barroco e religioso (quase um pleonasmo, em se tratando de latinos), vieira trata da necessidade de reflexão, por parte de seus fiéis. é um sermão pregado no primeiro dia da quaresma. ano: 1672. onde: roma, na igreja de sto antônio dos portugueses.
segundo o texto, o homem deve ter consciência de que é mortal e não comportar-se como um imortal.
trechos fundamentais :
Duas
coisas prega hoje a Igreja a todos os mortais, ambas grandes, ambas tristes,
ambas temerosas, ambas certas. Mas uma de tal maneira certa e evidente, que não
é necessário entendimento para crer; outra de tal maneira certa e dificultosa,
que nenhum entendimento basta para a alcançar. Uma é presente, outra futura,
mas a futura veem-na os olhos, o presente não a alcança o entendimento. E que
duas coisas enigmáticas são estas? Pulvis es, tu in pulverem reverteris: Sois pó, e em pó vos haveis de
converter.
Sois pó, é a presente; em pó vos
haveis de converter, é a futura. O pó futuro, o pó em que nos havemos de
converter, veem-no os olhos; o pó presente, o pó que somos, nem os olhos o
veem, nem o entendimento o alcança. (...) - [parte I ]
Enfim,
senhores, não só havemos de ser pó, mas já somos pó: Pulvis es. Todos os embargos que se podiam pôr
contra esta sentença universal são os que ouvistes. Porém como ela foi
pronunciada definitiva e declaradamente por Deus ao primeiro homem e a todos
seus descendentes, nem admite interpretação, nem pode ter dúvida. Mas como pode
ser? (...) A razão é esta. O homem, em qualquer estado que esteja, é certo que
foi pó, e há de tornar a ser pó. [ parte II ]
Esta nossa chamada vida não é mais
que um círculo que fazemos de pó a pó: do pó que fomos ao pó que havemos de
ser. Uns fazem o círculo maior, outros menor, outros mais pequeno, outros
mínimo. Quem vai circularmente de
um ponto para o mesmo ponto, quanto mais se aparta dele tanto mais se chega
para ele; e quem quanto mais se aparta mais se chega, não se aparta. O pó que
foi nosso princípio, esse mesmo, e não outro, é o nosso fim (...) [ III ]
Acalmou o vento, cai o pó, e onde o
vento parou, ali fica, ou dentro de casa, ou na rua, ou em cima de um telhado,
ou no mar; ou no rio, ou no monte, (...)
Assim
como o vento o levantou, e o sustinha, tanto que o vento parou, caiu. Pó
levantado, Adão vivo; pó caído, Adão morto: Et mortus est.
Este foi o primeiro pó, e o primeiro vivo, e o primeiro condenado à morte, e
esta é a diferença que há de vivos a mortos, e de pó a pó. Por isso na
Escritura o morrer se chama cair, e o viver levantar-se. [ IV ]
Abri
aquelas sepulturas e vede qual é ali o senhor e qual o servo; qual é ali o
pobre e qual o rico? distingui-me ali, se podeis, o valente do fraco, o formoso
do feio, o rei coroado de ouro do escravo (...) carregado de ferros?
Distingui-los? (...) Não por certo. O grande e o pequeno, o rico e o pobre, o
sábio e o ignorante, o senhor e o escravo, o príncipe e o cavador, o alemão e o
etíope, todos ali são da mesma cor.
(...)
Se
quereis ver o futuro, lede as histórias e olhai para o passado; se quereis ver
o passado, lede as profecias e olhai para o futuro. (...) Olhai para o passado
e para o futuro, e vereis o presente. [ V ]
Ou
cremos que somos imortais, ou não. Se o homem acaba com o pó, não tenho que
dizer; mas se o pó há de tornar a ser homem, não sei o que vos diga, (...). A
mim não me faz medo o pó que hei de ser; faz medo que há de ser o pó. Eu não
temo na morte a morte, temo a imortalidade; eu não temo hoje o dia de cinza,
temo hoje o dia de Páscoa, porque sei que hei de ressuscitar, porque sei que
hei de viver para sempre, porque sei que me espera uma eternidade, ou no céu,
ou no inferno. [ VI ]
Aristóteles
disse que entre todas as coisas terríveis, a mais terrível é a morte. Disse bem
mas não entendeu o que disse. Não é terrível a morte pela vida que acaba, senão
pela eternidade que começa. Não é terrível a porta por onde se sai; a terrível
é a porta por onde se entra.
Se
olhais para cima, uma escada que chega até o céu; se olhais para baixo, um
precipício que vai parar no inferno, e isto incerto. (...)
Tanto
medo, tanto receio da morte temporal, e da eterna nenhum temor? Mortos, mortos,
desenganai estes vivos. (...)
E
porque espero da vossa piedade e do vosso juízo que aceitareis este bom
conselho, quero acabar deixando-vos quatro pontos de consideração para os
quatro quartos desta hora. Primeiro: quanto tenho vivido? Segundo: como vivi?
Terceiro: quanto posso viver? Quarto: como é bem que viva? Torno a dizer para
que vos fique na memória: Quanto tenho vivido? Como vivi? Quanto posso viver? Como é bem que viva? [
VII ]
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