cabeça o dia inteiro
(...)
ninguém é mais que ninguém, absolutamente, 
aqui quem fala é mais um  sobrevivente
eu era só um moleque, só pensava em dançar, 
cabelo black e tênis all star 
na roda da função "mó zoeira!
tomando vinho seco em voltada fogueira. 
a noite inteira, só contando história, sobre o crime, 
sobre as treta na escola. 
não tava nem aí, nem levava nada a sério.
admirava os ladrão e os malandro mais velho. 
mas se liga, olhe ao seu redor eme diga: o que melhorou?
da função quem sobrou? sei lá, 
muito velório rolou de lá pra cá, 
qual a próxima mãe que vai chorar?  
(...)
onti eu sonhei que um fulano aproximou de mim,
"agora eu  quero ver ladrão, pá! pá! pá! pá!", fim. 
é... sonho é sonho, deixa quieto. 
sexto sentido é um dom, eu tô esperto. 
morrer é um fator, mas conforme for, 
tem no bolso e na agulha e mais cinco no tambor
joga o jogo, vamo lá, caiu a oito eu mato a par
eu não preciso de muito pra sentir-me capaz de encontrar
a fórmula mágica da paz 
eu vou procurar, sei que vou encontrar, eu vou procurar,
eu vou procurar, você não bota uma fé, mas eu vou atrás
(eu vou procurar e sei que vou encontrar) da minha fórmula mágica da paz
(...)
hoje tá da hora o esquema pra sair, é... 
vamo, não demora, mano, chega aí! "cê viu ontem? os tiro ouvi de monte!
 então, diz que tem uma pá de sangue no campão.
ih, mano toda mão é sempre a mesma ideia junto: 
treta, tiro, sangue, aí, muda de assunto. 
traz a fita pra eu ouvir porque eu tô sem,
principalmente aquela lá do jorge ben
uma pá de mano preso chora a solidão. 
uma pá de mano solto sem disposição. 
empenhorando por aí, rádio, tênis, calça, 
acende num cachimbo... virou fumaça!

(...)
choro e correria no saguão do hospital. 
dia das criança, feriado e luto final.
sangue e agonia entra pelo corredor. 
ele tá vivo! pelo amor de deus doutor! 
quatro tiros do pescoço pra cima, 
puta que pariu a chance é mínima! 
aqui fora, revolta e dor, lá dentro estado desesperador! 
eu percebi quem eu sou realmente, 
quando eu ouvi o meu sub-consciente: "e aí mano brown cuzão? cadê você
seu mano tá morrendo o que você vai fazer?"
pode crê, eu me senti inútil, eu me senti pequeno,
mais um cuzão vingativo (mais um). 
puta desespero, não dá pra acreditar, que pesadelo
(...)
dali a poucos minutos, mais uma dona maria de luto! 
na parede o sinal da cruz, que porra é essa? 
que mundo é esse ? onde tá jesus ? 
mais uma vez um emissário 
não incluiu capão redondo em seu itinerário. 
pôrra, eu tô confuso, preciso pensar. 
me dá um tempo pra eu raciocinar 
eu já não sei distinguir quem tá errado, sei lá, 
minha ideologia enfraqueceu 
preto, branco, polícia, ladrão ou eu 
quem é mais filha da puta, eu não sei! aí fudeu, fudeu, 
decepção essas hora... a depressão quer me pegar vou sair fora
2 de novembro era finados
eu parei em frente ao são luis do outro lado e durante uma meia hora olhei um por um 
e o que todas as senhoras tinham em comum:
a roupa humilde, a pele escura, o rosto abatido pela vida dura. 
colocando flores sobre a sepultura. 
("podia ser a minha mãe") que loucura
cada lugar uma lei, eu tô ligado, 
no extremo sul da zona sul tá tudo errado, 
aqui vale muito pouco a sua vida, 
a nossa lei é falha, violenta e suicida
(...)
legal, assustador é quando se descobre 
que tudo dá em nada e que só morre o pobre 
a gente vive se matando irmão, por quê? 
não me olhe assim, eu sou igual a você
descanse o seu gatilho, descanse o seu gatilho, 
que no trem da malandragem, o meu rap é o trilho.
(...)
se liga! procure a sua paz!!
você não bota uma fé....
(agradeço a deus e aos orixás) 
aqui quem fala é mano brown, mais um sobrevivente agradeço a deus, agradeço a deus....e aos orixás
27 ano, contrariando a estatística morô meu!
procure a sua paz.... (eu vou procurar e sei que vou encontrar) 
procure a sua! 
eu vou encontrar! 
você pode encontrar a sua paz, o seu paraíso!
eu vou procurar... você pode encontrar o seu inferno!
(eu vou procurar e sei que vou encontrar) 
eu prefiro a paz ! 
. . . . . . . . . . . . . . . . .  .  .  .  .  .  .  .   .   .   .    .

