Postagens

Mostrando postagens com o rótulo poesia

aparição - sophia de mello bryener andresen - comentário

Imagem
                                             Aparição   Devagar devagar um homem morre   Escura no jardim a noite se abre   A noite com miríades de estrelas   Cintilantes límpidas sem mácula   Veloz veloz o sangue foge   Já não ouve cantar o moribundo   Sua interior exaltação antiga   Uma ferida no seu flanco o mata   Somente em sua frente vê paredes   Paredes onde o branco se retrata   Seus olhos devagar ficam de vidro   Uma ferida no seu flanco o mata     Já não tem esplendor nem tem beleza   Já não é semelhante ao sol e à lua   Seu corpo já não lembra uma coluna   É feito de suor o seu vestido   A sua face é dor e morte crua   E devagar devagar o rosto surge   O rosto onde outro rosto se retrata   O rosto desde sempre pressentido   Por aquele que ao viver o ...

trevas - sophia de mello bryener - comentário

Imagem
                                                [ francisco gijón, cristo em agonia, séc 17 ]             7.  Trevas         O que foi antigamente manhã limpa        Sereno amor das coisas e da vida        É hoje busca desesperada busca        De um corpo cuja face me é oculta.                 [ O cristo cigano,  1961 , Sophia de M B Andresen ]      . . . . . .  .  .  .   .   .    . este é o sétimo poema de "o cristo cigano".   aqui, pode ser a voz do escultor -- que aparece no poema 1 -- que está buscando uma imagem de um cristo em agonia para construir sua estátua.  agora, se liga nessa história :   sophia breyner encontrou-se com...

nebulosas - livro de narcisa amália - comentário

Imagem
  narcisa amália de campos (1852-1924) nasceu em são joão da barra, rio de janeiro e faleceu na cidade do rio de janeiro "nebulosas": poesias românticas com algum teor crítico. isso a aproxima do que fez castro alves, na mesma época, ou seja, na segunda metade do século 19. o livro de narcisa é de 1872.  o livro apresenta três partes: a primeira com um poema apenas, " nebulosas "; a segunda com 27 poemas e a terceira, 16 poemas. o texto que abre esta última parte é justamente "castro alves". no geral, o que chama atenção do leitor, hoje, é o excesso de termos raros, uma escolha lexical que pode cansar o leitor apressado, dificultando a interpretação, num primeiro momento. é preciso estar sempre próximo a um dicionário. no conjunto, a obra "nebulosas" é de lirismo denso, místico, lavado de cristianismo e melancolias.  a natureza é constantemente citada como cúmplice das emoções, em muitos poemas. o livro  "nebulosas" também traz atmosfe...

ceia - josé paulo paes

Imagem
                                                              José P Paes  1926-98        C E I A    Pesca no fundo de ti mesmo o peixe mais luzente.    Raspa-lhe as escamas com cuidado: ainda sangram.    Põe-lhe uns grãos do sal que trouxeste das viagens    e umas gotas de todo o vinagre que tiveste de beber                                                                           na vida    Assa-o depois nas brasas que restem em meio    a tanta cinza   Serve-os aos teus convivas, mas com pão e vinho   do trigo que não segaste, da uva que não colheste   ...

resumo das notícias do dia

Imagem
                                                        [ ilustração por c h carneiro - via i.a. ]         resumo das notícias do dia            vamos morrer            mas não agora

poesia falada é slam

Imagem
  alê barreto (slam capão, s paulo) em 2009, a amiga julia ciasca estava na alemanha. de lá, ela me falaou do p oetry sla m, evento literário que então acontece uma sexta feira por mês, desde 1997. ocorre em bares e clubes, dentre outros espaços. a coisa toda, na alemanha, se chama s t atz nach vor n , algo como "frase adiante". existe classificação, júri e prêmios. fico pensando em incluir poesia nas próximas olimpíadas, já que pela grécia essa atividade artística -- o versejar -- era sempre exaltada. são três minutos que o ser humano tem para transmitir seu texto. não pode música. nem figurino específico. eu ganharia fácil do gabriel, o pensador, certeza. pois então fica uma dica excelente, nos mundos da poesia orgânica e ao vivo... se você já ouviu falar em "sarau", pode atualizar. obrigado ju ciasca.  slam incorporado com sucesso.      . . . . . . .  .  .  .  .  .   .   .   .    .    ...

