o golpe militar, no brasil, aconteceu em 1964. faz tempo... deposto presidente joão goulart, em primeiro de abril tínhamos novo
presidente, agora general. começou um período horripilante em nossa história,
com tortura, mortes, censura e o fim do voto direto à presidência, dentre
outras privações. a coisa toda durou mais de vinte anos e ainda ecoa. é importante relembrar. é importante tratar do assunto sim, principalmente, na escola. indico os filmes "pra
frente brasil" (1983) e "zuzu angel" (2006), para
ficar em dois, retratam com maestria o período. agora, há um outro, mais
poético – se cabe poesia aqui – é "o ano em que meus pais saíram de férias" (2006), de cao hamburger, cuja narrativa se passa no primeiro semestre de 1970, já no governo médici. parte das filmagens
se deu em campinas, são paulo. é o último filme de paulo autran. nele, o jovem mauro, uns oito anos, espera os pais voltarem, foragidos que estão em função da
ditadura. duas imensas expectativas se apoderam do garoto: a volta dos pais e poder assistir, pela primeira vez, a seleção masculina de futebol,
na copa do mundo, pela televisão. lembrar pelé, tostão, rivellino e companhia,
necessariamente, é saudar também outros heróis, anônimos ou não, que morreram
ou foram torturados em nome da liberdade civil.
na
crônica "sobre morte e morrer", machado registra: "qualquer
de nós teria organizado este mundo bem melhor do que saiu". é a
primeira linha. queria ter escrito isso, embora todo mundo diz tal
coisa com outras palavras, gestos ou até silêncio. organizar
o mundo é necessário, a começar pela vida própria. e pensar na morte esvazia um
pouco a ansiedade, acreditem. dá ideia de que algo pode ficar como legado. algo bom ou ruim, não importa. falando nisso, mortes na literatura: pode-se
começar por aquela quase suave em "iracema"; ou a sanguinolenta de
"a hora a e a vez de augusto matraga" ou ainda a intensa de madalena,
em "são bernardo". há outros tantos textos que passam pelo assunto
“morte”, como em "o cortiço" (efeitos da miséria), "noite na
taverna" (efeitos do álcool) ou "nove noites" (efeitos da
angústia). numa
outra crônica "considerações sobre o suicídio", o mesmo machado
dispara: "(...) a questão do suicídio é antes resolvida no sentido da
fraqueza que no da coragem. é um problema psicológico fácil de tratar entre o largo do machado e o da carioca. se o bond for elétrico, a solução é achada em
metade do caminho".
discordo. quem bota fim na existência tem muita coragem. uma
pilhéria ácida esse machado de assis (1839-1908).
* o nome "largo do machado" faz referência ao oleiro andré machado que, no século 18, era dono de terras no lugar
A esperança: flor seca mas (acaso ou precaução?) guardada entre as páginas de um livro.
A incerteza: frio de faca cortando em porções cada vez menores a laranja dos dias.
O amor: latejo de artéria entupida por onde o sangue se obstina em fluir.
A morte: esquina ainda por virar quando já estava quase esquecido o gosto de virá-las.
[in "prosas seguidas de odes mínimas", cia das letras]
balancete : documento que mostra movimentações financeiras emum certo período, numa empresa; serve também para identificar prejuízo ou lucro
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numa gradação que indica fim de vida, "balancete" apresenta pequena lista de temas que são caros ao humano comum, como "esperança", "dúvida" (medo); "amor" e "morte".
aqui, cada tema é tratado de modo a expor o seu lado triste, estéril, num pessimismo digno de fim de século. a flor entre páginas de livro dá falsa esperança de que ainda haveria vida por ali. agora, cortar laranjas em porções menores fornece ideia de um desespero, necessidade de guardar, de adiar o fim da fruta, adiar o fim da vida... ao final, a morte seria esse virar de página, ou seja, uma passagem para outras esferas... interessante que, na primeira estrofe, a metáfora da esperança esteja num livro com flor seca dentro. ao final, nova metáfora envolvendo livro: virar página da vida. o fim.