CONSIDERAÇÕES

  • música que se aproxima da crônica argumentativa e do relato pessoal
  • aqui, feita em verso, o que ressalta o caráter lírico do texto
  • influência do ritmo soul norteamericano de marvin gaye 
  • é o cotidiano da favela e seu entorno
  • morte, descompromisso, falta consciência da realidade da favela
  • irmãos desunidos
  • um recado político e social aos jovens

ao mesmo tempo que se critica a crença cega na religião :
"na parede o sinal da cruz, que porra é essa? que mundo é esse? onde tá jesus? 
mais uma vez um emissário não incluiu capão redondo em seu itinerário"

*capão redondo bairro da periferia de s paulo: no séc 20, considerado um dos mais violentos do país

é possível ver também a reverência aos mitos cristão e afro :
"agradeço a deus e aos orixás"

separar realidade do misticismo é uma tônica nesse álbum "sobrevivendo no inferno"
mais de uma vez clama-se por deus para agradecer algum sobrevivente... assim como fala-se com ironia da ausência de deus (ou jesus) na favela, quando morre algum jovem
  • a fórmula mágica da paz é a união dos jovens e adultos da periferia, da favela
  • a lei não é feita para os negros ou pobres, é preciso união
  • linguagem mistura norma padrão e o coloquial

o contexto histórico da década de 1990 -- quando a música é gravada, no álbum
"sobrevivendo no inferno" era algo assim:

  • impeachment do presidente collor
  • chacina da candelária (rio de janeiro)
  • chacina de acari (rio de janeiro)
  • chacina do carandiru (são paulo)
  • chacina de eldorado de carajás (pará)
  • criminalização da pobreza
  • iniciam-se programas na mídia destacando violência nas perferias
  • inflação em 1991 : 1.470% 
  • inflação em 1993 : 2.780%
  • inflação em 1994 : 1.090%
  • mesmo com plano "real", inflação média na década de 1990 foi de 500% ao ano


. . . . . . . . . . . . . .  .  .  .  .  .  .  .   .   .   .

PRODUZIR TEXTO ARGUMENTATIVO COM O TEMA
"a paz e a guerra são antagônicos, na periferia?"

lembre-se!

ESTRUTURA:

tese 
argumentos
conclusão

. . . . . . . . . . .  .  .  .  .  .   .   .    .
saiba mais:


´formula mágica da paz'
assista!














quinta-feira, 21 de setembro de 2017

aula - hoje ela só quer paz - e casemiro de abreu


                                                                             [ banksy ]

hoje ela só quer paz

ela é um filme de ação com vários finais
ela é política aplicada e conversas banais
se ela tiver muito afim seja perspicaz
ela nunca vai deixar claro
então entenda sinais
é o paraíso, suas curvas são cartões postais
não tem juízo, ou se já teve, hoje não tem mais
ela é o barco mais bolado que aportou no seu cais
as outras falam, falam, ela chega e faz
ela não cansa, não cansa, não cansa jamais
ela dança, dança, dança demais
ela já acreditou no amor, mas não sabe mais
ela é um disco do nirvana de 20 anos atrás
não quer cinco minutos no seu banco de trás
só quer um jeans rasgado e uns quarenta reais
ela é uma letra do caetano com flow do racionais
hoje pode até chover porque 
ela só quer paz
hoje ela só quer paz
noticias boas pra se ler nos jornais
amores reais, amizades leais
ela entende de flores, ama os animais
coisas simples pra ela, são as coisas principais
sem cantada, ela prefere os originais
conheceu caras legais, mas nunca sensacionais
ela não é a suas negas rapaz
pagar bebida é fácil, difícil apresentar pros pais
(...)
essa mina é uma daquelas fenomenais
vitamina, é proteína e sais minerais
ela é a vida, após a vida despedida
pros seus dias mais normais 

(...)
                                [ projota, 2016 ]

* "flow" se liga a ritmo; envolvimento; verso bem encaixado

hip hop de projota, lançado em 2016, dialoga tanto com a imagem do grafite (banksy, inglaterra), como com esse poema do casemiro de abreu, "amor e medo":

       Quando eu te fujo e me desvio, cauto        
        Da luz de fogo que te cerca, oh! bela,
        Contigo dizes, suspirando amores:
        “Meu Deus! que gelo, que frieza aquela
        Como te enganas! meu amor é chama
        Que alimenta no voraz segredo,
        E se te fujo é que te adoro louco...
        És bela -  eu moço; tens amor - eu medo!...
         Tenho medo de mim, de ti, de tudo,
       Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes,
        Das folhas secas, do chorar das fontes,
        Das horas longas a correr velozes.
        ......................................................................

        Ai! se eu te visse, Madalena pura,
        Sobre o veludo reclinada a meio,
       Olhos cerrados na volúpia doce,
        Os braços frouxos - palpitante o seio!...
         Ai! se eu te visse em languidez sublime,
        Na face as rosas virginais do pejo.
        Trêmula a fala a protestar baixinho...
       Vermelha a boca, soluçando um beijo!...
         Diz: - que seria da pureza d’anjo,
        Das vestes alvas, do cantor das asas?
        -  Tu te queimaras, a pisar descalça,
        -  Criança louca, - sobre o chão de brasas!
         (...)
                                 [ casemiro de abreu, século 19 ]

quando o eu lírico diz, na letra do hip hop, "não é pra tuas negas não", claramente, foge do politicamente correto e, por tabela, de uma norma padrão. o verso diz mais ou menos que a garota em questão não se compara a outras que se envolveram com o eu lírico. a ideia, contudo, não é simplesmente jogar fora a letra toda por conta de um suposto deslize linguístico, mas valorizar também um jeito diferente de dizer algo que é marca da poesia de língua portuguesa: o lirismo de tom confessional. desde o trovadorismo é assim. tradição forte. eu ia escrever "dor de cotovelo", desisti. mostre a seus alunos que o texto de casemiro é de estilo romântico, usa da norma padrão mas atesta que há uma certa temerosidade na figura idealizada. "tenho medo de mim, de ti...". veja em projota, no hip hop: "ela é o barco mais bolado que já aportou no seu cais". há outros versos que também se equiparam aos de casemiro, mas a ideia, enfim, é lidar com a relação amorosa em que um é mais austero que outro. peça a seus alunos que reconheçam as semelhanças entre os dois textos. cá pra nós, projota é mais legal.

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