para viver um grande quadro

Imagem
                                    [Vinícius de Moraes, 1938 – óleo –  56 x 47 cm  - Portinari]                             [Maria L Proença, 1938 – óleo –  60 x 73 cm  - Portinari]   durante muito tempo, não soube que cândido portinari tinha feito retrato do poetinha. e ainda jovem. folheando "para viver um grande amor", do vinícius, achei uma crônica em que ele reclama com a filha susana, a posse do quadro. ela, prestes a casar-se, levaria consigo a peça de portinari. a questão era coerente: a nova namorada de vinícius (futura esposa) tinha sido também retratada por portinari: maria lúcia proença. o traço do pintor traz uma sobriedade que talvez não combinasse com ele, mas quem sabe do que se passa em mente de artista? se susana devolveu-lhe o quadro, não sei. só garanto que tenho um tanto ...

balancete - josé paulo paes - comentário

Imagem
  [ J P Paes - 1926-88 ]         BALANCETE                                            J o sé P au lo P a es      A esperança: flor    seca mas (acaso    ou precaução?) guardada    entre as páginas de um livro.    A incerteza: frio    de faca cortando    em porções cada vez menores    a laranja dos dias.    O amor: latejo    de artéria entupida    por onde o sangue se obstina    em fluir.    A morte: esquina    ainda por virar    quando já estava quase esquecido    o gosto de virá-las.           [in " prosas seguidas de odes mínimas ", cia das letras] b alancet e :   doc umen to que m ost ra movi menta ções fi nanceiras e m u m certo per íod o, nu m a em ...

somos todos passarinhos

Imagem
                                    fim de jogo entre santos e palmeiras. outubro, 2023. vitória do time da praia. na entrevista, o técnico derrotado abel ferreira disse: “(...) fomos passarinhos na forma como sofremos os dois gols… já contra o boca, fomos passarinhos na forma como sofremos o gol”. metáfora instigante porque é raro, no contexto do futebol, uso de prosa poética. fomos passarinhos, disse abel. o que pode ser? foram leves demais? voaram ao invés de correr pelo campo de jogo? ficaram cantando enquanto as formigas do santos e boca júniors trabalhavam? pode ser tudo isso. olho pela janela, a vida urbana fervendo: entregadores de comida, ônibus, barulho do cortador de grama, cães, muitos carros, muita gente ainda apressada. um eterno clássico, desafio nós-contra-eles. e eles estão ganhando. olhem, acho que fomos todos passarinhos, alguma vez na vida. fomos passarinhos porque não combatemo...

aos óculos - josé paulo paes - comentário

Imagem
           AOS ÓCULOS    [ José Paulo Paes ]     só fingem que põem       o mundo ao alcance     dos meus olhos míopes.     já não vejo as coisas     como são: vejo-as como querem     que eu as veja.       logo, são eles que vêem,     não eu que, cônscio     do logro, lhes sou grato     por anteciparem em mim     o Édipo curioso     de suas próprias trevas.      [in " prosas seguidas de odes mí nimas ", 1992]   . . . . . . . . . . .  .  .  .  .  .   .   .   . dos doze versos, pelo menos quatro com cinco sílabas poéticas, sugerindo, logo de início, um ritmo tradicional, a redondilha menor. as lentes dos óculos mentem a realidade. as lentes podem ser essa representação de consumismo, como já se viu no poema "ao shopping center", no mesmo livro. as...

escolha de túmulo - josé paulo paes - comentário

Imagem
                                                        [ j p paes - por osvalter ]           ESCOLHA DE TÚMULO                                José Paulo Paes                                 Mais bien je veus qu'un arbre                              m'ombrage au lieu d'un marbre .  -  R onsar d -   Onde os cavalos do sono   batem cascos matinais.   Onde o mundo se entreabre   em casa, pomar e galo.   Onde ao espelho duplicam-se   as anêmonas do pranto.   Onde um lúcido menino   propõe uma nova infância.   Ali repousa o poeta.  ...

ao shopping center - josé paulo paes - comentário

Imagem
                                                             [josé paulo paes 1926 - 98]         AO SHOPPING CENTER                    José Paulo Paes     Pelos teus círculos     Vagamos sem rumo     Nós almas penadas     Do mundo do consumo.     Do elevador ao céu     Pela escada ao inferno:     Os extremos se tocam     No castigo eterno.     Cada loja é um novo prego em nossa cruz.     Por mais que compremos     Estamos sempre nus     Nós que por teus círculos     Vagamos sem perdão     À espera (até quando?)    Da Grande Liquidação.         [in: "prosas seguidas de odes mínimas", cia das letras]...