quando capitu saiu do rio de janeiro, foi pra suíça, com seu
filho ezequiel escobar perto de si. anos mais tarde, o próprio ezequiel,
adulto, volta para ao rio em busca de dinheiro, pois faria parte das
pesquisas arqueológicas, nas pirâmides do egito. capitu já havia falecido. ezequiel
era o que podemos chamar hoje de arqueólogo. o final, você já sabe, ele morre
por lá e o enterram, em jerusalém.
em 2010, cerca de 111 anos depois de dom casmurro ter sido
lançado, pesquisadores suíços descobriram uma porta de 5 mil anos de
idade… isso mesmo, na suíça. se estava aberta ou fechada, não sei. mas para que
serve uma porta, se não para abrir? qual porta você tem mantido
fechada, ainda? fico imaginando
quem deixaria uma porta tanto tempo trancada.
o joão de barro, ao contrário do que o nome sugere, não é feito de terra. trata-se
do singelo passarinho, conhecido no meio ornitológico como
"furnarius". uma ave que constrói algo parecido com um forno. o joão constrói sua casa porque chega o momento de abrigar fêmea e ovos. ele faz o
ninho quando chega o momento da postura, da incubação. é trabalho para o presente, por conta do
desejo de viver.
freud fala
que a consciência não representaria o todo de nossa percepção do mundo. no dia-a-dia absorvemos energias externas, impressões, calores, humores e
ansiedades para lidar com nossos planos e os planos dos outros. até aí, as
coisas.
muita gente
ainda crê que apenas a razão pode mover as pessoas para algum lugar. planos
para o futuro, planos para filhos, planos para o cachorro.
hoje, dá pra dar
tanto crédito assim ao futuro? acreditar em amanhã, normal, mas ficar só
pensando nisso, fazer da vida um eterno trampolim de vento para o talvez é demais. melhor é a lição do joão.
anos atrás, deixei uma tarefa para os alunos que tinha, na época, ensino médio: assistir ao filme "as horas" (stephen daldry), sobre a
escritora inglesa virginia woolf. em uma das questões pedia-se que respondessem
seguinte: qual chance de uma obra de arte mudar a vida de alguém. será mesmo que uma obra de arte, quer seja livro, filme,
música ou tela pode mudar os rumos de uma pessoa? então, cabe pergunta: por que se faz arte? entretenimento? terapia? fetiche? vingança?
olhem, acredito que exista arte para que estejamos em contato
com outra realidade. ver a vida, pelo menos, por outro viés. algo como recriar
as coisas, os tons, as cores. e mais: diversão e geração de emprego são dois valores de que
gosto, quando o tema é a arte. educação política também serve, mas não creio
que toda obra de arte deva ser como "vidas secas" (ramos) ou "os
miseráveis" (hugo), ou seja, um libelo contra a opressão e coisa e tal. há
chance também para a catarse, como na ópera "tristão e isolda" (wagner) ou mesmo ouvindo bossa nova.
um asteroide está a caminho da terra. ele deve chegar em março
de 2026, perto da convocação da seleção brasileira, para a copa. o corpo celeste tem dezenas de metros de diâmetro e seu impacto
equivaleria a centenas de bombas atômicas. ou seja, fim do campeonato paulista
e do maldito café com espuminha de leite. pelo menos não haveria mais quaresma
e aquele cheiro horroroso de bacalhau infestando mercados. 65 milhões de anos atrás, um pedregulho desses aniquilou a vida de
lagartixas gigantes, borboletas peludas e os tataravós do grande biguá do lago ness. esse dia foi louco. para muitos brasileiros, só não pode cair no dia do fim da
novela. até 2026, não haverá base na lua para uma fuga rápida, então, o planeta vai ficar escuro, o frio vai aumentar horrores, adeus canecas temáticas homenageando sogra, adeus praia de iracema, nunca mais vou ver gavião caçando cigarra, muito menos o papa jogando aquela fumacinha alucinógena, na missa do galo. aliás, galo algum vai cantar também... os biscoitos globo terão um fim, assim como as piadas sobre o mundial do palmeiras. pelo menos acabaria o sistema capitalista e, finalmente, esse debate se ela traiu ou não.
