quinta-feira, 24 de março de 2022

gil vicente, tragédia grega e o racismo

 


esta semana, conversei com alunos e alunas do curso pré-vestibular sobre gil vicente, dramaturgo português, lá do século 16.
num determinado momento, chegamos a "auto da barca do inferno", peça popular, teatro de rua dos mais famosos em língua portugesa. nessa peça, pessoas que morrem, acabam na frente de duas barcas: uma que vai pro céu, outra para o inferno. comandadas pelo anjo e pelo diabo, respectivamente. um dos personagens que chega é o judeu. ele carrega uma cabra consigo. 
pausa: na grécia antiga, o termo "tragédia" pode ter se originado da expressão "canção do bode". ele seria sacrificado em honra a dioniso -- assim mesmo, sem o "i" -- dioniso. o que isso significa? após a invasão romana sobre região grega, encontramos a captura desse item da tragédia pelo cristianismo. desta forma, de modo bem maniqueísta, temos a figura do mal -- para os cristãos -- centrada no demônio, cuja representação é um bode. até hoje.
voltando a vicente, século 16.
o judeu é caracterizado como figura desprezível, à medida que carrega consigo o tal bode, símbolo do mal para os cristãos. resultado: o anjo não o recebe, sequer responde os apelos do judeu. e o diabo não quer levá-lo em sua barca! no fim das contas, o diabo acaba tendo pena do judeu e o leva ao inferno, numa prancha atada ao barco, porque, no limite, ele nem poderia entrar na embarcação.
daí, na aula, pensamos sobre racismo, sobre intolerância. ficamos ainda pasmados com tanto caso de violência sobre o outro simplesmente porque esse "outro" é diferente da gente na cor da pele, no modo como se conecta a seus deuses, na maneira como se veste ou como se comporta sexualmente. é bem doloroso. 
a escola é sim um lugar de debate sobre esse tema tão caro a história das nossas gentes. mas não só de escola vive o ser humano. é preciso denunciar casos de intolerância; educar nossas crianças e, aí, sim, na sala de aula, debater com estudantes de qualquer idade essa questão das diferenças. dá pra usar a literatura, a arte plástica, o cinema, a ciência, até o próprio pensamento dá pra usar. e denunciar sem medo casos de racismo. não ficar neutro. só detergente é neutro. você não.

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