julio cortazar (1914-1986), belga de pais argentinos, tem um conto, de nome "acefalia", começa assim:
“Cortaram a
cabeça a um certo senhor, mas como depois estourou uma greve e não puderam
enterrá-lo, esse senhor teve que continuar vivendo sem cabeça e arranjar-se bem
ou mal. Em seguida ele notou que quatro dos cinco sentidos tinham ido embora
com a cabeça. dotado somente de tato, mas cheio de boa vontade, sentou-se num banco da praça Lavalle e tocava uma por uma (...) tratando de distingui-las e
dar os respectivos nomes. (...)”
estudiosos com diploma dizem que cortázar passa
pelo realismo fantástico ou mágico. é um tremendo paradoxo,
convenhamos, dizer que algo é realista e mágico ao mesmo tempo, mas não vou
discutir com doutor. aliás, nem vou contar o fim do conto por pirraça mesmo. você precisa ler. o quente vem agora: seu
nome é mike. e a história é real. muita gente sabia, menos eu, que cortaram a cabeça de um galo,
desde o pescoço, e o dito cujo continuou vivendo mais um ano e meio. sério. como quase tudo que é bizarro acontece nos estados unidos, foi lá mesmo que o evento se deu. 1945, no colorado: o fazendeiro lloyd resolveu preparar um galo para o jantar da sogra e, vapt,
numa cortada meio mal feita, a cabeça da ave caiu, mas mike – o galo –
continuou respirando. desvantagem: nada de cozido de galo, naquele dia. vantagem: ele não cantaria mais. alimentado através de um conta gotas,
pingando-se mistura de leite e água em seu buraco no pescoço, o galo mike até
engordou. era de fazer inveja à própria sogra de lloyd que, apesar de ter
cabeça, continuava sendo sogra, se é que me entendem.
ideia trazida de um dos países mais conservadores do ocidente -- os estados unidos -- uma bolsa que tranca telefones celulares de estudantes, nas escolas, está em vigor, por aqui. olhem, é tremendo erro proibir celulares sem educar. mas isso é coerente com o ritmo da nossa educação. ela sempre foi conservadora. questões como bullying, violência contra mulher, respeito à comunidade lgbt ou mesmo o racismo, raramente entram em sala. no máximo, numas postagens em mídia eletrônica ou nas pífias reuniões com professores, antes do ano letivo começar. nossas escolas ainda respiram o ensino jesuítico do brasil colônia e império: professor é autoridade. pune. e ponto. olhem, vou insistir: não resolve proibir, porque a relação professor-estudante não irá mudar só com isso. é esta relação, aliás, que faz estudantes quererem escapulir daquele ambiente, daquela rotina. por quê? porque a maioria dos assuntos tratados em sala não corresponde à realidade de humanos jovens. há muita erudição, diletantismo, nos currículos. assuntos que fariam sentido para quem já estivesse na universidade. para além de assuntos distantes da realidade, é urgente que outras ações entrem em sala também, como estas que listei acima: bullying; cidadania, política, meio ambiente etc.
pra quem não entendeu: não prego a liberação total de uso dos tais aparelhos durante as aulas, mas sim discutir e argumentar com estudantes por que os aparelhinhos devem ficar na mochila ou desligados. precisa ser simples. muitos educadores não querem este trabalho e preferem apenas proibir. cansa.
"(...) Precisamos desneymarizar nosso futebol e um bom começo seria refundando a CBF como um todo. Repensar o jogo a partir de nossas brasilidades, essas que o professor Luiz A Simas ensina que vivem nas frestas. Parar de imitar o que fazem na Europa e de importar a espetacularização que os Estados Unidos associam ao esporte. Resistir à força privatizadora que invade todas as áreas de nossas vidas."
[ milly lacombe - portal uol - fevereiro 2024 ]
concordo com essa teoria de milly porque a gente vê o futebol brasileiro mal gerido e só faz os fãs passarem vergonha. é uma tragédia. calendário estúpido, contendo torneios regionais que melhoram zero tanto espetáculo como técnica. são torneios semi-amadores e, claro, deveriam existir neste âmbito: dentro de segundas e terceiras divisões, em seus estados. não se trata, por exemplo, de acabar com os estaduais, mas construir um campeonato mais longo, com mais equipes -- as tais "pequenas" -- para que estas então, joguem mais do que esses quatro meses. as agremiações tidas como "grandes" jogariam torneio regional com menos datas, como se fosse uma pré-temporada, com menos desgastes. olhem, é urgente a criação da série "e", no país. além de torneios regionais decentes, como a copa nordeste. tem mais: muitos supostos comentaristas de futebol fazem coro com as viúvas de pelé e dizem que jogadores são ruins, hoje. é patético. jogadores ruins sempre existiram. alguns até foram pra copa do mundo, como gil (avançado), marinho chagas (lateral), henrique (defensor), fontana (defensor) ou dario dadá (avançado). e milhares de outros pernas de pau por aí, povoando nossos campos. a questão é fácil: o sistema de jogo, no passado, valorizava transição rápida do meio ao ataque, além do drible, claro. hoje, isso acabou porque na europa não é assim. jogador que dribla muito e parte pra cima das linhas adversárias deixa seu setor descoberto. o melhor -- para europeus -- é o passe, deslocamento curto etc... isso é bom? é ruim? é europeu, ponto. agora, por que copiar? resposta: porque é preciso exportar jogadores jovens que não precisem adaptação, quando forem vendidos para europa, evitando prejuízos a seus agentes e clubes.
são francisco, mestre expedito - foto lordello e g leiloes -
no começo do mês, na avenida "norte-sul", aqui em campinas,
um garoto de pouco mais de um metro de altura equilibrava bolas de tênis -- era a parada do semáforo --, ele fazia malabarismo com elas, na cabeça, pelo ombro, mãos pra cima e pra
trás, às vezes uma escapulia, mas rapidamente se refazia e pronto, lá iam
asquatro ou cinco bolas pra cima. alguns
motoristas dão umas moedas. outros, um aceno. quanto valeu o show? um real? cinco reais? é pouco? é muito? no começo do mês de maio, lá de 2010, descobriram uma peça que teria sido pintada pelo
renascentista raffael sanzio (1483-1520). uma cabeça de mulher, de uns 30 cm. estava num depósito de um museu, na itália. pelos informes, valia 30 milhões de euros, mais de 150 milhões, em moeda brasileira, hoje. pouco? muito?
qual o valor da arte? o que deveria sustentar o artista, num universo
capitalista a quem a força de trabalho é o único objetivo? no tal sistema, vende-se a força de
trabalho ao outro, vende-se a identidade. e a arte? qual função? sua
utilidade passa pela transmissão de sensações, a fruição, o deleite, informação,
folclore, história, muita coisa. arte completa o ser humano. arte
revela o que não se vê usando apenas a razão. quanto vale a partitura original dos concertos de brandenburgo, de bach? quanto
custa a igreja s francisco de assis, em ouro preto, no traço de aleijadinho? dá pra
medir em centavos o preço de uma peça do expedito, lá no piauí? e uma
escultura de joão do monte, em valinhos? quanto vale o casal de noivos, do mestre vitalino? esse texto está com perguntas demais... não é bom.
no livro "conto da ilha desconhecida" (saramago), um homem
pede um barco ao rei mas, em princípio, não sabe aonde vai. quer chegar a uma
ilha que ninguém conhece. será caminho difícil, pois terá de passar por si próprio. dante, na "divina comédia", acaba se perdendo, numa floresta e
precisa de ajuda... ele também desconhece o caminho a percorrer... vai
ser difícil, pois enfrentará só o inferno. um homem do campo, no conto "a terceira margem do rio" (rosa) expõe a mesma sensação de perda e desconstrução: ele faz um pequeno barco e, sozinho, sai, rio acima, abaixo, num ritmo só seu, adentro, para sempre. omais um caminho
difícil... ou o que esse homem passava é que estava difícil, a gente só imagina. olhem, pouca gente sai do trilho da razão para seguir um instinto próprio. dizem que ser humano seria sociável, e rousseau, lá no século 18, ele... ah, esquece.
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o texto se inicia com a descrição de uma dança sedutora de um homem para outro homem, sendo este último, o narrador.
De repente ele começou a sambar bonito e veio vindo para mim. Me
olhava nos olhos quase sorrindo, uma ruga tensa entre as sobrancelhas,
pedindo confirmação. Confirmei, quase sorrindo também, a boca gosmenta de
tanta cerveja morna, vodca com coca-cola, uísque nacional, gostos que eu nem
identificava mais, passando de mão em mão dentro dos copos de plástico.
Usava uma tanga vermelha e branca, Xangô, pensei, lansã com purpurina na
cara, Oxaguiã segurando a espada no braço levantado, Ogum Beira-Mar
sambando bonito e bandido. Um movimento que descia feito onda dos quadris
pelas coxas, até os pés, ondulado, então olhava para baixo e o movimento
subia outra vez, onda ao contrário, voltando pela cintura até os ombros. (...)
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o trecho lembra os movimentos de rita baiana, em "o cortiço", do aluísio azevedo, 1890. . . . . . . . . . . . . . . . .
Entreaberta, a boca dele veio se aproximando da minha. Parecia um figo maduro quando a gente faz com a ponta da faca uma cruz na extremidade mais redonda e rasga devagar a polpa, revelando o interior rosado cheio de grãos. Você sabia, eu falei, que o figo não é uma fruta mas uma flor que abre para dentro. O quê, ele gritou. O figo, repeti, o figo é uma flor. Mas não tinha importância (...)
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a sequência é o envolvimento dos dois homens, durante um baile de carnaval. o primeiro, além de seduzir o narrador em meio a sua dança e a proximidade dos corpos suados, oferece droga a ele -- narrador -- que, apesar de negar no início, aceita. eles vão à praia, saindo do salão; se envolvem pela areia. na sequência surgem muitas pessoas. elas espancam a dupla. o narrador não consegue ajudar seu parceiro. foge.
Fechando os olhos então, como um filme contra as pálpebras, eu
conseguia ver três imagens se sobrepondo. Primeiro o corpo suado dele,
sambando, vindo em minha direção. Depois as plêiades, feito uma raquete de
tênis suspensa no céu lá em cima. E finalmente a queda lenta de um figo muito
maduro, até esborrachar-se contra o chão em mil pedaços sangrentos.
[ fim ]
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a queda do figo representa o fim trágico, dolorido, da paixão. figo pode sim ser um símbolo fálico, símbolo da relação homoafetiva, ali, entre eles. as referências a xangô, iansã, oxaguiã e ogum dão o tom pagão, mais orgânico à relação homoafetiva. vale lembrar que o texto é do século 20, saiu em 1982. lá, a questão da homossexualidade era ação condenável, praticamente um crime. vide o desfecho desta narrativa. as bênçãos de orixás africanos são a verdadeira justiça para essa ação amorosa e, claro libertadora. figo e plêiades -- em "terça-feira gorda" -- são alegorias de desejo. ia dizer alegorias de amor, desisti. mais do que isso, figo e plêiades evocam natural liberdade, mesmo que um esteja esborrachado no chão e outro tão distante no céu.
neste século 21, cientistas alemães descobriram que as vacas pastam viradas para
o norte. não todas, só as normais. é uma
tendência, seguindo uma espécie de magnetismo. os
estudiosos dessas picanhas vivas, h. burda e sabine begall, levaram anos observando as
mimosas e o senso magnético parece mesmo fato consumado. pastam para o norte. de repente, estariam à espera da grande aurok, a vaca ancestral, que um dia voltaria para salvar as que mugem e mascam. o problema é que, pelo brasil, o número de vacas aumenta na mesma proporção que os territórios indigenas diminuem. culpa do homo sapiens.
o ser humano, como você deve
conhecer, também tem senso magnético, apesar de que poucos são os que pastam. muitos eu já mandei pastar. outros, nem precisei.
olhem, de certa forma, melhor é compreender a natureza das coisas, mesmo que você não saiba onde fica o norte.
início do século 21. o rio de janeiro ganha mais
uma estátua de notório valor: clarice lispector. chamo atenção para quatro figuras públicas e que não são cariocas: cristo, drummond, clarice e dorival caymmi. todos com estátua, na cidade maravilhosa.
por outro lado, o carioca mais famoso do mundo, agenor oliveira-- o cartola --, não ganhou o
mesmo agrado. olhem, até romário tem estátua... vejam que cariocas ilustres como tom jobim, noel e machado de assis, ganharam o mimo também. e glória maria? para ela, nada de estátua...
também estão na fila, pelo menos
até a publicação desta crônica, fluminenses brilhantes: chiquinha gonzaga, dona ivone lara e arlette pinheiro. sim, arlette, mais conhecida pelo pseudônimo: fernanda montenegro.
início da narrativa "além do ponto" -- caio f abreu:
Chovia, chovia, chovia e eu ia indo por dentro da chuva ao encontro
dele, sem guarda-chuva nem nada, eu sempre perdia todos pelos bares, só
levava uma garrafa de conhaque barato apertada contra o peito, parece falso
dito desse jeito, mas bem assim eu ia pelo meio da chuva, uma garrafa de
conhaque na mão e um maço de cigarros molhados no bolso (...) -[ morangos mofados ]
. . . . . . . . . . . . . . . .
o narrador caminha pela chuva com cigarro e garrafa, na cidade que parece não colaborar com a caminhada. carros espirram lama em seu corpo. mas, segundo a narração, é preciso ir ao encontro dele, de alguém que supostamente o espera e vai acolher seu corpo molhado. haverá música, vinho, roupas secas.
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eu revia daquele jeito estranho de já ter estado lá sem
nunca ter, hesitava mas ia indo, no meio da cidade como um invisível fio saindo
da cabeça dele até a minha, quem me via assim molhado não via nosso
segredo, via apenas um sujeito molhado sem capa nem guarda-chuva, só uma
garrafa de conhaque barato apertada contra o peito. Era a mim que ele
chamava, pelo meio da cidade, puxando o fio desde a minha cabeça até a dele,
por dentro da chuva, era para mim que ele abriria sua porta (...) - [morangos mofados ] . . . . . . . . . . . . . . . .
repara que a narração, no trecho acima, já admite que ele pode nunca ter estado ali antes... por isso, um caminhar confuso. o narrador vai tropeçar, a garrafa bate na pedra, se quebra, escorre conhaque pelo corpo como um sangue de álcool. enfim, ele chega a um lugar e bate à porta. pessoa alguma atende. nada. fim do texto. o que estava levando o narrador obstinadamente àquela porta? um delírio, um sonho, uma alucinação de apaixonado? pelo jeito, trata-se de uma história de busca frustrada por amor. é o caminho angustiante de alguém que se deteriora e escorre como água da chuva. o álcool pode ter contribuído para este estado. ele ficará batendo -- ad infinitum -- naquela porta, um sísifo urbano.
lembro desta foto, era novembro, últimos dias de aula. 1981, segunda série "g", ensino médio. escola: curso oswaldo cruz, na rua américo brasiliense, ribeirão preto. falta mais gente aí, lembro fernando, katia, ligia... e outros tantos mais.
na foto: da esquerda para direita, ao fundo, francisco, eu (camisa escura) e paulo sérgio (camisa branca); no segundo degrau: taís (blusa vermelha) -- fazendo chifrinho na coleguinha --, alessandra, ivana, maria e washington; sentadas: cristiane, agnes e miriam manini (in memorian).
os nomes peguei no verso da fotografia porque, na ocasião, eu mesmo tive o cuidado de colocar.
não sei o rumo de quase todos, com exceção de miriam (falecida, 2020) e eu mesmo, por aqui, campinas, com aulas de literatura. os demais, será que viram esta foto, na época? era tão difícil -- e caro -- fazer cópias... eu gostava de praticamente todo mundo, achava tudo lindo porque também era meu segundo ano em uma escola privada, começava a gostar mesmo de escrever, embora não tão tímido quanto a maioria, nesta escadaria que era um prédio em frente à escola.
esta imagem é achado recente, em meio a memórias guardadas em caixas de papelão. entre o surpreso e o comovido, resolvi correr risco e publicar. será que verão isto?... como estarão, vocês?...
um dos primeiros portugueses que, oficialmente, deixou sua marca por durban, áfrica do sul, foi bartolomeu dias, em 1488. no mesmo lugar, viveu parte da adolescência, o poeta fernando pessoa. ele chegou em 1896, em função do trabalho do padrasto, o cônsul joão rosa. na cidade de durban, pessoa escolheu um heterônimo: c.r. anon (brincadeira com "anônimo"). em 1905, o português das múltiplas personalidades deixava a áfrica do sul. na cidade, há um relógio em sua memória e uma estátua para bartolomeu dias, a quem pessoa dedicou versos:
Jaz aqui, na pequena praia extrema O Capitão do Fim Dobrado o Assombro, O mar é o mesmo: Já ninguém o tema!